Reportagens

A cara de Brasília

Parque Nacional de Brasília tem 150 funcionários, fora os voluntários e parcerias nas barbas do poder federal. Preocupação ambiental que é bom, está em falta.

Carolina Mourão ·
28 de outubro de 2005 · 18 anos atrás

“Confesso que sou um felizardo. São 150 funcionários entre vigilantes, faxineiras, guardas, fiscais, secretárias, todo o corpo administrativo e analistas ambientais. Ainda conto com o maior especialista em controle de queimadas do Brasil”. É com muita sinceridade que Darlan Alcântara de Pádua, chefe do Parque Nacional de Brasília, faz a contabilidade do número de funcionários pagos pelo Ibama para cuidar dos 28 mil hectares protegidos a 9 quilômetros da capital federal.

O parque é um dos menores do Brasil, e um dos mais bem servidos de funcionários. “É muita gente se compararmos com os recursos humanos que o Ibama tem disponível em outras unidades de conservação no país. Mas é pouco do ponto de vista ambiental. Precisamos estar sempre vigiando a coleta clandestina de frutos, a caça e a captura de animais”. Ajuda para isso não falta.

Uma parceria com a ong Patrulha Ecológica garante mais 30 voluntários trabalhando pelo parque. Eles fiscalizam a área, orientam visitantes, promovem cursos de primeiros socorros e prevenção de incêndios, entre outras ações. Nivardo Nepomuceno Sobrinho, diretor de comunicação da ong, diz que a parceria é fundamental. “É preciso ressalvar que muitos funcionários do Ibama lotados lá estão em atividade em outras partes, ajudando em eventuais incêndios em outros estados, por exemplo. Sem contar o pessoal que está se reciclando, em treinamento”.

O Parque Nacional de Brasília tem posição geográfica politicamente favorável. As embaixadas, por exemplo, estão sempre interessadas em ajudá-lo. Sem contar, é claro, a sede nacional do Ibama, que fica ali ao lado, a menos de dez quilômetros. Se der uma apertadinha na agenda, o funcionário pode visitar o Buriti e dar um pulinho no Congresso Nacional, antes do fim do expediente. Se quiser ir com um veículo da unidade, não tem problema: a nova garagem é recheada de carros de todo tipo, coisa de americano.

Dentro da pindaíba que o Ibama vive para cuidar das Unidades de Conservação sob sua responsabilidade no Brasil, a bonança estrutural e funcional do parque nacional de Brasília chama a atenção. Vinte e dois, dos 52 parques nacionais brasileiros, ou 42,3%, não estão oficialmente abertos à visitação pública por absoluta falta de funcionários, o que fere inclusive a lei federal do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Um exemplo, entre tantos: o Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, tem 2 milhões e 200 mil hectares. Conta apenas com um chefe e um fiscal.

Em 2000, foi elaborado um “Plano de Uso Público” da área, com a chancela do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O documento tenta justificar a extrema necessidade de funcionários terceirizados no Parque Nacional de Brasília. Ele recomenda a contratação das quatro maiores empresas prestadoras de serviço do Distrito Federal, mas não perde tempo avaliando a situação do Parque. A pressão dos bairros carentes do entorno, o público visitante e o próprio meio ambiente nem constam no documento. “Essa quantidade de funcionários existe porque o parque é uma mina de ouro do ponto de vista administrativo. Essas empresas têm contratos valiosos com o Ibama”, conclui Gustavo Souto Maior, coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB).

Lixão

Mesmo com tanta gente contratada para trabalhar, o Parque Nacional de Brasília não é um modelo de gestão. É esta também a impressão de Humberto Pellizzaro, que já passou mais de um ano acampado dentro do Parque na época em que isto era permitido: “Mais parece um clube, da pior qualidade. Muitos funcionários só comparecem ao trabalho quando querem. Se fosse feita uma estatística de dias trabalhados por funcionário, apareceria uma chocante realidade”. No dia 5 de outubro, o Parque é palco de um verdadeiro carnaval fora de época. Conjuntos de forró amplificados se revezam enquanto a farofada é vendida ali mesmo, ao lado das piscinas, tolerada e estimulada pelo Ibama, que rivaliza com as quentinhas e os ambulantes em três pontos de venda.

O lixo gerado fica à disposição dos animais que já se aproximam perigosamente das pessoas para arranjar comida, e vários casos de ataques, com vítimas de parte a parte, foram registrados. As sussuaranas, sabidamente arredias à proximidade do homem, já foram vistas nas piscinas em pelo menos duas ocasiões recentes. Os ambientalistas, é claro, protestaram. O Ministério Público Federal mandou acabar com a bagunça numa área que pretensamente deveria servir à preservação ambiental. Chamado para conter os excessos das festas populares, o chefe da unidade enviou um representante, o sr. Marivaldo, que declarou de público, para espanto de todos os que ali se encontravam, que aquilo era pouco e que queria “pelo menos umas 10 mil pessoas presentes”. Serão os senhores Marivaldo e Darlan candidatos nas eleições do ano que vem?

E não é só. A 6 km do parque, a histórica vista grossa que o Ibama faz sobre o chamado Lixão da Estrutural pode causar um desastre ambiental. É um lixão mesmo, e não aterro sanitário. Mas o problema é mais grave que isso: todos os dejetos do entorno do Distrito Federal, a céu aberto, vão parar na cerca do Parque Nacional de Brasília. Entre as ameaças, pode estar o benzeno, que no início de outubro contaminou mais de 1.200 alunos, professores e funcionários de uma escola no Lago Oeste. O produto tóxico foi detectado na água, e agora as autoridades tentam descobrir a origem da contaminação. “Pode estar vindo do Lixão. Se for comprovada essa origem, a Barragem de Santa Maria, que fica dentro do Parque Nacional de Brasília e abastece 25% da população, certamente está contaminada. São 500 mil pessoas que bebem desta água”, alerta Gustavo Souto Maior.

A invasão da Estrutural, cujo lixo ameaça tudo ao redor, consolidou-se com a total conivência do poder público. “O Parque só existe da cerca para dentro. Do lado de fora da cerca vale tudo”, conclui Gustavo. Apesar do lixão e da multiplicação de condomínios e oficinas irregulares no bairro, o Ibama nunca registrou uma notificação para que a situação seja solucionada. O chefe Darlan, cumprindo oficialmente seu papel, mata a cobra e mostra o pau: “Tudo isso aí já é com o Governo do Distrito Federal. Aqui dentro está tudo ótimo. Vem conhecer”, diz ele, orgulhoso de seu oásis num deserto de omissões e carências. A cara de Brasília.

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