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Chegou o momento das florestas. E daí?

Governos e especialistas estão muito perto de um consenso sobre a necessidade de se preservar o que resta de matas tropicais. Questão principal é garantir bom uso do dinheiro.

Redação ((o))eco ·
7 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
A discussão sobre as emissões de carbono por desmatamento e queimadas criou uma ação global para a conservação de matas tropicais, como a Amazônia. (Foto: Paulo Artaxo/LBA)
A discussão sobre as emissões de carbono por desmatamento e queimadas criou uma ação global para a conservação de matas tropicais, como a Amazônia. (Foto: Paulo Artaxo/LBA)
Londres – Pergunte a qualquer veterano da conservação sobre a disponibilidade de recursos financeiros para a proteção de florestas tropicais e certamente você ouvirá uma resposta animadora. Nunca houve um momento como esse em que governos, acadêmicos e ONGs concordam sobre a urgência de interromper o desmatamento colocando muito dinheiro na proteção das matas dos trópicos, seja na América Latina, África ou Ásia.  

REDD passo a passo

O mecanismo para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) começou a ser discutido oficialmente pela ONU em 2005, durante a 11ª Conferência sobre Mudanças Climáticas, em Montreal (Canadá). Naquela ocasião, países tropicais como Costa Rica, Papua Nova Guiné e Indonésia propuseram que florestas nativas pudessem gerar créditos de carbono.

O Brasil, desde o início, se opôs à inclusão de florestas tropicais num mecanismo de mercado e, na Conferência de Nairóbi (2006), apresentou a proposta de um fundo global para a redução efetiva de emissões. Ou seja, países desenvolvidos investiriam em países tropicais para parar o desmatamento, mas não ganhariam créditos de carbono por isso.

Mais um passo foi dado na 13ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Bali (Indonésia), em 2007, quando países deixaram suas divergências de lado e chegaram a um acordo de que, seja via mercado de carbono ou fundo global, as florestas tropicais devem fazer parte da estratégia de combate ao aquecimento.

Em Poznan (2008), foram decididos quais países e projetos poderão se beneficiar de um futuro mecanismo. Em 2009, será o momento de decidir como de fato será o mecanismo e de onde virá o dinheiro para interromper o desmatamento.

Tome o caso do Reino Unido. O governo do país anunciou, no fim de 2008, que destinará 100 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 340 milhões) à preservação de florestas nativas mundo afora. Os recursos se unem a volumosa cifra de 1 bilhão de dólares (em torno de R$ 2,2 bilhões) já doados pela Noruega, inclusive ao Fundo Amazônia, do governo brasileiro. Novos anúncios de dinheiro para a conservação estão confirmados para este primeiro semestre, pela Alemanha e pelo Projeto para Florestas Tropicais do Príncipe de Gales.

“Eu lido com conservação há 35 anos, trabalhando em florestas em todo mundo, e quando eu comecei esse era um assunto que ninguém estava interessado. Mas agora nós temos, governos e empresas, além de um processo formal nas Nações Unidas (ONU), discutindo como proteger florestas. Realmente alguma coisa está acontecendo”, afirma Andrew Mitchell, professor de Oxford que coordena o Global Canopy Program, uma rede de pesquisadores que estuda os benefícios de se conservar matas tropicais para regimes hídricos e climáticos globais.

Mitchell também lidera o manifesto Forest Now, que defende a criação de um mecanismo financeiro, dentro da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, que pague países em desenvolvimento para que mantenham suas florestas em pé. Tal mecanismo é conhecido como REDD nas negociações internacionais, ou Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação.   

Não foi por falta de publicidade que as matas tropicais foram negligenciadas nas últimas décadas. Houve sim muito debate em fóruns internacionais e dinheiro de cooperação internacional engordando orçamentos ambientais de países como Brasil, Congo ou Indonésia. A diferença agora é que os manda-chuvas da diplomacia global, seja Estados Unidos, Europa ou China, chegaram ao consenso de que é preciso botar dinheiro imediatamente nas florestas, pois o desmatamento contribui com pelo menos 20% das emissões globais de carbono.

Foi o influente relatório do economista britânico Nicholas Stern que destacou a importância que as florestas tropicais podem ter no esforço global para cortar emissões. Interromper o desmatamento seria a ação com maior custo-benefício. Muito mais barato do que mudar sistemas de transporte ou energia, acabar com as derrubadas e queimadas florestais poderia, no curto prazo, reduzir uma parcela importante das emissões (os 20% mencionados).

Corrupção florestal

Mitchell:
Mitchell:

Os países membros da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas que estiveram reunidos mais uma vez em dezembro do ano passado, na cidade de Poznan (Polônia), já concordaram com argumento de Stern de que interromper o desmatamento é um bom negócio para todos. Até mesmo as cifras de quanto será necessário já começaram a surgir nas mesas de negociação. A União Européia apresentou uma proposta onde de 25 bilhões a 30 bilhões de euros anuais serão necessários para que o mundo chegue, em 2030, com uma taxa de desmatamento zero. O dinheiro seria colocado por governos de países ricos em um fundo que beneficiaria nações tropicais.

A questão que muitos militantes da conservação florestal vem se perguntando é qual será o impacto local quando todo este dinheiro começar a fluir. Patrick Alley é fundador da Global Witness, ONG que há 15 anos acompanha casos de corrupção no setor florestal em diversos países.  Em sua opinião, a questão do aquecimento global trouxe uma oportunidade única ao dar às florestas tropicais o status que merecem no cenário internacional. “A conservação de florestas era, até agora, uma questão de segunda classe nas negociações internacionais”, avalia.

Mas como em tudo que envolve muito dinheiro, o desafio é tremendo. “Os países tropicais que estão negociando o REDD são alguns dos mais corruptos, os menos preparados e mais pobres em todo o planeta”, diz Alley.

No meio desta discussão, há um bom grupo de ONGs e organismos internacionais trabalhando duro para criar regras para que, quando o dinheiro começar a rolar, pessoas, florestas e governos sejam de fato beneficiados. O termo usado para estes parâmetros de bom comportamento é a “governança florestal”.

Na prática, espera-se que a iniciativa funcione como um check-list, que terá de ser preenchido antes que um projeto no meio da Amazônia, por exemplo, receba um financiamento do primeiro mundo. Tem regularização fundiária? Existe estrutura para monitorar a preservação das florestas? Como as populações locais serão beneficiadas com o dinheiro? São algumas das perguntas que terão que ser respondidas.

A negociação para valer

Sapinho venenoso de florestas tropicais. (Foto: Andrew Mitchell / Forest Canopy)
Sapinho venenoso de florestas tropicais. (Foto: Andrew Mitchell / Forest Canopy)

Entretanto, para que o dinheiro do REDD chegue de fato à floresta, algo fundamental precisa acontecer: o mecanismo precisa ser aprovado em definitivo na reunião da ONU marcada para dezembro deste ano, em Copenhague (Dinamarca). Muitos estão confiantes de que haverá acordo, porque no encontro de Poznan, o grupo técnico da convenção aprovou um documento que, pela primeira vez, definiu que tipos de projetos poderão ser beneficiados pelo mecanismo.

A questão mais espinhosa será como financiar o REDD. Desde 2005 (veja box nesta página), países tropicais dividem-se entre aqueles que querem que o dinheiro venha dos mercados, através da venda créditos de carbono, e aqueles que esperam recursos públicos, através de contribuições de governos a fundos internacionais.

O governo brasileiro é uma espécie de São Tomé nesta discussão toda. A posição com relação ao REDD tem sido de ceticismo e defesa inflexível de um mecanismo custeado por verbas públicas. O ceticismo deve-se exatamente à “capacidade” de países tropicais em monitorar o desmatamento e a corrupção em suas florestas. Ou seja, de exercer a “governança florestal”.

A principal negociadora da questão florestal na delegação brasileira é Thelma Krug, ex-secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e hoje no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sem meias palavras, afirma que o REDD vai avançar, sem dúvida, mas para ser implementado serão necessários muitos anos. “É por isso que temos o Fundo Amazônia, enquanto a discussão continua, vamos fazendo a nossa parte”, argumenta.

Andrew Mitchell, do Global Canopy Program, acha que o risco maior quando o REDD sair do papel é de que se torne tão complicado que os governos acabem desistindo de implementá-lo. Ele tem defendido que, enquanto a iniciativa não deslancha, crie-se “um pacote emergencial” para as florestas. “A Noruega já está colocando muito dinheiro, mas precisamos muito mais na próxima década. Senão, vamos continuar a ver milhões de hectares de floresta queimando todos os anos. É isso que nós queremos?”.

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