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Congresso Brasileiro de Biossegurança trouxe cientistas estrangeiros para falar maravilhas dos transgênicos. Ambientalistas não apareceram para protestar.

Renan Antunes de Oliveira ·
30 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Porto Alegre acolheu, ouviu, paparicou e despachou em paz na semana passada a nata dos defensores de transgênicos no Brasil – com destaque para um simpático suíço barbudo, um inglês sisudo e uma prosadora argentina. Tudo aconteceu no quarto IV Congresso Brasileiro de Biossegurança, onde os estrangeiros foram apresentados como sumidades teóricas no assunto.

A argentina Miriam Gallardo arrasou apresentando uma pesquisa científica completinha contando a história de uma vaca portenha criada apenas comendo organismos geneticamente modificados – ela seria a prova viva de que eles não fazem mal à saúde. A vaca não veio ao vivo.

Na prática, os estrangeiros agiram como caixeiros-viajantes das multinacionais de transgênicos, defendendo seu uso na agricultura brasileira. De quebra, deixaram um rastro de ironias e até ofensas aos ambientalistas críticos da transgenia.

O primeiro a falar, na segunda-feira, 26 de setembro, foi o sisudo, mister Graham Brookes, economista autor do inédito “Lavouras Geneticamente Modificadas – Impactos Econômicos Globais e Ambientais: os primeiros nove anos, de 1996 a 2004” (a obra só estará disponível no dia 11, no site da PG Economics ).

Brookes antecipou que seus estudos comprovaram de uma vez por todas o sucesso econômico dos transgênicos e sua segurança para os consumidores. O trabalho “definitivo” foi realizado pela consultoria PG Economics, do próprio Brookes. Ele admitiu que recebeu financiamento da multinacional Monsanto, mas não gostou de ter sua credibilidade posta sob suspeita apenas por receber dinheiro de uma das partes interessadas na polêmica pró e contra, uma das principais pendengas ambientais da década.

A Monsanto é a mãe de todos os transgênicos. Foi ela que em 1911 lançou o açúcar frio com cara de verdadeiro, a sacarina. Em 1982, seus pesquisadores conseguiram fazer a primeira alteração genética numa semente – hoje, em conseqüência, o conglomerado americano é o líder mundial do setor.

O papo de Brookes, resumido em slides projetados num telão, no que interessa aos brasileiros: aqui estão 6% das lavouras transgênicas do mundo, 5 milhões de hectares plantados em 2004. Desde 1997, nossos agricultores teriam obtido um lucro extra de 829 milhões de dólares com as safras geneticamente modificadas – além do lucro extra da redução do custo por menos uso de herbicidas, uma das vantagens propaladas dos organismos geneticamente modificados, os OGMs.

Na terça-feira, apareceu o suíço Klaus Amman, diretor do Jardim Botânico de Berna. De cara, parecia um ongueiro do bem. Gordo, descabelado, roupas informais, jeito bonachão, chegou se espalhando todo. Apresentou-se como criador da ong européia “Genepeace” – nome que pronunciado em inglês soou quase como “Greenpeace”, confundindo a platéia de jornalistas.

A Genepeace faz propaganda dos organismos modificados. O Greenpeace ataca tudo que for geneticamente alterado – em sua página atual na internet pega pesado com a Monsanto. Diz que a empresa está tentando patentear até a produção de porcos, por uma alteração causada na reprodução deles (a Monsanto ganha um percentual de quem use seus produtos patenteados).

Continuando com o suíço: o homem botou no telão seus slides em alemão e saiu falando em inglês, com tradutor, para convencer a gente de que os tais gráficos eram um mantra sagrado: “Em quase 20 anos de pesquisas nunca vi nenhum incidente em que organismos geneticamente modificados tenham causado algum mal”, sacramentou. Entremeava sua fala com piadas simpáticas. Foi fundo: “Experiências mostram que lavouras OGM aumentam a biodiversidade” – afirmação na contramão de várias pesquisas independentes.

No fim, apresentou um slide ironizando o Greenpeace. Disse que “seus dirigentes são corruptos, ganham muito dinheiro propagando mentiras” – ele criticava um texto da ong no qual ela pede a suspensão da introdução na natureza dos OGMs. Aí foi a vez do bonachão pegar pesado: “Faço ciência. Provei que eles não fazem mal, mas o Greenpeace precisa disseminar a mentira dos riscos e mantê-la viva para arrecadar dinheiro”.

Para comprovar seus estudos independentes da segurança ambiental, pediu então o apoio do mesmo inglês sisudo que falara na véspera. A cena aconteceu durante um café da manhã reforçado. Brookes estava engolindo brioches quando foi citado – só pôde balançar a cabeça em sinal de yes.

À platéia apatetada de jornalistas, Klaus deu um testemunho final, apostando nele “minha credibilidade”. Balançou um braço no ar, como um político em campanha. Fechou o papo: “E se alguém aqui tiver alguma dúvida quanto à segurança dos OGMs, é só me mandar email pra Suiça, responderei com o maior prazer”. Quando terminou de falar e dar entrevistas, o diretor do jardim botânico suíço atracou-se nas frutas tropicais, brioches e pãezinhos.

No final do encontro, que reuniu 300 pessoas no Hotel Plaza, a Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) divulgou um manifesto à nação. Exigiu do Congresso Nacional, embananado com três CPIs, que dedique seus dias a aprovar a regulamentação da Lei de Biossegurança, assinada por Lula em março – pra isso vai ser preciso modificar os genes dos deputados, mais preocupados com a crise do que com os projetos parados.

A redação da peça teve uma pequena dose de mistério. Foi atribuída pela assessoria do evento a um grupo de “cientistas eminentes”, cujos nomes não foram revelados.

O “Manifesto de Porto Alegre” pede a criação de condições para a capacitação de especialistas e maior socialização dos conhecimentos científicos no campo da biotecnologia. Pede também mais pesquisas – um grande impulso para os transgênicos.

Quem fez a leitura pública do documento foi a presidente da Anbio, professora Leila Oda. Ela terminou com um forte “O Brasil não pode parar”, frase mais política do que científica, incluída de improviso.

Na falta do currículo dos redatores do manifesto, aqui vai o de dona Oda: ela fez carreira na Fundação Oswaldo Cruz, onde começou em 1984. Há dez anos é também presidente da Comissão Técnica de Biotecnologia, parte do Ministério de Ciência e Tecnologia – órgão da cota do nanico PSB, partido da base aliada do governo.

O governo deu uma mão na organização do Congresso. A Polícia Federal e a PM gaúcha cuidaram da segurança, para evitar manifestações de protesto do Greenpeace, como ocorridas nos anos anteriores. Leonildo Leal, assessor da ANBio, comemorou: “Não sei o que aconteceu, mas fiquei satisfeito porque eles não apareceram este ano”.

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