Reportagens

Líderes do desmatamento

Nos últimos 5 anos, a destruição da Mata Atlântica se concentrou em Santa Catarina e Paraná, estados responsáveis por 77% do que foi desmatado nesse período. Já Goiás, devastou o pouco que tem.

Aline Ribeiro ·
12 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás

Santa Catarina e Paraná lideram a destruição do que resta de Mata Atlântica no Brasil. Juntos, os dois estados concentram 77% dos desmatamentos registrados entre 2000 e 2005. Os dados foram revelados pela nova edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e divulgado nesta terça-feira.

O levantamento, que mede os índices de desmate de oito dos 17 estados brasileiros que contêm Mata Atlântica, mostra ainda que, nesses cinco anos, a cobertura original da floresta caiu de 7,1% para 6,98% – redução mínima se comparada à tendência histórica de desmatamento do bioma. Ainda assim, especialistas alertam que os números devem ser vistos com cuidado, porque os valores brutos continuam elevados e o que resta de floresta original é pouco para preservar as mais de 20 mil espécies de plantas e 1,6 milhão de espécies de animais que a mata mais biodiversa do país abriga.

Para Miriam Prochnow, coordenadora da Rede de ONGs da Mata Atlântica, a ineficácia das políticas públicas é o principal motivo para Paraná e Santa Catarina terem desaparecido sozinhos com 73.561 hectares dos 95.066 he de Mata Atlântica desmatados no Brasil entre 2000 e 2005 . “Podemos, inclusive, citar os desmatamentos de araucárias centenárias com autorizações ilegais dos próprios órgãos ambientais do governo de Santa Catarina”, ressalta, lembrando que o caso foi denunciado pelo O Eco no início deste ano. “Usando o subterfúgio de que se tratavam de árvores em estágio inicial, colocavam abaixo florestas em estágios primário e avançado. Isso ocorreu há alguns anos no Paraná também”, denuncia.


Segundo o Atlas, Bituruna, no Paraná, lidera o ranking das cidades que mais desflorestaram a Mata Atlântica nos últimos anos, foram 4.809 hectares. Para Mário Mantovani, diretor de Mobilização da SOS Mata Atlântica, a derrubada em massa ocorreu devido ao descaso do governo e à intimidação dos proprietários rurais. “Eles tinham medo que suas áreas virassem parques para preservar a araucária e acabavam derrubando a floresta. Isso ocorreu em outras cidades do estado também.”

Outra explicação é a utilização de madeira de floresta nativa para a fumicultura. Durante a cura do fumo – processo de secagem acompanhado de transformações químicas-, as estufas são alimentadas por madeira. Segundo Prochnow, cada estufa consome 1 hectare de floresta nativa por ano. “São milhares no estado. Os pequenos agricultores chegam a esconder a madeira embaixo de lonas pretas, para escapar da fiscalização.” Wilgold Schäffer, coordenador do Núcleo dos Biomas Mata Atlântica e Pampa do Ministério do Meio Ambiente, acrescenta que o plantio de eucalipto e pinus no planalto norte e meio oeste de Santa Catarina, além da expansão agrícola, são causadores da redução de florestas.

Ficou de fora

Em maio, dados preliminares do Atlas dos Remanescentes apontaram para a diminuição do ritmo de desflorestamento da Mata Atlântica. A taxa de redução da floresta caiu 71% entre 2000 e 2005, se comparado ao período anterior, que vai de 1995 a 2000. Isso quer dizer que pouco mais de 94 mil hectares foram exauridos nos últimos cinco anos, contra quase 325 mil no qüinqüênio anterior. Daí a explicação para a cobertura original do bioma ter permanecido quase a mesma (de 7,1% para 6,98%). “Os dados refletem a realidade. Na grande maioria dos casos, os desmatamentos não são significativos. Isso porque não existe mais muita coisa para acabar. Se [o desflorestamento] fosse mais acelerado, chegaríamos a zero de mata rapidamente”, pontua Schäffer. “A vigilância da sociedade e o retorno da fiscalização por parte do Ibama também explicam a redução.”

Apesar da queda, Schäffer ressalta que o estudo não mapeia a ocupação dos campos naturais do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina para o plantio de pinus, informação relevante para compreender a cobertura da Mata Atlântica no país. Também não “enxerga” as áreas de exploração seletiva, prática ilegal que derruba diariamente espécies importantes para a consistência das florestas, como pau-brasil e canela. O levantamento ainda deixa de fora as bases de dados da Bahia e Minas Gerais, uma vez que a atualização dessas depende de imagens de satélite livres da cobertura de nuvens. “O de Minas Gerais deverá ser concluído no início do próximo ano. Já elaboramos o mapa, mas estamos revisando no momento. No caso da Bahia, ainda temos muitos problemas de cobertura de nuvens e o sensor CCD/CBERS-2 [satélite utilizado para medição] já não está em operação”, explica Flávio Ponzini, coordenador técnico do estudo pelo INPE. Márcia Hirota, coordenadora do Atlas pela SOS Mata Atlântica, diz que, com a posse do novo governador da Bahia, Jacques Wagner (PT), que foi relator do Projeto de Lei da Mata Atlântica, espera-se “um programa concreto e efetivo em favor da floresta no estado, da proteção das Unidades de Conservação, de fomento às Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), de restauração florestal e, principalmente, em favor da proteção de Abrolhos, sob forte ameaça.”

O que muda com a lei

Depois de 14 anos de trâmite na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei da Mata Atlântica foi aprovado e, segundo Mantovani, será essencial para a manutenção dos 6,98% de cobertura original de bioma que restam no país. “O marco legal, a segurança jurídica, os incentivos aos proprietários rurais, a discriminalização dos pequenos proprietários, informações atualizadas, uma necessária reestruturação dos órgãos estaduais e a mobilização da sociedade pela lei são nossas garantias na reversão desse perverso processo. As condições são favoráveis e não devem ser enquadradas como entraves ao desenvolvimento.”

O primeiro monitoramento da situação da Mata Atlântica foi divulgado em 1990. Nos primeiros cinco anos (1985 a 1990), a medição do desflorestamento era feita a partir de escala que detectava somente áreas maiores de 40 hectares. No período seguinte (1990 a 1995), os satélites conseguiam verificar áreas com mais de 25 he. Hoje, é possível medir desmatamentos menores, a partir de áreas com 5 hectares. “Há a perspectiva de utilizarmos dados de um sensor orbital sino-brasileiro do satélite CBERS-2b, que deverá ser lançado em 2007. Se conseguirmos, poderemos mapear áreas inferiores a 1 hectare”, adianta Flávio Ponzini.

A Mata Atlântica cobria, originalmente, 1,36 milhão de km2 do país. Hoje, é considerada Hotspot Mundial, o que significa uma das áreas mais ricas em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta. Tem mais de 8 mil plantas endêmicas, 270 espécies conhecidas de mamíferos, 992 espécies de pássaros, 197 répteis, 372 anfíbios, 350 peixes e mais da metade dos 633 animais ameaçados de extinção no Brasil. Ela também abriga 60% da população brasileira, ou seja, 110 milhões de pessoas.

Dentre os oito estados pesquisados, Goiás foi o que mais devastou percentualmente o pouco que abrigava de Mata Atlântica em seu território (7,94%). “Apesar de ter desmatado mais, Goiás tem uma porção de Mata Atlântica muito estreita. Por isso, não interfere tanto no conjunto dos dados”, explica Márcia Hirota. Quem quiser saber a situação desse bioma na sua cidade, pode acessar o Atlas dos Municípios da Mata Atlântica, um dos subprodutos do Atlas dos Remanescentes Florestais de Mata Atlântica.

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