Organizações socioambientais de Mato Grosso elaboraram uma nota jurídica que aponta o que elas consideram como ilegal na proposta que quer limitar a criação de novas áreas protegidas no estado. Encaminhada a deputados do estado e protocolada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Presidência e Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), o documento pede a rejeição integral da proposta.
De autoria do governador Mauro Mendes (União Brasil-MT), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12/2022 foi apresentada no dia 6 de dezembro de 2022 à ALMT, onde tramita de forma expressa. Na última semana, a PEC só não foi votada por conta do pedido de vista do deputado Lúdio Cabral (PT-MT).
A proposta é tida como uma “grave fragilização da Política Estadual de Meio Ambiente” e uma violação explícita à Constituição Federal pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) e pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), entidades que assinam a nota e juntas representam mais de 30 organizações socioambientais do estado.
“Não cabe ao estado propor regra geral. Isso é competência privativa da União. Quando ele apresenta dois novos requisitos para criação de Unidades de Conservação (UCs), ele está extrapolando a sua competência porque quem estabelece essa regra geral para territórios especiais como UCs é a União”, conta Herman Oliveira, secretário-executivo do Formad, a ((o))eco.
Os requisitos ao qual ele se refere são, primeiro, a subordinação da criação de novas UCs à regularização fundiária de pelo menos 80% das áreas protegidas já existentes, e, segundo, o aumento de dois para dez anos o prazo de implementação de UCs já existentes. “É absurdo. […] o estado sequer sabe a situação delas em termos de legalidade ou ilegalidade porque o CAR (Cadastro Ambiental Rural) no estado de Mato Grosso não está finalizado”, comenta.
Violação da Constituição
Segundo a nota jurídica, os argumentos utilizados pela PEC para justificar as mudanças propostas são ilegais. “A PEC […] utiliza-se de um discurso que induz ao erro, na medida em que, por meio de uma retórica de proteção ambiental, deixa oculta tanto a constrição que faz à proteção ambiental quanto o real objetivo de priorizar direitos patrimoniais privados”, diz o documento.
Uma das justificativas dadas pela PEC, por exemplo, é o que ela chama de “grave problema social” causado pela criação de UCs sobre propriedade privada. “A constituição de UC, sem a devida previsão de regularização fundiária gera um quadro de caos […], que muita vezes leva o judiciário a tentativa de solucionar a problemática criada, como ocorre, por exemplo, com o Parque Serra de Ricardo Franco e Cristalino”, diz a proposta referindo-se ao Parque Estadual Cristalino II, que como mostrou ((o))eco já tem 74% da sua área ocupada pela grilagem e vive dias de indefinição após a notícia de sua extinção, revertida no ano passado pela Justiça de Mato Grosso.
Para rebater esse, e também outro trecho da PEC que usa o artigo 225, inciso III, da Constituição Federal para justificar as mudanças, as entidades socioambientais esclarecem que não existe previsão legal ao Poder Público para limitar a criação de espaços ecologicamente especiais, mas sim para definir quais espaços devem ser especialmente protegidos.
“A PEC […] busca uma alteração legislativa que, com efeito, é menos protetiva do que a Constituição Federal da República. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais, mas desde que sejam mais protetivas, o que não é o caso”, diz outro trecho do documento.
Ao propor requisitos para a criação de UCs que não estão previstos na legislação federal e que reduzem o grau de proteção ambiental, a PEC causa interferência na competência privativa da União para legislar sobre os requisitos de criação de UCs, alertam as entidades.
Por fim, a nota jurídica denuncia que a PEC não está sendo subsidiada por nenhum estudo técnico que comprove a impossibilidade de regularização das UCs já existentes no estado. “Além de ser omissa em relação à proibição de indenização das áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação da Unidade”, acrescenta o documento.
Tramitação acelerada
Como mostrou ((o))eco, a PEC 12/2022 foi apresentada à ALMT em dezembro do ano passado. E já em 11 de janeiro deste ano, a proposta teve parecer favorável do relator da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa de Leis mato-grossense, o deputado Dilmar Dal Bosco (União Brasil-MT). Na última semana, o projeto apenas não foi votado em primeira votação por conta do pedido de vista, que foi acompanhado de três parlamentares.
“Vale ressaltar, ainda, que além da latente inconstitucionalidade formal e material, a tramitação da PEC está sendo feita sem qualquer participação popular e debate público”, diz a nota jurídica, ao afirmar que a proposta nem mesmo chegou a ser discutida pelos deputados com a população.
Neste momento, a expectativa das entidades que assinam o documento é o estabelecimento de um diálogo que torne possível o entendimento da importância da derrubada da PEC. “Ainda que a decisão seja fundamentalmente política, e não técnico-jurídica, a gente espera que a Procuradoria e a CCJ se posicionem do ponto de vista da ilegalidade do projeto”, conclui o secretário-executivo do Formad.
Entenda o que deve mudar na Constituição do Estado de Mato Grosso com a PEC 12/2022
Artigo 263
Como era
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Como fica
Igual.
Parágrafo novo
Como era
Não tinha.
Como fica
§ 3° A criação de uma unidade de conservação de domínio público, quando incluir propriedades privadas, está condicionada, obrigatoriamente, aos seguintes requisitos:
I – à regularização de 80% das Unidades Estaduais de Conservação atualmente existentes; e
II – à disponibilidade de dotação orçamentária necessária para a completa e efetiva indenização aos proprietários afetados.
Parágrafo novo
Como era
Não tinha.
Como fica
$ 4° Enquanto perdurar a situação prevista no inciso I do parágrafo anterior, o Estado de Mato Grosso priorizará a regularização fundiária no âmbito das Unidades de Conservação já criadas através dos seguintes instrumentos:
I – Compensação ambiental paga por empreendimentos de significativo impacto ambiental;
II – Instituição de Cota de Reserva Ambiental.
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Como era
Art. 3º Ficam mantidas as Unidades de Conservação Ambiental atualmente existentes, promovendo o Estado a sua demarcação, regularização dominial e efetiva implantação no prazo de dois anos, consignando-se, nos próximos orçamentos, as verbas para tanto necessárias.
Como fica
Art. 3° Ficam mantidas as Unidades de Conservação Ambiental atualmente existentes, promovendo o Estado sua demarcação, regularização dominial e efetiva implantação no prazo de 10 anos, ao contar o início de vigência da Emenda à Constituição, consignando-se, nos próximos orçamentos, os recursos financeiros necessários.
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