Reportagens

No meio da floresta, sem mato

A Grande Belém, fincada em plena Amazônia, continua perdendo suas grandes aglomerações de árvores. Só lhe resta 31% das áreas verdes que ela teve um dia.

Manoel Francisco Brito ·
12 de junho de 2005 · 19 anos atrás

Para quem não mora ou nunca foi lá, parece difícil de acreditar. Mas Belém, capital do Pará, plantada bem no meio da floresta Amazônica, começa a padecer de um mal ambiental comum à maioria das cidades brasileiras: a falta de mato. Pesquisa do do Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), feita com base em fotografias de satélite capturadas até 2003 e comparadas com imagens tiradas a partir de 1986, mostra que a região metropolitana Belém perdeu 69% da cobertura florestal que um dia existiu em seus 1 mil 186 quilômetros quadrados de extensão.

“A causa principal do desmatamento na Grande Belém é a mesma que aflige outros centros urbanos do país, o crescimento desordenado”, diz Carla Costa, pesquisadora do Imazon e uma das responsáveis, junto com Adalberto Veríssimo e Rodney Salomão, pelas conclusões do estudo. Costa diz que é difícil precisar as consequências desse desmatamento desenfreado, que se acelerou bastante a partir da década de 80, para a população da Grande Belém. “Não há ainda uma parâmetro nos índices de sustentabilidade sobre a necessidade de áreas verdes por número de habitantes”, explica.

Embora o conceito de sustentabilidade em centros urbanos ainda seja passível de muita discussão, pelo menos em termos gerais, há uma certa unânimidade quanto aos efeitos do desmatamento em grandes cidades. Menos árvores e mais asfalto e construção tendem a tonar pior a qualidade do ar, a provocar a erosão do solo ou deslizamentos onde existem encostas e deixar uma área metropolitana mais vulnerável à enchentes. No caso do município de Belém, lembra a pesquisadora, antes até de saber quantas árvores a cidade deveria ter, é preciso saber se vai sobrar alguma área verde nela.

“Na parte do município que está no continente, restam poucas aglomerações de árvores” diz. Estão dentro de instituições de ensino e pesquisa, como a floresta do Bosque Rodrigues Alves, a do Museu Goeldi e as que fazem parte dos campi das Universidades Federal do Pará e a Federal Rural da Amazônia. Em 2003, ano em que foram feitas as últimas imagens examinadas pelo estudo, Belém era o município que tinha a menor área de floresta remanescente, apenas 24%, na região metropolitana. É situação melhor que a do Rio de Janeiro onde, de acordo com Índice de Qualidade dos Municípios feito pela Fundação Cide, do Estado do Rio, imagens de satélite de 2001 mostravam apenas 8,21% dos seus 1 mil 255,3 quilômetros quadrados cobertos por aglomerações de árvores.

Mas a comparação com o Rio não deve servir de consolo aos belenenses, até porque a taxa média anual de desmatamento no município, segundo o estudo do Imazon, voltou a subir a partir de 2001, ficando em 2%. Na região metropolitana de Belém, a taxa média anual é um pouco maior. Está em 2,3%. O recorde deste índice pertence ao período que vai de 1986 a 1994, com 3,3% de desmatamentos por ano. O número caiu a partir de então, estacionando na marca dos 1,5% anuais até 2001, quando voltou a subir.

Dos outros cinco municípios da Grande Belém, Ananindeua é o que ainda possui maior área de cobertura florestal. Ela atinge 42% de seus limite urbano. Marituba, distante do centro, é onde menos mato sobrou. É também onde houve, no período coberto pelo estudo, a maior inicidência de desmatamento. No exame de imagens de satélite tiradas em 1986, os pesquisadores do Imazon detectaram que a floresta ainda cobria 67% de sua região urbana. Hoje, do que dela havia, restam apenas 30%.

No município de Belém, que começou a ser ocupado há quase 4 séculos, o desmatamento já tinha atingido 67% de seu território em 1986. De lá para cá, a cidade perdeu outros 9% de floresta. Na parte continental da cidade, conta Costa, a situação é crítica principalmente em três bairros onde ainda existe área verde aglomerada, Curió-Utinga, Mangueirão e Paracui. Nelas, a derrubada continua correndo solta. Em outros 3 bairros – Águas Lindas, Aurá e Parque Guajará – as fotografias de satélite tiradas em 2003 também denunciam focos preocupantes de desmatamento. Nem as árvores fincadas nas ilhas que fazem parte da cidade escaparam da motosserra. Na ilha do Mosqueiro está o principal foco de desmatamento flagrado pelo estudo.

Para voltar a reduzir a taxa, o estudo do Imazon propõe a criação de Áreas de Proteção Ambiental nas regiões mais ameaçadas, especialmente ao longo das principais bacias hidrográficas da Grande Belém. Recomenda ainda a ampliação de áreas de Parques destinados à recreação, a criação de Unidades de Conservação nas ilhas que fazem parte da região metropolitana e a implementação das que já existem.

“A maioria delas, algumas já demarcadas há mais de uma década, continuam apenas no papel”, diz Adalberto Veríssimo, outro dos autores da pesquisa. “Muitas não têm segurança, o que impede que sejam usadas como áreas recreativas, por exemplo”. Abandonadas, acabam virando espaços onde a indústria de construção civil vai buscar matéria prima, como a areia. Além disso, a prefeitura de Belém não têm os limites dessas Unidades de Conservação georeferenciados por satélite, o que torna suas fronteiras ainda mais fluidas e passíveis de invasão.

O Imazon monitorou o desmatamento na Grande Belém (Ananindeua, Belém, Benevides, Marituba e Santa Bárbara) no período de 1986 a 2003 com base em imagens do satélite Landsat. Os pesquisadores trabalharam com uma escala de 1:50 mil (muito mais precisa do que aquela adotada para medir o desmatamento geral da Amazônia). Ela permitiu capturar qualquer desmatamento, ou aglomeração de árvores, acima de 2.500 m2.

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