Feriado de sete de setembro, tivemos o dia mais intenso desde o início de nossa viagem. Às 4:30 já estávamos na estrada, saindo da Pousada Mutum rumo à São Pedro de Joselândia, comunidade que sofre com a seca pantaneira. Apesar de andarmos por mais de 2 horas, não saímos do extenso município de Barão de Melgaço.
Com o sol ainda brando (para os padrões locais), fomos recebidos por Seu José, coordenador da Defesa Civil da comunidade. Paulista com mais de quatro décadas de Mato Grosso que, apesar de sexagenário, esbanjou vitalidade na jornada que nos conduziu durante o dia todo, inclusive quando as temperaturas atingiram 39º C (e sensação de 41º C). Começamos com a visita a alguns mananciais que servem de fonte de água para rebanhos e animais silvestres no meio da vegetação que, de dezembro até, em geral, fevereiro ou março, ficam submersos pela inundação característica do bioma, mas que, neste ano, foram muito menores do que costumam ser.
“Isso aqui em dois dias já vai secar”, contava Seu Zé, apontando para os lamaçais que já foram reservatórios fartos e alertando para a urgência da situação. Em meio às últimas plantas aquáticas sobreviventes, vimos alguns jacarés amontoados nas finas lâminas de água. Em outros locais, eles não tiveram tanta sorte. Passamos por algumas carcaças que secaram junto com a água e outras de animais que atolaram tentando saciar a sede nas poças de lama. Perdemos as contas das dezenas de reservatórios secos que ele nos apontou nos percursos.
Vale salientar que não está faltando água apenas para o gado, muito presente na região (criação extensiva), mas também para os animais silvestres, que por vezes vimos disputar espaço com os rebanhos para se hidratar. As pessoas também estão com insegurança hídrica. Agora à noite, um brigadista do Polo Ambiental do SESC Pantanal, para onde viemos após a comunidade, nos alertou que, se não fossem os poços artesianos furados do ano passado para cá, ninguém mais conseguiria sobreviver na região.
Segundo Seu Zé, para deixar um poço funcionando, da perfuração à bomba, são necessários R$14 mil, no mínimo. As famílias se solidarizam, fornecem água umas às outras e evitam que a comunidade se torne um polo de emigração em massa.
A escassez hídrica não destrói apenas o meio ambiente, ela destrói a economia e a sociedade que dela depende. Quem lê isso em um grande centro urbano, onde o manancial que abastece o filtro e o chuveiro está longe, pode pensar que esse é um problema distante. Vale ressaltar que, segundo o Relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), regiões como o Sul e Sudeste brasileiro, sobretudo as grandes cidades, deverão sentir os efeitos da falta de água muito em breve, dentro das próximas décadas.
Pantanal ameaçado é um projeto de Leandro Barbosa, Victor Del Vecchio, Lina Castro e Gabriel Schlickmann, financiado coletivamente e que conta com o apoio da iniciativa Observa-MT.
Leia também
Seca no Pantanal produz árvores sem frutos e animais ficam sem comida
Voluntários têm espalhado frutas por pontos estratégicos para ajudar na alimentação de animais silvestres. Seca severa afetou as árvores frutíferas →
No Pantanal, animais à procura de água param de evitar humanos
Em São Pedro da Joselândia, animais precisam andar quilômetros atrás de água. Em Barão de Melgaço, uma anta veio a óbito por causa seca. Saiba como foi o nosso segundo dia em campo →
Diário de bordo: Chegada ao Pantanal Matogrossense e o objetivo desse blog
Nossa equipe passará 10 dias em campo e contará, aqui, em ((o))eco, a situação das queimadas e secas no bioma que mais perdeu superfície hídrica no país →