Reportagens

Uma agradável surpresa

Pesquisador redescobre no Tocantins espécie de pica-pau desaparecida desde 1926. A novidade reforça a necessidade de criar mais unidades de conservação no norte do estado.

João Teixeira da Costa ·
24 de novembro de 2006 · 18 anos atrás


Advaldo mediu, fotografou, soltou o bicho e foi consultar o
“Sigrist”. Ficou espantado com o que viu: aquele pica-pau parecia ser um Celeus obrieni, o pica-pau-do-parnaíba, espécie identificada em 1926 e nunca mais vista desde então.


Por muitos anos considerou-se que o pássaro poderia ser uma subespécie do pica-pau-lindo (Celeus spectabilis), encontrado nas florestas de taboca (um tipo de bambu nativo) da Amazônia ocidental. O problema é que o espécime do obrieni do American Museum difere do spectabilis em vários aspectos, e a distância entre os locais de ocorrência é muito grande, mais de 3 mil quilômetros. Hoje os ornitólogos consideram o obrieni espécie plena – uma decisão, segundo Pacheco, que procurou também atrair a atenção da comunidade ornitológica para esse bicho.
Imaginava-se que uma pequena população pudesse existir no “remoto e pouco conhecido interior brasileiro”.

A hora da redescoberta

O achado de Advaldo parece seguir o padrão de redescobertas recentes. De acordo com Fernando Pacheco, elas têm acontecido ao acaso, e não em iniciativas focadas para encontrar bichos raros. “Pesquisadores esbarram com esses bichos, muitas vezes longe da sua localidade original.” Goiatins (TO) não é tão perto de Uruçuí (PI), mas também não fica tão longe. O importante é que o ambiente daquele pedaço do Tocantins torna a presença do pica-pau-do-parnaíba plausível.


Como a avifauna da região é pouco conhecida, não é improvável que houvesse uma população não detectada do pica-pau por ali, mesmo que a região já tenha passado por alguns levantamentos. O pioneiro foi
José Hidasi, húngaro de nascimento e grande autoridade em aves de Goiás e de Tocantins. Ele percorreu a maior parte do estado nos anos 50 e 60, e coletou muito material. Mas a informação é pouco acessível e pesquisas mais recentes têm trazido registros novos e muitas extensões de áreas de incidência. É possível que existam populações do obrieni no sul do Piauí e Maranhão, regiões ainda pouco conhecidas do ponto de vista ornitológico.

O avanço do conhecimento, no entanto, tem um lado sombrio. Os levantamentos de campo como aquele onde Advaldo capturou o pica-pau muitas vezes estão ligados ao processo de licencimento ambiental de obras de infra-estutura, de estradas como a BR-010 ou a BR-163, ou ferrovias como a Norte-Sul, que são indutoras da colonização, da expansão da agricultura e da pecuária – como pode ser constatado por qualquer internauta com o Google Earth no seu computador. Assim, a identificação ou a redescoberta dessas aves (e de inúmeros outros animais e vegetais) acontece no momento de maior perigo para a sua sobrevivência. Olmos e Pacheco esperam que a notícia da redescoberta sirva para atrair mais atenção para a região, de interesse científico e potencial turístico, como Olmos já descreveu eloquentemente aqui em O Eco.

O governo de Tocantins já dispõe de toda a informação necessária para criar as unidades de conservação que aquele estado merece. É bom que o faça rápido, antes que o avanço da soja varra do mapa essa fantástica riqueza natural.

Leia também

Notícias
2 de julho de 2024

Com servidores ambientais em greve, ministra da Gestão se compromete a reabrir negociações

Categoria entrou em greve em 24 estados após fim das negociações pela reestruturação da carreira; promessa foi feita a servidores da Paraíba, durante evento em João Pessoa

Reportagens
2 de julho de 2024

Do Chuí ao Oiapoque na maior trilha do Brasil

Com mais de 2.500 quilômetros já percorridos, o francês Johann Grondin realiza sua maior aventura, literalmente, ir a pé de um extremo ao outro do Brasil

Reportagens
2 de julho de 2024

Calor extremo: como a crise climática impacta trabalhadores na América Latina

Eventos climáticos extremos e aumento das temperaturas colocam em risco saúde dos trabalhadores e demandam medidas de adaptação

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.