Reportagens

Rastro de fogo

Pesquisa da Embrapa sobre queimadas na Amazônia mostra que os estados que tiveram aumento de focos de calor são os mesmos que deram sinais de “desenvolvimento”.

Eric Macedo ·
12 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Em 2005, foram registrados 161,374 focos de calor na Amazônia legal brasileira. O número de queimadas na região foi apenas 3,04% menor do que no ano anterior. Em estados como Mato Grosso, houve uma redução de 35%. Mas em outros , como o Acre, o número de queimadas quadruplicou (424%). Os dados fazem parte do levantamento “Queimadas na Amazônia Brasileira em 2005”, realizado pela Embrapa Monitoramento por Satélite e previsto para ser divulgado este mês.  

Amazonas (168%), Maranhão (36%) e Rondônia (35%) foram outros estados que apresentaram significativo aumento de incêndios agro-florestais.Segundo o estudo, os principais motivos foram “frentes de povoamento e colonização”, ampliação de pastagens e atividade madeireira.

No caso do Acre, os pesquisadores acreditam que o número foi influenciado por construções de rodovias e por desenvolvimento econômico. Eles citam como exemplo a conclusão da ponte que liga o sul do estado a Pucalpa, no Peru. Enfatizam que rodovias estaduais e federais estão sendo reformadas e que houve um surto de crescimento urbano e eletrificação rural. Novas áreas agrícolas também estariam sendo abertas com o objetivo de legitimação de posse de terras. Além do Acre ter tido o segundo maior crescimento de rebanho bovino da Amazônia entre 1990 e 2003.

No ano passado, o estado enfrentou a pior seca da sua história recente. Em 34 anos de medição pluviométrica , nunca se registrou tão pouca chuva, nem tamanha falta de umidade no ar acreano. Devido à seca atípica, as queimadas iniciadas em chácaras ou pastagens se expandiram mata adentro, multiplicando os incêndios e causando estragos de certa forma imprevisíveis, uma vez que a floresta amazônica não costuma ser tão inflamável.  

Menos fogo

Entre os estados que diminuíram suas taxas de queimadas estão Roraima (menos 42%) e Amapá (menos 57%). Já o Tocantins, ficou estável. “O estado já foi a maior fronteira agrícola do país”, diz Adriana Vieira de Moraes, pesquisadora de Agrometeorologia e uma das autoras do estudo, “Agora, mantém o número de queimadas praticamente inalterado, com uma ligeira diminuição”. Para Adriana, uma das razões é o esgotamento do estoque florestal. A maior parte das áreas em que se poderia exercer algum tipo de atividade agrícola já está desmatada. “Não há mais o que queimar”, afirma, “Ainda há áreas verdes, mas elas não são tão propícias – em termos de tamanho e localização, por exemplo – para a agropecuária”.

Para Carlos Eduardo Young, economista e colunista de O Eco, o recuo dos índices de queimadas nesses estados foi conseqüência do aumento da fiscalização e da crise econômica referente à carne e à soja brasileira. “Há o fator institucional – o endurecimento da fiscalização, principalmente depois do caso Dorothy Stang – e o fator econômico”, comentou. A sobrevalorização do câmbio tornou pouco rentável a expansão da produção, já que os preços pagos no mercado externo ficaram consideravelmente mais baixos. Com isso, a fronteira agrícola, principal fator de desmatamento na Amazônia, ficou estagnada.

Previsões para 2006

O período de chuva deste ano terminou em abril e os satélites do INPE já detectaram nos primeiros dias de maio um aumento significativo no número de focos de calor – que não necessariamente indicam a presença de queimadas e incêndios, mas são indicadores de onde há altas temperaturas concentradas. No mês de abril, foram detectados 836 focos no país. Só nos dez primeiros dias de maio, o número já chegou a 575.

Segundo o engenheiro Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas realizado pelo Inpe, ainda é cedo para traçar qualquer cenário para este ano. “É como tentar dizer o resultado do jogo com cinco minutos de partida. Você pode até fazer um gol no início, mas a situação final é imprevisível”, afirma. As queimadas que se realizaram até agora, representam apenas cerca de 5% do total. Mas uma coisa é certa: 2006 está sendo um ano mais úmido, o que ajuda a impedir o alastramento do fogo.

Leia também

Análises
10 de outubro de 2024

Três COPs e uma solução: povos tradicionais precisam estar no centro do debate

É crucial buscar um olhar integrado que considere e valorize a gestão, governança e conservação de forma holística, especialmente dos territórios coletivos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Salada Verde
10 de outubro de 2024

Supremo barra a emissão automática de licenças para empreendimentos de médio porte na Bahia

Liberadas eletronicamente, as permissões foram criadas em governos estaduais e apoiadas por empresariado e agronegócio

Colunas
10 de outubro de 2024

Justiça ambiental: A luta pela vida na América Latina

Quando esvaziamos o debate ambiental e o reduzimos à "crise climática", corremos o risco de nos distanciar do ponto central: o uso indiscriminado da natureza como recurso

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.