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Alvo fácil

Polícia Federal e Ibama aparecem de surpresa na Terra Indígena Kayabi, entre Mato Grosso e Pará, para prender invasores e madeireiros que destroem a área em ritmo acelerado.

Andreia Fanzeres · Eric Macedo ·
23 de novembro de 2006 · 17 anos atrás

A partir das cinco horas da manhã desta quinta-feira, 120 policiais federais e 20 fiscais do Ibama de Cuiabá iniciaram uma operação para prender os responsáveis por grilagem de terras e desmatamento ilegal dentro da Terra Indígena Kayabi (TI). A área tem pouco mais de um milhão de hectares de floresta em bom estado de conservação, entre o norte de Mato Grosso e o sul do Pará. Na rota do desmatamento e sem qualquer vigilância, a TI tem sido alvo fácil de crimes ambientais. Diante desse cenário, a 1ª Vara Federal no Mato Grosso expediu 34 mandados de busca e apreensão, além dos mandados de prisão, cujo número não foi revelado.

O delegado da PF em Cuiabá, Washington Clark, garantiu que até o final da tarde desta quinta-feira 35 pessoas haviam sido presas, três delas na capital do estado. Mas disse que a polícia ainda não está autorizada a divulgar seus nomes. Segundo informações não oficiais, na região norte de Mato Grosso outras 30 pessoas foram detidas, entre as quais o presidente da câmara de vereadores de Paranaíta (MT), Itajiba Della Justina, o ex-superintendente do Ibama do estado, Jacob Kufner, um oficial de Justiça de Alta Floresta, além de grileiros, madeireiros e fazendeiros. Um deles estava em Aracaju (SE).

De acordo com Leslie Tavares, chefe da fiscalização do Ibama de Mato Grosso, dois servidores do instituto presos na época da Operação Curupira foram novamente detidos por terem aprovado planos de manejo dentro da terra indígena. Outros dois envolvidos eram funcionários da extinta Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema).

Enquanto a Polícia Federal executava as prisões, o Ibama fazia a vistoria de pátios de madeireiras localizadas nos municípios de Apiacás, Paranaíta e Alta Floresta identificadas como receptadoras de madeira numa operação anterior, ocorrida em março deste ano na região. Por isso, na época, foram multadas em 34 milhões de reais. O Ibama acredita que o movimento dessas empresas às custas de corte ilegal na TI pode ter gerado mais de 150 milhões de reais. Agora, os fiscais do instituto reparareceram por lá para desativar pelo menos dez delas e lacrar outras duas. As equipes do Ibama permanecerão na região para vistoriar pátios de mais madeireiras nos próximos dias.

Vigilância zero

Existe um posto de vigilância da Fundação Nacional do Índio (Funai) no município de Colíder (MT), que deveria cuidar inclusive da TI Kayabi – tarefa difícil de cumprir com apenas cinco funcionários. Luis Carlos da Silva Sampaio, chefe substituto do escritório regional da Funai na cidade, admite que a entidade não faz vigilância alguma na Terra Indígena Kayabi, nem nas outras da região. Ele diz que a Funai não consegue trabalhar porque seus funcionários são constantemente ameaçados pelos fazendeiros que invadem e loteiam parte da TI. “Estamos de mãos atadas. Tudo que podemos fazer é ir até lá, conversar com os índios e encaminhar os problemas à Brasília”, reclama. Por isso diz que a operação surpresa que aconteceu nesta quinta-feira, chamando atenção para o descaso do governo naquela área, foi como um “presente de Natal”.

A TI Kayabi foi criada em 1982 com apenas 107 mil hectares. Em 2002, por pressão dos cerca de 200 índios que vivem lá, ela foi ampliada e ganhou as proporções que tem hoje. Só que as novas áreas já estavam ocupadas e por conta disso a Justiça paralisou a demarcação física da área – algo que estava todo engatilhado – em 2004. Mesmo que essa interrupção nos trabalhos não tenha anulado o processo, qualquer vigilância nunca foi organizada. Isso inviabilizou outra determinação judicial, a de que enquanto a decisão final não saísse, as terras deveriam permanecer intactas. Segundo o único funcionário da Funai lotado dentro da TI, Clóvis Nunes, essa regra só tem valido para os índios. Os fazendeiros que já ocupam a unidade pouco se importaram.

Na verdade, a pressão de desmatamento na TI Kayabi tem sido muito mais intensa no período posterior a 2002, numa tentativa de marcar território e descaracterizar a área como digna de proteção. Ou seja, o desmatamento correu solto. É fácil comprovar isso. Até 2001, apenas 5.083 de seus mais de um milhão de hectares tinham sido desmatados. De acordo com imagens de satélite, só entre 2002 e 2003, sumiram do mapa cerca de 15 mil hectares de floresta. Nos dois anos seguintes o desmatamento foi menor, mas ainda preocupante: 6,3 mil hectares. Portanto, em quatro anos foram constatados pelo menos 21 mil hectares de floresta derrubada dentro da área protegida. Segundo o Ibama, cerca de 1,5 milhões de metros cúbicos de madeira podem ter sido retirados de lá, o suficiente para carregar 37.500 caminhões.

Segundo Nunes, quem ocupa aquelas terras está fadado ao fracasso. Mas, mesmo assim, sobram gananciosos. “A biodiversidade na TI é enorme, mas a terra é pouco fértil, o solo é arenoso”. Deve ser por isso que, mais do que pensar em agricultura, depois que as árvores nobres são retiradas tudo vira pasto. “Os pastos são enormes aqui, eles chegam a jogar as sementes de avião”, conta o funcionário. A preocupação dele é que a falta de uma definiçao judicial acabe trazendo violência para a área, como aconteceu no caso da missionária Dorothy Stang, no Pará. “Ainda estamos livres disso por aqui porque os índios são muito pacíficos. Se fosse os kayabis do Xingu já tinha rolado cabeça de gente. O que não é certo, claro, mas é o jeito que eles têm de resolver as coisas”, diz.

* Colaborou Mariana Menezes.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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