Reportagens

Bom e barato

Horta orgânica cultivada por idosos na favela da Maré, Rio de Janeiro, oferece produtos a preços simbólicos e já é um sucesso entre os moradores da comunidade.

Begha Lindemberg · Vilma Homero ·
25 de maio de 2005 · 19 anos atrás

Às quartas e sextas-feiras, Josefa Meneses Ribeiro, a Dona Jo, roda toda a vizinhança de bicicleta. Vai tão carregada pelas ruas da Nova Holanda, uma das comunidades da Maré, na Zona Norte carioca, que às vezes fica até difícil enxergá-la atrás de molhos de alface, couve, chicória, rabanete, plantas medicinais e temperos diversos. Tudo é orgânico. E quanto mais tiver, mais vende. “O pessoal já conhece e prefere”, fala.

Essa preferência tem razão de ser. As verduras que Dona Jo vende vêm todas da horta comunitária cultivada entre os Cieps Elis Regina e Samora Machel, na rua Principal, na favela, de onde, toda semana saem 50kg de vegetais para abastecer a despensa da clientela que cresce dia a dia.

Quem passou a consumir os produtos garante que, por serem orgânicos, eles duram mais tempo na geladeira do que os comprados em sacolões e supermercados. Com isso, as verduras da horta já conquistaram fregueses de comunidades próximas, como Morro do Timbau e Parque União.

“Na Maré, a nossa é a única no gênero”, fala a responsável Jussara Oliveira, 41 anos. Implantada em 2000 pela Rio Hortas, faz parte de um projeto da Fundação Parques e Jardins para ocupar de forma produtiva espaços ociosos da cidade. “A horta deu uma nova finalidade ao terreno baldio de propriedade da prefeitura que havia entre os dois Cieps”, explica.

São ervas medicinais, como capim limão, hortelã, boldo, erva cidreira, e pés de alface, beterraba, rabanete, rúcula, chicória e outros verdes. “Nossos produtos são bem aceitos. Vendemos tudo para a própria comunidade por um valor simbólico: R$ 0,50 o molho das verduras e R$ 0,30 as plantas medicinais”, diz Jussara. O freguês que preferir nem precisa ir até a horta. É só pedir que a horta vai até o freguês, pelas mãos de senhoras como Dona Jo.

A dona-de-casa Josefa Gomes (foto), 63 anos, vai direto à horta fazer suas compras. “O que tiver, eu compro. O preço é ótimo, e tudo é fresquinho. Por isso, venho até três vezes na semana. Na feira e em outros lugares, cobram R$ 1 por um molho de verdura. Aqui pago a metade e posso comer sem medo porque não tem agrotóxico”, elogia.

O dinheiro das vendas vai para uma caixinha e é revertido na própria horta. E também engorda no que for necessário a festinha de fim de ano dos voluntários. Dona Jo, por exemplo, garante entre R$ 15 e R$ 20 por semana, só com as verduras. E, como os outros voluntários, ela também aproveita o espaço da horta para expor as peças de artesanato que aprendeu a fazer nos cursos promovidos pelo ASA (Assistência Solidária e Ação Social), ONG encarregada da administração do espaço: caixas e bolsas de pet, bolsas de crochê com argolas de cerveja.

“Compro alface americano, rabanete, cebolinha, coentro. Acho tudo ótimo, limpinho e por um bom preço. Costumo comprar de duas a três vezes na semana. É pena que muita gente ainda não saiba como é que pode aqui na Maré ter horta orgânica”, fala a professora Shele Meneses Ribeiro, de 29 anos, que desde o ano passado vem se abastecendo dos produtos da horta local.

Assim que soube da novidade pelos vizinhos, a dona-de-casa Marilza dos Santos Gonçalves, de 38 anos, não quis mais saber de outra coisa. “Compro tudo o que tiver: alface, couve, cenoura. Só o fato que não ter veneno já tranqüiliza. Além disso, o preço é ótimo”, argumenta, satisfeita.

Quem cuida de tudo e pega no pesado são 12 integrantes de grupos de terceira idade, também participantes dos cursos do ASA. “Embora a horta esteja aberta a todos, quem mais participa do trabalho aqui são os mais idosos, que têm maior disponibilidade de tempo”, diz Jussara.

Energia para o trabalho também não falta. Afinal, é dali também que sai a matéria-prima para o preparo do suco verde, vitamina à base de folhas de couve, beterraba, bertalha, abóbora e cenoura, a que Dona Jo, na flor de seus 57 anos, atribui boa parte de sua boa disposição.

Preparado toda segunda-feira, o suco é apreciado não só por quem trabalha no projeto, mas também por clientes e por quem passa por ali. “Quem faz caminhada sempre costuma parar para tomar um copo”, fala Dona Jo.

Para ela, do lado de dentro das grades, a horta é um espaço tranqüilo – apesar da localização entre as comunidades dominadas por facções rivais do tráfico. “Aqui, relaxo do estresse e do medo da violência na comunidade. Parece que estamos em outro mundo”, diz.

Dona Jo explica que os voluntários fazem de tudo. “Preparamos sementeiras, uma espécie de berçário para as plantas mais sensíveis, além da limpeza semanal e preparo dos canteiros.

Com 54 anos, e há quatro no projeto, Dona Maria Gerônimo Albuquerque do Nascimento (foto) bate ponto diariamente na horta, entre 8h e 13h. Ela sabe como ninguém manejar enxada e carrinho de mão.”Aqui não tem tempo ruim. Com sol ou chuva, a gente prepara os canteiros, colhe. Se for com chuva, melhor ainda. Difícil mesmo só quando falta água na Maré porque regar de balde não dá certo”, diz.

Dona Gerônimo não deixa de jeito nenhum o trabalho na horta comunitária. “Às vezes, vou até a Linha Vermelha pegar capim para fazer cobertura para os canteiros. Me sinto super bem aqui. Converso com as plantas, e é incrível como parece que elas sentem o que a gente fala”, jura. Ela até já convidou amigos e vizinhos para participarem. “Todo o grupo é muito identificado com a horta. Muitos vieram do Nordeste e já tinham a tradição do trabalho na roça. Mas aqui precisaram capacitar-se para lidar com agricultura orgânica em cultivo urbano”, diz Jussara.

Se dependesse do pessoal por ali, a horta estaria produzindo a plena capacidade, já que nos 2.200m2 do espaço seria possível colher até 500 kg de verduras por semana. “No momento, por falta de patrocínio e de mão-de-obra insuficiente, produzimos apenas um décimo disso”, diz Jussara.

O sistema de produção contínua – em que há canteiros sendo plantados toda semana, em rodízio – permite colheitas semanais. “Enquanto há plantas que levam em média oito semanas para estar no ponto de poderem ser tiradas, como as cenouras, outras, como as alfaces, levam três semanas para colher”, diz.

Dois dias por semana, técnicos do Asa, que já trabalharam no Rio Horta, prestam assessoria técnica voluntária ao grupo, orientando o plantio. “Como a horta é manejada todo o tempo, isso afasta a propagação de pragas. Também usamos adubo natural preparado a partir de resíduos orgânicos (cascas de frutas, restos de plantas) e húmus de minhoca”, explica Jussara.

Mesmo colhendo menos do que poderia, o aposentado José Targino da Silva, 69 anos, que participa da horta desde o início, se entusiasma com o resultado. “Gosto de plantar batata doce, aipim. Já saí, mas terminei voltando. É um trabalho voluntário e contribuo por amor ao verde. Eu amo a natureza, fico triste quando vejo pessoas destruindo as árvores”, diz.

Disposição partilhada com Teone Pedro da Silva, 64 anos, outro veterano do projeto. “Meu trabalho aqui é com coentro, cebolinha, mostarda e couve. Eu planto e Jesus cuida.”

Reportagem publicada originalmente no site EcoPop.

* Begha Lindemberg e Vilma Homero são repórteres do site EcoPop, portal VivaFavela.

Leia também

Salada Verde
17 de maio de 2024

Avistar celebra os 50 anos da observação de aves no Brasil

17º Encontro Brasileiro de Observação de aves acontece este final de semana na capital paulista com rica programação para todos os públicos

Reportagens
17 de maio de 2024

Tragédia sulista é também ecológica

A enxurrada tragou imóveis, equipamentos e estradas em áreas protegidas e ampliou risco de animais e plantas serem extintos

Notícias
17 de maio de 2024

Bugios seguem morrendo devido à falta de medidas de proteção da CEEE Equatorial

Local onde animais vivem sofre com as enchentes, mas isso não afeta os primatas, que vivem nos topos das árvores. Alagamento adiará implementação de medidas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.