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Ponto pacífico

Estudo sobre o corte seletivo de madeira na Amazônia gera debate, mas confirma algo que ninguém discorda. A agropecuária não é a única vilã do desmatamento.

Manoel Francisco Brito ·
21 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Greg Asner, cientista americano que liderou um grupo de pesquisadores, entre eles dois brasileiros, num estudo de imagens de satélite para identificar a perda que o corte seletivo de madeira causa à cobertura florestal da Amazônia, se diz surpreso com a polêmica que suas conclusões geraram no Brasil. “Não fomos contra o entendimento geral que esse tipo de exploração causa danos à floresta. Apenas demos dimensão quantitativa e espacial (geográfica) mais exata a algo com o qual todos concordam”, afirmou pelo telefone a O Eco. As conclusões do trabalho resultaram num mapa (à esquerda) indicando que entre 1999 e 2002, os madeireiros derrubaram por ano entre 12 mil e quase 20 mil quilômetros quadrados de floresta no Acre, Rondônia, Roraima, Pará e Mato Grosso.

Esse volume não foi incluído nas taxas de desmatamento na Amazônia contabilizadas pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), principalmente por limitações técnicas. O índice gerado pelo Inpe só leva em consideração áreas onde o mato foi completamente arrancado para ceder lugar a pastos e plantações. São essas limitações que Asner e sua equipe afirmam ter corrigido em seu estudo. Mas desde a sua publicação na edição de 21 de outubro da revista Science, Asner, ligado à Carnegie Institution, só ouviu críticas saindo da boca de quem, no Brasil, se utiliza de fotografias de satélite para descobrir o que anda se passando com a floresta amazônica. O Inpe e Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), soltaram nota técnica questionando o método, os números e a geografia do desmatamento dos madeireiros encontrada por Asner e sua equipe.

Mas escondido entre os pontos de discórdia, como o próprio pesquisador americano e alguns de seus críticos reconhecem, há uma questão fundamental com a qual todo mundo concorda. Entre a floresta que sumiu por conta do corte raso que expande a agropecuária pela região Norte do país e a que ainda permanece intacta, há uma terceira floresta. Ela não desapareceu. Mas está morrendo aos pouquinhos nas mãos dos madeireiros que praticam o corte seletivo de árvores. Esse tipo de derrubada deixa, por onde passa, uma parte de floresta de pé. Leva embora apenas as árvores cuja madeira tem maior valor comercial. E o volume não é nada desprezível.

Disso se sabe há pelo menos 9 anos, graças a um trabalho pioneiro conduzido por Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, e Daniel Nepstad, do Woods Hole Research Center. Ele rendeu um artigo na revista Nature em 1999. Veríssimo foi a campo levantar, nas serrarias da região amazônica, o volume de madeira que elas processavam e o que isso significava em termos de perda de cobertura florestal. O Imazon continuou este trabalho e, como lembra a nota técnica assinada pela instituição e pelo Inpe criticando pontos do estudo liderado por Asner, há sete anos o consumo da indústria madeireira se mantém entre 28 milhões e 25 milhões de metros cúbicos de tora anualmente.

Mas entre saber o que está acontecendo e descobrir onde tudo acontece, pelo menos na Amazônia, vai uma grande distância. A nota técnica do Inpe e do Imazon diz que mapear a extensão dos danos que isto causa a floresta é um desafio científico relevante e que ambas as instituições tem feito trabalhos nesse sentido, mas sem chegar a um resultado definitivo. Foi isso que o estudo de Asner se propôs a resolver. As imagens de satélite obtidas pelo Landsat, utilizadas há duas décadas pelo Inpe para contabilizar o índice anual de desmatamento na Amazônia, só conseguem enxergar as áreas onde a cobertura florestal como um todo foi arrancada e em áreas acima de 6.25 hectares.

Nessa resolução, cortes seletivos de madeira acabam passando em branco. Asner e sua equipe criaram um método para evitar que isso aconteça. Pegaram imagens tiradas pelo Landsat entre 1999 e 2002 e empregaram fotografias da região capturadas por outros dois satélites para, ao mesmo tempo, limpá-las de bloqueios atmosféricos como nuvens e fumaça e aumentar sua definição. Para enxergar o que anda acontecendo aqui embaixo na terra, as lentes de um satélite como o Landsat precisam contar tanto com tecnologia quanto com sorte. Basta uma queimada mais forte lançar fumaça espessa no ar para prejudicar o seu trabalho em determinado dia.

Asner e sua equipe se utilizaram dos sensores do satélite Terra, que captam vapor de água e fumaça na atmosfera para fazer a “limpeza” nas imagens do Landsat. Para resolver o problema de definição, empregaram o que foi captado entre 1999 e 2002 pelos sensores de outro satélite, o EO1. Eles foram projetados para distinguir distúrbios na cobertura florestal, separando aqueles que têm origem natural, como a queda de uma árvore velha, dos provocados por exemplo pela passagem de madeireiros.

Essas diferentes fontes de imagem foram “costuradas” com a ajuda de um programa de computador e produziram o primeiro mapa visual da pressão que o corte seletivo causa na floresta amazônica. Carlos de Souza, do Imazon, que diz que Asner é um velho “competidor” científico seu em trabalhos de análise de imagens de satélite da Amazônia, reconhece méritos no que fez seu colega. “Não se deve desqualificar o que ele fez”, diz, lembrando que do ponto de vista mais geral, o mapa produzido pelo americano coincide, em termos de zonas de pressão com os inúmeros mapas que há anos, com base no que mostram os satélites, o Imazon produz sobre a Amazônia (imagem). Ele vê problema é nos detalhes.

Para início de conversa, Souza acha que do ponto de vista geográfico, o que está no mapa produzido pelo americano não bate com o trabalho de coleta de dados feito diretamente no campo. Aponta que em Rondônia, as madeireiras se utilizam de material colhido de desmatamento em grande escala e que no Nordeste do Pará, área há muito detonada, a indústria de processamento de madeira está em decadência. No estudo de Asner, ambos aparecem como regiões de intenso corte seletivo de madeira. Souza também questiona os números encontrados em 1999 e 2000, principalmente porque eles se baseiam em corte seletivo no Parque Nacional do Xingú, no Centro e Norte do Mato Grosso.

“Sabemos que se corta madeira em terras indígenas, mas não nesse volume”, diz Souza com base em pesquisas de campo. Ele afirma também que para fazer uma análise mais detida dos eventuais méritos e defeitos do trabalho de Asner, precisaria ter acesso às imagens digitalizadas que foram empregadas. O americano reconhece que elas deveriam ter ficado disponíveis ao exame dos colegas, principalmente do Brasil, mais cedo. Na sexta-feira corrigiu o problema enviando para o Inpe todos os seus dados digitalizados. Acha que eles inclusive vão ajudar a resolver a polêmica em relação ao Xingú, que imagina talvez ser resultado de um erro de impressão na Science.

“Nós detectamos alto grau de corte seletivo nas fronteiras do Parque”, diz. “Talvez o jeito que o mapa ficou na hora de imprimir passe a noção de que a coisa acontece dentro das terras indígenas”. Seja lá como for, no fim da tarde de sexta-feira, 22 de outubro, o Ministério do Meio Ambiente soltou nota convidando Asner, sua equipe, e pesquisadores brasileiros, para uma reunião na próxima semana em Brasília para discutir o estudo. Foi a manifestação mais eloqüente de que o trabalho liderado pelo americano não pode ser simplesmente jogado fora. Afinal, ele se propôs apenas a mostrar aquilo que pelo menos aqui muita gente já sabe: em muitos lugares da Amazônia, a floresta não some de uma vez. Mas desaparece devagarinho.

Para quem se interessar mais pelo assunto e souber inglês, aqui se encontra uma versão em PDF para download do trabalho liderado por Asner. A nota técnica do Inpe e do Imazon, em português, claro, pode ser lida neste link.

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