Reportagens

Critérios para desmatar

Estudo que reuniu 160 pesquisadores destrincha paisagem, flora e fauna do estado de São Paulo. Os mapas servem de diretriz para conectividade de fragmentos de vegetação.

Cristiane Prizibisczki ·
15 de abril de 2008 · 16 anos atrás

Em meados de março, os cientistas paulistas conseguiram uma vitória junto ao governo do Estado. Pela primeira vez, um levantamento científico foi utilizado para balizar leis que definem critérios e parâmetros na concessão de licença para desmatamento em São Paulo. Do dia 13, a resolução SMA-15 determina que os pedidos de desmatamento deverão considerar as categorias de importância para a manutenção e restauração da conectividade biológica definidas em um mapa criado pelo Projeto Biota Fapesp. A partir de agora, será mais difícil desmatar no Estado.

O mapa em que a lei se baseia – e outros dois que foram criados concomitantemente – não são frutos de pouco trabalho. Eles foram desenvolvidos nos últimos dois anos e levaram em conta o levantamento da flora e da fauna feito nos últimos nove anos pelo programa Biota, um grande consórcio de cerca de 1.2 mil pesquisadores, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Com o banco de dados em mãos, a estratégia inicial dos pesquisadores foi identificar as espécies alvo e definir ações prioritárias para cada uma das áreas do Estado, de acordo com seu valor biológico e do contexto socioeconômico. Para identificar essas ações, 160 pesquisadores foram divididos em oito grupos – sete taxonômicos e um de paisagens. “Apesar de São Paulo ser o Estado que mais faz pesquisa no Brasil, menos de 1% dos fragmentos de vegetação nativa tem dados biológicos. Há muitos dados na zona litorânea, mas no interior há grandes vazios de conhecimento. Devido a esse cenário, resolvemos trabalhar com dados de paisagem também”, explica o biólogo Jean Paul Metzger, doutor em Ecologia da Paisagem e um dos coordenadores dos trabalhos que deram origem aos mapas.

Segundo ele, foram analisados cerca de 92 mil fragmentos de vegetação nativa em São Paulo. Na análise, levou-se em conta o tamanho e forma do fragmento, grau de isolamento e conectividade com outros remanescentes de vegetação. “Ao final, para cada uma das escalas [de divisão das áreas estudadas], tínhamos o inventario de espécies, as espécies alvo, dados de paisagem e as ações indicadas por cada grupo para preservação, que iam desde criar novas unidades de conservação de proteção integral até ações de restauração, de manejo […] O que fizemos foi quase uma soma dessas informações”, explica.

O produto final do trabalho foi a construção de mapas que indicam a distribuição geográfica de 10.491 espécies de flora e fauna no território paulista, entre plantas fanerógamas e criptógamas, insetos, aracnídeos, aves, peixes de água doce, anfíbios, mamíferos e répteis.

Um deles, chamado Lacunas do Conhecimento, identifica áreas onde as informações são escassas e para onde novas pesquisas deverão ser direcionadas. O segundo é um mapa de áreas prioritárias para a criação de unidades de conservação de proteção integral. Atualmente, dos 3,5 milhões de hectares de florestas remanescentes do Estado, só 760 mil ha – cerca de 22% – estão protegidos por unidades de conservação. Os outros 78% encontram-se em mãos de proprietários particulares.

“A perspectiva é de que nós possamos aumentar a participação do Estado na conservação da biodiversidade dos remanescentes”, diz o coordenador do projeto Biota, Ricardo Ribeiro Rodrigues, também pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Para isso, foram estudadas 25 possíveis áreas para a criação de UC´s. Destas, 14 foram indicadas ao Estado como prioritárias.

No mapa, as áreas estão indicadas em ordem de importância – ou urgência – para criação de instrumentos de proteção, devido ao valor biológico ou ao risco que correm pelas ações humanas. A primeira delas é a área de restinga e mangue entre os municípios de Peruíbe e Itanhaém, pressionada pela expansão urbana. A segunda é uma área de floresta ombrófila densa, situada perto do município de Jundiaí, sob pressão da expansão imobiliária. A terceira é uma área de cerrado entre os municípios de Agudos e Bauru, onde hoje há menos de 15% de cobertura vegetal, e assim por diante.

O terceiro mapa – que deu origem à Resolução SMA – 15 – indica as áreas prioritárias para a restauração ou manutenção da conectividade entre fragmentos de vegetação nativa. “Nós agrupamos todas as ações que tinham a ver com aumento de conectividade, áreas prioritárias para averbação de reserva legal, as indicadas para reforçar políticas de incentivos à criação de RPPN´s, áreas indicadas para restauração de corredores de mata ciliar. Tudo o que tinha a ver com uma dessas ações nos mapas temáticos, nós somamos”, explica o biólogo Jean Paul Metzger.

No mapa, as áreas que aparecem em amarelo e vermelho são as “biologicamente mais importantes” e onde os corredores devem ser incentivados, por meios dos dispositivos de proteção. Um deles fica do sudeste do Estado e liga a serra da Cantareira à Mantiqueira. Lá, encontram-se espécies como a jaguatirica (Leopardus pardalis), a queixada ( Pecari tajacu) e a onça pintada (Panthera onca). Morada do maior jequitibá do Brasil, do tamanduá-bandeira e de inúmeras outras espécies, a região central do Estado, entre as cidades de São Carlos, Rio Claro, Ribeirão Preto e Botucatu, também foi indicada para o aumento da conectividade. Uma terceira grande área de floresta estacional semi-decidual e cerrado, no oeste de São Paulo, entre as cidades de Lins e Dracena, também aparece no mapa do Programa Biota.

Para os interessados no material, uma boa notícia. Os levantamentos, mapas sínteses de cada grupo taxonômicos e os três mapas finais do programa, junto com outras informações, farão parte do livro “Diretrizes para Conservação e Restauração da Biodiversidade no Estado de São Paulo”, previsto para ser lançado no final de abril. “Sempre foi um dos nossos objetivos conseguir que dados científicos sustentassem políticas públicas”, comemora Ricardo Ribeiro.

Por dentro da lei

Baseada nos trabalhos do projeto Biota-Fapesp – mais especificamente no mapa de conectividade -, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente criou a Resolução SMA – 15, que determina novas regras para o desmatamento no Estado.

Segundo a Resolução, nas áreas consideradas prioritárias pelo mapa, será exigido do solicitante um estudo de fauna e flora, independente do estágio de degeneração em que se encontra a vegetação a ser suprimida. Também não serão permitidos desmatamentos em áreas que abriguem espécies ameaçadas de extinção e nas áreas de grande concentração de biodiversidade, o corte só será autorizado mediante a recuperação de uma outra área até seis vezes maior do que a desmatada e de igual importância biológica dentro do Estado.

“As regras são diferentes e mais restritivas. Antes, todas as áreas que estavam dentro de um dado estágio de degeneração eram tratadas de maneira igual. Agora podemos tratar cada uma de forma diferente”, diz Helena Carrascosa, coordenadora do projeto de recuperação das matas ciliares da SMA e uma das responsáveis pelo trabalho conjunto da Secretaria com o Programa Biota-Fapesp.

A resolução também determina que nos municípios com menos de 5% de cobertura florestal remanescente, a compensação ambiental seja obrigatória para qualquer tipo de vegetação, em área de tamanho igual à desmatada, dentro do mesmo município. Nas áreas consideradas prioritárias para a criação de unidades de conservação, as solicitações de desmate precisarão de autorização especial.

“A Resolução não existiria se não existissem os mapas. Agora as decisões [da SMA] têm fundamentos muito fortes, baseados em critérios e que são fáceis de justificar e defender”, afirma a coordenadora. Para que a nova lei seja implementada com sucesso e a fiscalização efetiva, Carrascosa disse esperar por novas contratações ainda este ano na secretaria. “Existe a previsão de um concurso para contratação de 300 fiscais. Haverá uma função nova na secretaria, a de ‘especialista ambiental’. Com isso, poderemos fazer mais coisas”, garante.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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