Reportagens

Choro de perdedor

Para infelicidade dos madeireiros, Requião manifesta apoio oficial às áreas de proteção das araucárias e Ministério do Meio Ambiente garante que o projeto sai.

Lorenzo Aldé ·
11 de maio de 2005 · 19 anos atrás

A ofensiva ruralista contra a proteção das Florestas de Araucárias colecionou más notícias na tarde de ontem, terça-feira, em Curitiba.

Os madeireiros, empresários e políticos que partiram da cidade de Ponta Grossa pela manhã, em caravana de 19 ônibus, deram com a cara na porta do Palácio do Governo. Informado da manifestação, Roberto Requião transferiu para sua residência oficial a reunião com representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Força-Tarefa Araucárias, para tratar da criação de áreas de preservação do ameaçadíssimo ecossistema, que já sumiu de mais de 99% de seu território original.

Instalados na praça do Centro Cívico da capital paranaense, os cerca de 300 manifestantes anti-araucárias tiveram que dividir espaço com um igual número de defensores do projeto. Estes eram estudantes secundaristas e de várias universidades de Curitiba, de rostos pintados e munidos de bandeiras nacionais e faixas em defesa das araucárias. No fim do dia, chegaram à praça notícias sobre o saldo da reunião: o governador não só apóia integralmente a proposta das cinco unidades de conservação no Paraná (um Parque Nacional, duas Reservas Biológicas e dois Refúgios de Vida Silvestre) como demonstrou insatisfação quanto às tentativas violentas de obstrução do processo pelos ruralistas e alguns políticos locais.

A última reunião de consulta pública para discutir a criação das áreas protegidas, que seria realizada na cidade de Palmas no dia 27 de abril, foi suspensa por falta de segurança, depois que madeireiros insuflaram a população a barrar a entrada dos organizadores. Em Santa Catarina, outras duas consultas públicas já haviam sido impedidas na marra pelos anti-araucárias. Eles se apegam ao argumento de que a criação das reservas ambientais vai tirar empregos da população e penalizar os pequenos produtores. Apesar do maciço apoio da população à proteção das araucárias (estimada em cerca de 97% pelo Ibope), a imprensa local começa a comprar o discurso catastrofista. Em sua edição de quarta-feira, 11, o principal jornal de Santa Catarina, A Notícia, publicou artigo assinado pelo deputado federal Gervásio Silva (PFL), em que ele afirma que “a revolta do povo de Santa Catarina contra a criação das áreas de preservação se dá porque ela não leva em conta o desenvolvimento socioeconômico da região Oeste, uma das que detêm Índices de desenvolvimento humano entre os mais baixos do Estado”. Outra reportagem do jornal, na mesma edição, afirma que R$ 700 milhões em investimentos podem ser perdidos caso as áreas protegidas sejam efetivadas.

“Eles querem promover o desenvolvimento às custas do menos de 1% do que restou das Florestas de Araucária?”, pergunta Miriam Prochnow, da ong Associação de Preservação do Meio-Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi). Assim como ela, os ambientalistas envolvidos no processo estão surpresos com a resistência dos ruralistas e consideram as críticas desprovidas de qualquer embasamento técnico. “O impacto sobre atividades econômicas será ínfimo. Nenhuma pequena propriedade será desapropriada e a área onde haverá mais moradores afetados é o Parque Nacional de Ponta Grossa, onde eles não passam de 32 famílias”, afirma João de Deus Medeiros, membro da Força-Tarefa.

Ele também considera absurdas as queixas de que o processo foi feito sem a devida participação da sociedade. “Nenhum processo de criação de unidades de conservação no Brasil foi tão discutido quanto este!”, afirma João de Deus, no que é endossado pelo Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco: “Em março de 2003 foi criado um Grupo de Trabalho com lideranças políticas, ruralistas, empresários e representantes do movimento social. Desde então foram feitas várias reuniões nos municípios, dezenas de debates, entrevistas de rádio e intensa discussão local. O levantamento das áreas envolveu as agências ambientais estaduais (Fatma, de Santa Catarina, e IAP, do Paraná)”. 

Por causa dos protestos, a ministra Marina Silva recomendou aos governadores que aceitem pedidos de novas consultas públicas por parte das prefeituras onde elas não foram realizadas normalmente: Abelardo Luz (SC), Ponte Serrada (SC) e Palmas (PR). Fez porém a ressalva de que os prefeitos precisam se responsabilizar pelas reuniões e pela segurança dos participantes. O prazo para a solicitação de novas consultas acaba sexta-feira, dia 13.

Com o apoio oficial do governador, a situação no Paraná parece definida. Mesmo que seja necessário fazer mais um encontro em Palmas, Capobianco espera que já na semana que vem o presidente Lula assine o decreto de criação das áreas protegidas.

Sobre Santa Catarina, a previsão não é tão otimista. Até porque o governador Luiz Henrique (do PMDB como Requião) está do lado dos madeireiros. Ao contrário de seu colega paranaense, Luiz Henrique fez da reunião com o MMA, na semana passada, um ato público de madeireiros contra as três unidades de conservação a serem criadas no estado (uma Estação Ecológica, um Parque Nacional e uma Área de Preservação Ambiental, APA). A pressão surtiu efeito: o Ministério aceitou colher mais sugestões sobre a APA das Araucárias, localizada entre os municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, com 425 mil hectares. O prazo das negociações foi estendido até o mês que vem.

Mas Capobianco avisa aos anti-araucárias que não adianta alimentar esperanças de derrubar o projeto. “As audiências servem apenas para ajustar os limites, melhorar a proposta. Não se trata de plebiscito. A decisão da criação já está tomada”, encerra a questão.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

Leia também

Salada Verde
7 de maio de 2024

Ararinha-azul ganha centro de conservação no Zoo de SP

Com espaço para abrigar até 44 ararinhas, local terá como objetivo cuidado, bem-estar e reprodução de indivíduos para soltura na natureza

Análises
7 de maio de 2024

Só a restauração ecológica será o suficiente para a persistência dos ecossistemas?

Não, visto que lidamos com inventários limitados das espécies. Uma solução viável seria a realização de inventários e monitoramento da fauna e flora antes, ou de concomitante com a execução de projetos de restauração

Notícias
6 de maio de 2024

Ministério Público de MT vai tentar reverter extinção do Parque Cristalino II

Sociedade Civil se une contra recente decisão da justiça matogrossense. Governador do Estado já declarou que não tem interesse em recorrer

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.