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Juruvas na Tijuca

Fotógrafo passa 30 dias no Parque Nacional da Tijuca documentando os hábitos de caça e alimentação da juruva-verde. São registros de uma ave considerada arisca e desconfiada.

Ruy Salaverry ·
15 de janeiro de 2008 · 16 anos atrás

No Parque Nacional da Tijuca, dentro de um grande centro como o Rio de Janeiro, caminhar pela floresta pode ser um momento de grande relaxamento e introspecção. Uma verdadeira recarga nas baterias.

Quem caminha por suas trilhas a cada dia tem a oportunidade de fazer novas descobertas e se admirar com sua exuberância. Não se pode esquecer que mesmo tão perto da cidade, tem-se os mesmos problemas que em qualquer floresta. É preciso conhecer bem as trilhas por onde se anda, sempre levar um cantil com água, usar repelente de insetos e o cuidado normal para evitar as picadas de cobras. Muitas vezes, pode-se fazer boas observações sem mesmo entrar numa trilha, ficando na parte asfaltada e olhando com atenção a mata em sua volta.

Uma das aves mais interessantes da floresta é sem dúvida a juruva-verde. Raríssimas vezes notada pelos leigos e pouco avistada até para os observadores de pássaros. Muitos deles apenas ouviram seu célebre canto.

A juruva-verde, cujo nome científico é Baryphthengus ruficapillus é uma ave da família Momotidae. É nativa da Argentina, Brasil e Paraguai. Por aqui habita numa área que se estende da região Sul até o Nordeste, passando pelo Centro Oeste. Seu tamanho é cerca de 42 cm de comprimento, com dorso verde e peito esverdeado com pequenas manchas negras. São onívoras e fazem seus ninhos em buracos que escavam em barrancos. São muito ariscas e desconfiadas, qualquer movimento as assusta, fazendo com que voltem para o interior da mata.

Há pouco tempo observei um ninho de juruvas-verde, fotografando-as por mais de trinta dias quando levavam uma grande variedade e quantidade de alimentos aos filhotes, tais como frutos, insetos, aranhas, lagartos, cobras, rãs e até uma Catita (Marmosa incana).

Esta observação não é nada fácil devido ao temperamento arisco e extremamente desconfiado destas aves. A única chance de se observar bem é ficando nas proximidades de seus ninhos usando uma camuflagem. Elas têm a fama de entrar e sair do ninho rapidamente, mas isto é apenas meia verdade. Para quem passou próximo a seu ninho acidentalmente na hora, provavelmente a viu fugir para a mata ou mergulhar literalmente para dentro do ninho. Daí vem a fama.

Como eu sempre estava imóvel e camuflado constatei que elas têm um padrão de comportamento nesta aproximação. Desde o interior da mata até se aproximarem do ninho, elas checam tudo: vêem se há algum possível predador nas proximidades. Circulam por minutos indo de um lado a outro por galhos altos e vão, a cada deslocamento, se aproximando mais. Depois de muito observar e se nada ou ninguém aparecer por perto, aí elas pousam num galho bem próximo à entrada do ninho e ali fazem sua última checagem. Olham em todas as direções e, neste momento, parecem fazer de tudo para terem certeza que não há nenhum perigo, pois levantam sua bela cauda várias vezes e vocalizam alto.

Se nada de errado é notado, aí sim ela entra. Na grande maioria das vezes elas cumprem este rígido esquema de segurança. Raríssimas vezes elas vêm de longe entrando direto no ninho, mas isto foi observado algumas poucas vezes. Já a saída sempre ocorre de forma rápida.

Numa determinada manhã, uma delas entrou várias vezes no ninho com alimento e não entregou, voltando ao galho próximo da entrada onde vocalizava e dava saltos no mesmo lugar como a chamar os filhotes para saírem em seu primeiro vôo. No dia seguinte, infelizmente, o ninho estava vazio.

Fazer esta longa observação para documentar esta dieta tão variada e não fotografar os filhotes gerou certa frustração, mas ficou uma extensa documentação dos hábitos alimentares desta bela e interessante ave.

Depois da verdadeira aula que estas juruvas me deram espero ansioso pela próxima primavera. Aguardem.

* Ruy Salaverry é fotógrafo. Em 2002, obteve duas premiações no Iº Concurso de Fotos do Parque Nacional da Tijuca, já no Concurso da Fundação SOS Mata Atlântica obteve o 1º lugar em 2005 e sendo premiado também em 2006 e 2007.

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