A macaca-barriguda, nome vulgar da espécie Lagotrix lagothricha, habitava uma casinha de madeira, forrada por dentro com pelegos costurados para que não sentisse o frio das noites caxienses. Alimentava-se de todo tipo de frutas e verduras, ovos crus e iguarias menos ortodoxas como lagartas e minhocas, dieta pesquisada por Airton como sendo a indicada para a espécie dela. Os cuidados veterinários ficavam a cargo por um amigo da família, mas consta que “nunca teve sequer uma dor de barriga”. Amante dos animais, a família Zaniol sempre manteve também cães e gatos, os quais tratavam Brigite como igual. Catavam-se reciprocamente piolhinhos imaginários, tradicional troca de afeto entre os bichos, reservada a amigos íntimos.
Batalha jurídica
A situação, digamos, da “pessoa física” de Brigite, nunca foi negligenciada por seus “pais” adotivos. Na época em que ela chegou não havia em Caxias nenhum órgão oficial que se ocupasse de fauna silvestre. Sequer o Ibama existia. Airton recorreu à ARPA, Associação Riograndense de Proteção aos Animais, entidade pioneira do gênero no sul do país, que lhe concedeu um Termo de Fiel Depositário, o que deveria equivaler ao direito de guarda do animal.
Tischer entende que Brigite era vítima de maus tratos por viver presa e privada do contato com seus semelhantes. Ele informa que atualmente ela vive num criadouro conservacionista autorizado pelo Ibama na localidade gaúcha de Morro Reuter, onde habita um recinto com outros da mesma espécie, está bem e inclusive já começou a “constituir família”. “Não sou insensível ao drama humano, mas eles não podiam manter a macaca, seja quais forem os subterfúgios legais que tentem utilizar agora, e mesmo gerando uma comoção através da mídia. Esse desejo de tê-la de volta é egoísta, e não podemos nos deixar levar por nenhum argumento sentimental”.
É exatamente o contrário do que pensa o maior primatólogo brasileiro, Adelmar Coimbra Filho. Para ele, o que conta são os sentimentos. Do animal. “Depois de 20 anos, ela já se identificou com a família, não vai se adaptar a mais lugar nenhum. A formação psicológica dela foi com os humanos. Tratado como um membro da família, o bicho adquire afeição pelas pessoas, fica quase humanizado. O Ibama deveria ter um departamento de psicologia animal, para não fazer um absurdo como este, e poder avaliar caso por caso”, critica.
A maior interessada não pode se manifestar. Brigite pertence a uma espécie natural do norte da América do Sul, ameaçada de extinção pela caça ilegal e destruição de seu habitat natural. Na natureza vivem em bandos de até vinte indivíduos e às vezes associa-se a outras espécies, como os macacos-prego e os bugios. A longevidade dos macacos-barrigudos chega no máximo a 25 anos. Entre os criados em cativeiro, costuma bater em 20 anos. Brigite já tem 20, e deve enfrentar agora o desafio de começar vida nova.
* Liège Copstein e jornalista em Porto Alegre e ama todos os animais menos baratas.
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