O aquecimento global ainda não se fez sentir no clima goiano. Com a inclinação do eixo da Terra em relação ao sol a partir do equinócio de maio, o frio se insinua no hemisfério sul, e no Cerrado a natureza se mostra caprichosa. A mudança de clima, típica do período, transforma radicalmente o cenário na savana brasileira. Paisagem. Luz. Cor. O Cerrado dá um show que encantaria os impressionistas. Pena que Monet não tenha visto.
Com mais atmosfera para atravessar, a luz solar perde cor azul e o dourado banha o planalto. A seca já se anuncia nas folhas das árvores, que adquirem tons sépia e, silenciosamente, se despregam dos galhos. Uma a uma, em movimento característico da vegetação cerradina. Esse fato, aparentemente simples, determinará a floração ainda na seca e a frutificação, logo mais na época da chuva, garantindo assim nutrição para centenas de espécies de mamíferos e aves.
A secura começa a aumentar. A umidade relativa do ar chega a 10 por cento. É desértico. Durante o dia, a temperatura beira os 40 graus. À noite, cai para 15. Essa alternância é fundamental para a ecologia de diversas espécies de plantas que precisam dos extertores do clima para florir. Caso do ipê (Tabebuia sp – foto acima). É na seca que a árvore explode em pura cor: amarelo, roxo, branco. Cada tom floresce ao seu turno em uma escala cromática de luxúria estonteante em contraste com o cinza/palha. Van Gogh amaria.
O mato se transforma em puro combustível e o fogo pode surgir do nada. É auto-combustão, verificada em pontos extremamente secos da vegetação. O homem sempre dá aquela mãozinha. Um toco de cigarro aceso jogado pela janela do carro pode dar início a um incêndio florestal. O número de focos de calor sobe exponencialmente. Queimadas e incêndios se revezam, pontuando a paisagem. Vistos do alto, os incêndios formam colares de luzes flamejantes. Embaixo, ficam os rastros da destruição: animais e plantas carbonizados.
Se de um lado a morte impera, do outro a vida avança bruta. A profusão de flores espanta os menos avisados. Quem imaginava que a seca era o fim de tudo leva um susto. Centenas de espécies de flores fazem do Cerrado um jardim inigualável.
A água, cujo berço é aqui mesmo, esfria e causa arrepios só de tocá-la. Os antigos habitantes da região costumam dizer que não se vai para as cachoeiras nos meses que não tenham em sua grafia a letra “r”, que coincidem com o período seco e frio: maio a agosto, principalmente. Apesar da friagem, as águas nunca ficam tão límpidas e transparentes quanto nesta época do ano. Quem se aventura esportivamente na radicalidade das escarpas encachoeiradas da região tem como brinde os poços profundos e translúcidos de água gélida e transparente: oásis perfeito.
A seca é a melhor estação para se conhecer o Cerrado. Dias firmes, sem chuva e de profunda visibilidade na paisagem. A luz, cada vez mais intensa ao longo do período, colabora, dando às cores matizes insuspeitados. As opções de lazer e turismo são inúmeras: pescarias, montanhismo, arvorismo, rappel, observação de fauna. Tudo fica mais fácil. Basta ter apetite para “comer” um pouco de poeira e se tingir de ocre com a terra vermelha do lugar. Bem orientado, o turismo no cerrado poderia ser uma alternativa à economia da região. Por ora, a agricultura é atividade líder. Por causa dela, mais da metade do Cerrado foi posta abaixo. Mas ainda dá tempo. Tem quase que outra metade inteira. Será que vai vingar?
* Jaime Gesisky é jornalista catarinense radicado em Brasília. Há cinco anos, dedica-se a estudar e escrever sobre a biodiversidade brasileira.
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