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Jeitinho tem limite

Governo estadual e Ibama fecham os olhos para falta de registro do zoológico de Cuiabá. Eles dependem do local para destinar animais apreendidos e resgatados em Mato Grosso.

Andreia Fanzeres ·
26 de julho de 2007 · 17 anos atrás

A época crítica de desmatamentos e incêndios nas matas é também o período em que são deixados à porta da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) centenas de animais atropelados, queimados e doentes. Corpo de Bombeiros, Ibama, Secretaria Estadual de Meio Ambiente e a população de Cuiabá não pestanejam ao destinar qualquer bicho que apareça ao único zoológico que funciona no estado, lá no campus universitário, há exatos 30 anos. Só que, a exemplo do que virou regra em diversos outros zôos do país, o de Mato Grosso não tem licença para operar, tampouco orçamento e condições suficientes para cuidar dos 800 animais de 79 espécies amazônicas, pantaneiras e do Cerrado, que são uma das principais atrações dos cuiabanos nos finais de semana.

Apesar da situação irregular de funcionamento, nunca nenhuma fiscalização se atreveu a fechar o estabelecimento. O próprio Ibama, responsável por conceder o registro admite que não adianta embargar ou autuar o zoológico. “Não temos para onde destinar os animais, este é o único local, infelizmente”, explica Eloíso Nunes Miranda, analista ambiental do núcleo de fauna e recursos pesqueiros do instituto em Cuiabá. Segundo ele, ultimamente algumas aves têm sido entregues a um batalhão do Exército em Rondonópolis, cidade a cerca de 200 quilômetros da capital. Além disso, há alguns poucos criadores conservacionistas em outros locais do estado. Ainda assim, nenhum com registro.

Num estado do tamanho de Mato Grosso, o transporte para Cuiabá pode ser uma experiência ainda mais penosa para os animais capturados em apreensões, resgates ou entrega voluntária. Dependendo da localização, eles viajam 10 ou 12 horas de carro, em estradas precárias, até chegarem ao zoológico. De acordo com dados da superintendência do Ibama em Cuiabá, o instituto entregou 96 animais ao zoológico em 2006. Este ano já foram 45 bichos. E, por falta de organização, não há registro de controle do número de animais capturados nos anos anteriores.

Estopim

A administração do zoológico, que não tem tido alternativa senão aceitar os animais, ameaça agora fechar as portas para algumas espécies que sofrem superlotação como araras, papagaios e onças. “Apesar de termos conseguido a duras penas ampliar o recinto das onças pardas, há nove animais em uma área ideal para apenas um casal”, exemplifica o gerente do zoológico, Luiz Carlos de Sá Neves. Para ele, a gota d’água aconteceu há cerca de um mês, quando um tamanduá rasgou a tela de uma gaiola lotada de periquitos anilhados e um deles escapou. “Por acaso, esse periquito foi parar na casa de uma funcionária do Ibama, que ameaçou multar o zoológico”, conta Carlos, que já perdeu a conta de quantas vezes pediu apoio e recursos do Ibama e do governo estadual, que todos os anos abarrotam o zoológico com novos animais.

Enquanto não houver licença, no entanto, o repasse de recursos será improvável. Carlos já pediu autorização para a cobrança de ingressos das mais de seis mil pessoas que aparecem todos os meses no zôo, mas a universidade não aceitou. “Dizem que o zoológico precisa se estruturar melhor para cobrar entrada, mas sem recursos não é possível se reestruturar”, reclama.

Dedicação pessoal

Localizado dentro do campus da UFMT, o zoológico recebe da universidade apenas os alimentos para os animais e recursos para pequenas reformas emergenciais. A reitoria não tem recursos específicos para manter o zôo, que começou em 1977 por iniciativa de um técnico de laboratório apreciador de bichos. “Aos poucos ele trazia jabutis, passarinhos, patos e marrecos para o campus. As pessoas passaram a visitar e logo os animais eram tantos que foi preciso pensar numa estrutura de zoológico, mas sem comprometimento financeiro de nenhuma parte”, explica Carlos, que há 23 anos começou a trabalhar como tratador de animais.

Para garantir que os demais serviços funcionem minimamente no zôo, Carlos, pantaneiro que viveu até os 14 anos cercado de bichos, empenha-se pessoalmente na execução das melhorias. Tenta parcerias com frigoríficos para fornecimento de carnes, já obteve sucesso nas reformas de jaulas e compra de bebedouro com ajuda de uma empresa de móveis, pede ajuda aos universitários para obter remédios e assistência especializada em casos de animais gravemente feridos e até dá uma de jardineiro plantando árvores frutíferas dentro dos recintos dos bichos, ou de vigilante, controlando a entrada, a saída e a permanência dos visitantes. Ultimamente, os recursos que resultaram nas maiores benfeitorias, como um viveiro adequado para os gaviões-reais, os novos recintos das onças e a urbanização da área para a passagem dos visitantes, que antes era uma cratera de barro, vieram com recursos de uma parceria com o juizado ambiental volante de Cuiabá.

Dinheiro vivo o gerente não vê, mas a compra de materiais para as reformas, por exemplo, vem da conversão dos valores de multas aplicadas aos réus do juizado no suprimento das necessidades do zôo. “Entreguei há dois anos uma lista de equipamentos e materiais prioritários ao juiz, e na medida em que os casos são julgados as multas são pagas com melhorias aqui”, explica Carlos.

Soltura por conta própria

A velocidade dessas obras não é, porém, compatível com o ritmo em que novos animais aparecem no zoológico. Para tentar diminuir a pressão sobre o local, o gerente opta por avaliar as condições do animal recém chegado ou que está para chegar, na tentativa de devolvê-lo à natureza. “O Ibama podia ter um projeto de reintrodução. Já soltei por conta própria macacos, jibóias, sucuris. Se não fizesse isso, não sei o que seria de nós”, conta o gerente. Segundo ele, quando se percebe que o bicho é “bravo” e tem saúde, ele é levado até uma fazenda no Pantanal, a 120 quilômetros de Cuiabá, com anuência do proprietário.

A administração do zoológico alega que a licença para operação do zôo foi solicitada há mais de 10 anos, e por conta de mudanças na legislação e da burocracia do poder público o registro ainda não saiu. O Ibama, por sua vez, afirma que ainda faltam documentos para a regularização desse caso e que está tomando providências para não depender mais do zoológico na destinação dos animais resgatados ou apreendidos. “Temos um plano para construir um centro de triagem em Poconé, em Sinop e outro em Juína. Já existem até recursos para isso”, diz Miranda, do Ibama. Só que ninguém se arrisca a fazer uma previsão de quando o projeto vai virar realidade.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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