Reportagens

Pacto da Discórdia

Setor produtivo de Santa Catarina propõe mudanças nas leis ambientais do estado. Promotor diz que parte das sugestões, como diminuição de reservas legais, é inviável.

Fabrício Escandiuzzi ·
11 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

Representantes do setor produtivo de Santa Catarina entregaram ao governador Eduardo Pinho Moreira um documento com propostas de mudanças nas leis ambientais do estado. Entre as sugestões do “Pacto Federativo como Instrumento do Desenvolvimento Sustentável” estão o desarmamento da Polícia Ambiental e a redução de áreas de preservação permanente e reservas legais. As propostas contam com o apoio de diversos órgãos públicos estaduais.

Elaborado com a participação da Federação das Indústrias do Estado (FIESC), de federações de associações de trabalhadores rurais e de cooperativas, o pacto contém a assinatura de secretários da Articulação Nacional e Agricultura e dos trinta secretários de desenvolvimento regional de Santa Catarina.

Segundo eles, o documento foi elaborado com o propósito de chamar a atenção para as necessidades do setor produtivo e de “adequar a legislação ambiental à realidade catarinense”. A mudança na legislação ambiental seria necessária porque grande parte da população do estado está instalada sobre a mata atlântica ou áreas de preservação permanente e a sua economia está ligada ao ecossistema. A lei atual é vista como uma barreira ao progresso e impõe “obstáculos intransponíveis às atividades agroindustriais, que são vitais para a geração de emprego e renda no Estado”.

MP não participou da elaboração

Procurado por O Eco, o Promotor de Justiça do estado Luciano Trierweiller Naschenweng, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, comentou que as propostas de desarmamento da Polícia Ambiental e de revisão das áreas de preservação não são viáveis. Curiosamente, ele ainda aguardava a chegada do documento ao Ministério Público, que não foi convidado a participar da elaboração do pacto. “Talvez porque o Ministério Público seja o outro lado”, argumentou, referindo-se à divisão existente em Santa Catarina entre os contrários e os favoráveis ao progresso. Os que defendem o meio ambiente são incluídos no primeiro grupo, já que muitos investimentos esbarram “no rigor da legislação ambiental”, como os próprios signatários do documento descrevem.

Após ler uma cópia fornecida pelo repórter, Naschenweng lembrou que existe uma tendência do próprio IBAMA em buscar a descentralização das licenças, transferindo essa autonomia aos municípios. Através da resolução nº 369 do CONAMA, em alguns casos, como utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, tais licenças podem ser concedidas por órgãos de esfera municipal. Mas o que seria baixo impacto ambiental? Na opinião de Naschenweng, a própria resolução federal não traz claramente a definição e o Ministério do Meio Ambiente vai realizar em setembro um seminário para discutir a resolução. “Isso é muito perigoso, pois se já tivemos casos de funcionários estaduais corrompidos, imagine o que pode acontecer com o licenciamento realizado numa estrutura municipal”, disse.

Em outro ponto, o documento cita a necessidade de redução de limites de áreas de preservação e reserva legal: “Os limites dessas áreas apresentados pela legislação federal são fundamentais para assegurar a preservação do solo, da água e da biodiversidade. No entanto, devido às disparidades geomorfológicas, socioeconômicas e fundiárias entre os estados da Federação, é fundamental a adequação destes limites às peculiaridades de cada região do País”. E arremata com a proposta de “reduzir os limites de áreas de preservação permanente e reserva legal com base em pesquisas científicas visando adequar a legislação à realidade ambiental, social, econômica e fundiária de Santa Catarina”.

A promotoria desaprovou a proposta, mas afirma que não há risco dela seguir adiante. “Em outras palavras, isso significa mudar o Código Florestal”, comenta Naschenweng. “Não tenho preocupação quanto a isso, pois essa proposta necessitaria de mudanças na lei federal”.

Polícia Ambiental desarmada

Para o promotor, a proposta mais preocupante do pacto é o pedido para que a Polícia Ambiental seja desarmada e que suas atividades sejam restritas a ações educativas. Na prática, deixaria de ser polícia. A instituição, que atua desde 1991 com pelotões destacados nas unidades de proteção ambiental e áreas estratégicas do estado, é responsável pela fiscalização da flora, fauna, mineração, poluição e contaminação por agrotóxicos. Por ser um dos grandes parceiros no Ministério Público e órgãos como IBAMA e FATMA (Fundação estadual do Meio Ambiente) na autuação de infrações, a proposta de desarmamento enfraquece a fiscalização, de acordo com a Promotoria. “Com que segurança um policial irá realizar uma prisão em flagrante no meio do mato?”, indaga Naschenweng. “Como ele vai conseguir prender um infrator? É uma questão de segurança do militar”.

A própria assessoria de imprensa da corporação estranhou o pedido do Pacto Federativo, ao ser informada de seu teor pela equipe do Eco. “Somos militares, como iremos andar desarmados?”, indagou um policial. Apesar do susto, a Polícia Ambiental não quis comentar oficialmente o assunto.

Pontos Positivos

Mas nem tudo é ruim. Segundo o promotor Naschenweng, apesar de algumas propostas serem inexeqüíveis, o documento contém questões que devem ser levadas adiante, como a de equipar e reestruturar o quadro de pessoal da FATMA, revisar a política ambiental e concluir o inventário florístico do estado. Para a promotoria, o mais positivo é a proposta de criação de um Código Ambiental estadual. “Isso sim é um grande avanço para Santa Catarina e vem de encontro ao que sempre defendemos”, destaca.

De acordo com a assessoria de imprensa da FIESC, o objetivo é, juntamente com outras sete representantes do setor produtivo catarinense e diversas secretarias de estado que subscrevem o documento, ampliar a participação do setor produtivo no processo de discussão de questões relativas à área ambiental, “além de chamar a atenção para a necessidade de fortalecimento dos órgãos ambientais locais”.

Quando questionada por que associações, órgãos ambientais e Ministério Público não foram chamados para elaborar o Pacto Federativo, a FIESC afirmou que o estudo foi elaborado com “auxílio próximo” dos técnicos da Epagri – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. A participação de outros segmentos estaria restrita para uma segunda etapa. “Agora, o governo e a Assembléia Legislativa têm subsídios para passar para a etapa seguinte, que é criar um fórum de discussão onde outros setores – incluindo Ministério Público, ONGs e toda sociedade civil organizada – poderão apresentar suas posições”, informou em nota.

O promotor Naschenweng afirmou que o Ministério Público estará atento ao surgimento de projetos de lei que alterem a legislação. “Dispomos de alternativas, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade”, diz. “E qualquer pedido que consideremos afrontoso à legislação será passível de medidas por parte da Promotoria”.

*Fabrício Escandiuzzi é jornalista em Santa Catarina e bacharel em Direito.

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