Reportagens

Depois da chuva

Como em todo verão, moradores das margens do rio Piabanha, em Petrópolis (RJ), sofreram com as enchentes. Mas para a Justiça, não é preciso tirá-los de lá.

Juliana Fernandes ·
1 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Cinco meses depois de ter assistido ao embate entre o Ministério Público e o juiz da 4ª Vara Cível de Petrópolis, Ronald Pietre, sobre a remoção de famílias que vivem em área de risco nas margens do Rio Piabanha, em Petrópolis (RJ), Adriana Aparecida Carolina da Costa, 30 anos, ainda guarda esperanças de que o próximo verão seja bem diferente do que passou.

Moradora de Pedro do Rio, numa área que fica entre a Estrada União-Indústria e a BR-040 (Rio – Juiz de Fora), ela viu as enxurradas carregarem em janeiro o quintal da casa do irmão, construída numa área aterrada no mesmo terreno que a dela. Sem ter para onde ir, permaneceu na construção de cinco cômodos erguida pelo pai há dois anos. Lá ela espera uma ajuda divina: reza para que não chova e para que sua família continue a salvo das águas do rio.

Adriana é mineira, filha de lavradores que abandonaram a roça para tentar dar uma vida melhor aos filhos no Estado do Rio. Escolheram Petrópolis porque disseram ao pai, Isidoro da Costa, 60 anos, que na cidade havia grande oferta de emprego em sítios. O emprego ele conseguiu. Trabalhou num sítio por 20 anos, mas acabou demitido quando o patrão adoeceu. Com o dinheiro que recebeu, comprou de um posseiro um pedaço de terra na margem esquerda do Piabanha, mas nunca viu a escritura. Nem poderia: a área é de preservação permanente e todas as construções à margem do rio são ilegais. Logo no primeiro verão, Isidoro descobriu que a idéia não tinha sido tão boa.

“A gente começou a ver que quando chovia o rio enchia muito e invadia as casas que ficavam mais baixas do que a nossa. Um dia nos demos conta de que a água estava levando a terra e que, mais cedo ou mais tarde, nossa casa e a do meu irmão, que fica ao lado, estariam ameaçadas”, conta. Este ano o pesadelo se tornou realidade. Numa manhã de janeiro, depois de um forte temporal, a água do rio Piabanha levou parte do aterro sobre o qual tinha sido construída a casa do irmão. Ele se mudou para o município de Areal com a família, mas Adriana, seu marido, os dois filhos e o pai, sem opção, permanecem na casa.

Sem esconder a tristeza, ela diz que sua vida é um eterno medo. “Aqui a água sobe muito rápido e leva o que tiver na frente. Quando a chuva cai de dia a gente fica em alerta, mas ainda consegue relaxar. O problema maior é quando chove à noite. Com pouca luz, fica difícil saber o que está acontecendo à nossa volta. Aí dormir é coisa que ninguém faz”, lamenta ela. As crianças, de 2 e 12 anos, também compartilham o temor. “Quando chove eles correm para deitar comigo. A gente fica junto, acordado. Se ouvimos um barulho, saímos correndo”, conta.

A história de Adriana é bem parecida com a da maioria dos moradores das margens do Piabanha. A família do motorista Marlan da Silva Mendes, 29 anos, perdeu em janeiro boa parte do que tinha. Durante um temporal, a água invadiu a casa onde ele mora com o pai, o irmão, a cunhada e dois sobrinhos e destruiu quase a metade dos móveis. “Quando cheguei já tinha mais de meio metro de água dentro de casa. Levamos um tempo para conseguir entender o que tinha acontecido”, relembra. A família perdeu móveis, colchões e todos os mantimentos. Ainda assim, dizem não ter vontade de sair de casa. “Tudo isso foi construído pelo meu pai, há 30 anos, mas só há cinco começamos a ter esse tipo de problema. Tem que ter uma explicação”.

Segundo a chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis, a bióloga Yara Valverde, a explicação para o agravamento do problema ao longo da Estrada União-Indústria é simples. “Pesquisas mostram que há 20 anos as enchentes eram restritas ao Centro. Hoje o que podemos afirmar é que o problema está seguindo o curso do rio. Os aterros irregulares, o despejo de lixo e entulho no rio e a ocupação das margens estão agravando o problema. Se nada for feito, daqui a pouco cidades vizinhas que recebem as águas do Piabanha, como Três Rios, também vão sofrer as conseqüências”, alerta.

Para a promotora Denise Tarin, que em outubro de 2004 entrou com uma ação pedindo a remoção dos moradores da margem do rio, é preciso agir mais rapidamente. “O risco existe e é visível. Se nada for feito, as famílias vão sofrer os mesmos problemas no próximo verão e a tendência é que as conseqüências sejam cada vez mais graves”. Atualmente existem cinco ações movidas pelo Ministério Público pedindo a remoção imediata de famílias da área de risco. Todas foram negadas pela Justiça e estão em fase de recurso.

Embora sem um levantamento completo, a Prefeitura estima que existem mais de 2.500 famílias vivendo nas margens do Piabanha, do primeiro ao quarto distrito de Petrópolis. Um estudo já concluído mostrou que só ao longo da BR-040, na faixa de domínio da Concessionária Rio-Juiz de Fora, são 400 as construções irregulares ameaçadas pelo Piabanha.

O secretário municipal de Trabalho e Ação Social, Jorge da Silva Maia, diz que o município vem fazendo o que pode, mas que não há como resolver o problema de um dia para o outro. “Milagre não se faz. A degradação ambiental que encontramos é resultado do acúmulo de pelo menos três décadas. Não adianta achar que dá para exigir a remoção das famílias imediatamente, porque não dá”, critica, sem esconder a irritação com a pressão do Ministério Público.

Em 2005, a prefeitura removeu das margens do rio Piabanha pelo menos 50 famílias. Elas foram beneficiadas por projetos sociais do município, como o “aluguel-social” de R$ 200 e o “auxílio-emergência” de R$ 100. “Estamos construindo dois conjuntos habitacionais para atender esse grupo. Não adianta tirar as famílias das áreas críticas sem ter como garantir um outro teto”, finaliza o secretário.

* Juliana Fernandes é jornalista recém-formada e mora em Petrópolis (RJ). Trabalhou como repórter da editoria de interior do Jornal O Dia.

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