A Mata Atlântica é uma das regiões mais devastadas e ameaçadas no Brasil, onde as imparáveis pressões do desmate e da fragmentação da vegetação natural ameaçam a biodiversidade, o clima e as fontes de água que abastecem pessoas e economias, nas cidades e no campo.
Diante desse cenário, aperfeiçoar a vigilância e a punição dos crimes ambientais é crucial para conservar e recuperar o bioma – lar de sete em cada dez brasileiros. Agora, esse trabalho ficou mais fácil com uma ferramenta desenvolvida no Rio Grande do Sul que detecta e mapeia mudanças na flora nativa.
Usando imagens de satélite e dados geoespaciais, ela permite análises mais rápidas e precisas sobre os delitos ambientais, sejam desmatamentos ou conversão de campos de altitude, ambos muitas vezes eliminados ilegalmente para a agropecuária ou o cultivo de árvores exóticas, como eucaliptos e pinus.
Para tanto, o sistema automatizado – criado por pesquisadores do Instituto-Geral de Perícias (IGP), UFRGS e Unisinos – usa o NDVI (sigla em Inglês do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada) para comparar a vegetação antes e depois das intervenções humanas.
O NDVI já é usado por setores como o agronegócio, por exemplo, para monitorar lavouras, identificar falhas em plantios, detectar pragas, falta d’água ou de nutrientes, bem como acompanhar o crescimento e a produtividade de diferentes cultivos.

Geosistemas integrados
Além de apontar de forma mais certeira os crimes, os relatórios da ferramenta podem ser integrados a outros sistemas de geoinformação, como do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR), ajudando a elucidar até se Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram afetadas.
Para os pesquisadores, isso tudo mostra como análises de vegetação podem ser automatizadas com imagens satelitais e apoiar investigações criminais, além de abrir caminho para o uso da inteligência artificial e à aplicação em outros delitos, como em pantanais e demais áreas úmidas.
“A pesquisa integra um projeto maior para criar e aprimorar ferramentas que apoiem a perícia ambiental e tornem os laudos periciais mais qualificados”, disse Renata Cardoso Vieira, chefe da Seção de Perícias Ambientais do Instituto-Geral de Perícias do RS.

Ataques à floresta litorânea
A ferramenta desenvolvida em solo gaúcho também poderia aprimorar ações inovadoras ou costumeiras contra a criminalidade ambiental num dos biomas mais devastados do país – do qual restam apenas 24% da floresta original, sendo apenas 12,4% de matas maduras e bem preservadas.
Criada em 2017 no Paraná como uma força-tarefa entre Ministério Público e órgãos ambientais para coibir o desmatamento ilegal no bioma, a Operação Mata Atlântica em Pé ganhou escala nacional e vem revelando algumas das maiores frentes de devastação.
Este ano, não foi diferente. Após constatar que ao menos 12,3 mil ha foram eliminados desde o ano passado, agentes aplicaram R$ 116 milhões em multas, mas o valor pode subir quando forem consolidados dados dos 17 estados do bioma. Até agora, Minas, Piauí e Ceará lideram a devastação.
Do total desmatado, 2,8 mil ha se devem a enxurradas e outros eventos climáticos extremos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul em 2024.
Em alguns estados, pessoas foram presas em flagrante ou foram apreendidos máquinas e equipamentos como escavadeiras, carregadeiras e motosserras. A fiscalização é direcionada por alertas do sistema MapBiomas.
Promotor para os vales do Jequitinhonha e do Mucuri no MP-MG, Rauali Kind Mascarenhas destacou a importância da operação. Ele lembrou que a Mata Atlântica fornece água para cerca de 120 milhões de pessoas e explicou os passos que levaram às autuações.
“A primeira fase foi o levantamento dos desmates, seguidos pela identificação dos proprietários e pela fiscalização presencial. Na quarta fase, há responsabilização por meio do Ministério Público para interrupção dos desmatamentos e reparação dos danos ambientais”, descreveu.
Já para o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR) e coordenador nacional da operação pela Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente), Alexandre Gaio, a iniciativa ultrapassa gestões e se fortalece a cada edição.
“A Mata Atlântica em Pé se tornou uma política pública estruturada e permanente. Ela demonstra que, com articulação, tecnologia e inteligência, é possível fiscalizar quase a totalidade do desmatamento ilegal no bioma e avançar na sua proteção e recuperação”, avaliou.
*Com informações do IGP, Governo do RS, MP-PR e MP-MG.
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