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Resistência imediata

Estudo mostra que áreas de floresta densa na Amazônia podem resistir mais do que se pensava a estiagens. Mas se a tendência se prolongar, mantém-se a hipótese de savanização.

Vandré Fonseca ·
20 de setembro de 2007 · 17 anos atrás

A Amazônia é mais resistente à seca do que mostram os modelos de clima e emissão de carbono usados nas previsões sobre os efeitos do aquecimento global. E a grande seca que atingiu a região em 2005 é um bom exemplo disso. Pelo menos foi no que se basearam os pesquisadores Scott R. Saleska, Kamel Didan e Alfredo R. Huete da Universidade do Arizona e o brasileiro Humberto Ribeiro da Rocha, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). Eles assinam um artigo publicado na edição desta quinta-feira na revista Science Express e revelam que a floresta manteve o verde durante a seca de julho a setembro de 2005, ao contrário do que acreditavam alguns cientistas. “O estudo sugere que a floresta amazônica intacta pode ser mais resiliente do que os modelos de ecossistema assumem, pelo menos em resposta a anomalias climáticas de curta duração”, diz a publicação. Só se verificou redução das áreas verdes onde já havia impactos de atividade humana.

Os cientistas usaram imagens captadas pelo sensor Modis (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) do satélite Terra, da Agência Aerospacial Americana (NASA). E a primeira medida foi medir a área folheada e o conteúdo de clorofila nas florestas densas.

De acordo com Rocha, o crescimento de folhas durante a seca se deve ao aumento da radiação solar, combinado com a capacidade das árvores da região de buscar água em profundidades de até dez metros durante o período de estiagem, sem reduzir a evapotranspiração. A capacidade de o solo reter água contribui para este efeito. Com mais luz do sol, as árvores precisam compensar o calor e buscam mais água, aumentando a fotossíntese e ganhando folhas.

“É entre o meio e o fim da estação seca, em um período curto de não maior que dois meses, que a floresta tropical reage, e é quando ocorre o green-up ou rebrota das folhas verdes, resultante dos mecanismos circadianos (ciclo espontâneo das árvores) com os quais as espécies evoluíram, preparando-se adequadamente para o início das chuvas”, afirma o cientista brasileiro.

Risco de savanização

O estudo demonstra que a floresta reagiu positivamente ao aumento de calor e radiação solar durante a seca e o “estresse hídrico” não foi suficiente para anular o estímulo do sol. “Isso sugere que a reação ao estresse hídrico pode ser muito menor que pensávamos para o evento de rebrota, que é em grande parte resultante dos mecanismos intrínsecos de adaptação das espécies”, afirma o pesquisador brasileiro.

Para o climatologista José Antônio Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os resultados indicam que a floresta pode reagir a pelo menos um ano de seca. “Sempre se pensou que a vegetação era muito vulnerável, mas o paper de fato mostra que, quando atingida por eventos como de 2005, ela pode reagir”, afirma.

Os estudos devem servir para aprimorar modelos de previsão de clima para a região e, segundo o pesquisador brasileiro, não contradiz o modelo de savanização. A idéia de que a floresta amazônica poderia se tornar uma espécie de savana empobrecida considera um estado de clima mais quente durante décadas, o que não é o caso da seca de 2005. “A seca da Amazônia em 2005 foi muito intensa, mas não se enquadra exatamente naquelas premissas. Tratou-se de um evento transiente, que persistiu, mas na escala de meses”, afirma Rocha.

Para ele, a reação observada em 2005 e a possibilidade de savanização podem ser complementares. A recuperação intensa de 2005 sugere, segundo Rocha, uma reação ao estresse hídrico no médio prazo. “Mostra-se provável haver processos de médio prazo, sobre os quais ainda não tínhamos uma noção clara”, explica.

Marengo concorda. “Os dados não mostram o que pode acontecer com secas ocorrendo durante 20 anos, por exemplo. Se parar de chover hoje, o efeito não é imediato, a floresta demora um pouco para sofrer”, afirma. De acordo com ele, a seca de 2005 foi precedida de estiagens rigorosas em anos anteriores, que deixaram muito material combustível para queimar na floresta.

Questão de prazo

Para Antônio Manzi, gerente executivo do Experimento de Grande Escola da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), períodos de secas prolongados podem causar mudanças da floresta. Ele cita dois experimentos do LBA, o Seca Floresta, em Santarém, em parceria com o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam) e o Esecaflor, na Floresta Nacional de Caxanã, ambos no Pará, onde foram colocados painéis de plástico para evitar que as chuvas cheguem ao solo e simular o que aconteceria com as árvores em caso de secas. “A gente vê mortalidade de árvores emergentes (mais altas), com redução de folhas, que por sua vez se tornam mais grossas”, conta.

Manzi diz que, apesar da certeza de que a temperatura vai subir nas próximas décadas, ainda existem controvérsias sobre o futuro da Amazônia. “Existe o risco de acontecer uma savanização em parte da Amazônia, principalmente se ocorrer uma espécie de El Niño permanente no Pacífico, porque se espera mudanças no ciclo hidrológico, mas não sabemos a intensidade, nem a extensão geográfica destas mudanças. Os modelos são muito limitados”, afirma o pesquisador, que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Para autores do artigo, o trabalho não contradiz o que se sabe sobre a vulnerabilidade da floresta a eventos dramáticos como a seca de 2005, mas sugere que a reação da floresta a efeitos climáticos usados nos modelos devem ser mais bem observados. Segundo o artigo, é importante que sejam feitas análises sobre como a floresta reage a longos períodos de seca, como fortes El Niños ou mudanças climáticas de longo prazo.

* Vandré Fonseca é jornalista em Manaus.

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