Um grupo de empresários e pesquisadores do setor de energia reuniu-se ontem (3) em São Paulo para o 1º Fórum de Novas Energias, cujo objetivo principal foi discutir idéias e soluções para a diversificação da matriz energética brasileira. Nada mais auspicioso para um momento em que a liberação da usina hidrelétrica de Belo Monte, há poucos dias, e o racionamento em Roraima, dependente da energia da Venezuela, reascenderam as discussões sobre a política energética brasileira. Mas quem foi ao encontro na capital paulista em busca de soluções alternativas às que o Brasil já conhece, pode ter se frustrado. As energias eólica e solar até tiveram algum espaço, mas as discussões giraram mesmo em torno da velha conhecida hidrelétrica. Duas novas usinas na Amazônia já estão nos planos da Eletrobrás.
Maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, controlada pelo governo federal, a Eletrobrás também almeja ser o maior “player” do mundo em geração de energia limpa – hoje ela é a terceira. Em seus projetos de expansão, a energia eólica tem certa participação, mas essa não é a menina dos olhos da empresa. Para tentar resolver o problema de fornecimento de energia para Roraima, hoje abastecido com energia proveniente da hidrelétrica de Guri, na Venezuela, que vem enfrentando racionamento, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz, anunciou que a empresa estuda a possibilidade de reativar um antigo projeto de usina hidrelétrica no rio Cotingo, acabando assim com o isolamento do estado no sistema de fornecimento de energia brasileiro.
O problema é que o rio Cotingo fica dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, área de conflitos históricos. Segundo Muniz, que já teve que se enfrentar com índios por conta da construção de hidrelétricas no Xingu, a Eletrobrás tem interesse na área, mas não pretende bater de frente com os indígenas. “Não brigamos nunca, nem com índio nem com Ministério Público. Sempre temos que buscar um consenso, mostrar que uma usina pode ser um excelente negócio para os índios”, disse. Em fevereiro de 1989, quando cerca de 650 índios, reunidos no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, bradaram seu descontentamento com a política de construção de barragens no rio Xingu, Muniz ficou conhecido por uma foto que rodou o mundo: uma índia kayapó tocou o rosto do então presidente da Eletronorte com seu facão, como gesto de advertência.
Além do rio Cotingo, Muniz informou que a estatal planeja outra hidrelétrica, no rio Branco, em Roraima, na altura do município de Caracaraí. “Hoje não tem linha de transmissão lá, então não é atrativo, mas com a construção da linha [para interligação de Roraima com a malha elétrica brasileira], vai ficar”, disse. Seriam as declarações de intenção da Eletrobrás efeitos de Belo Monte?
Brasil na contramão
Há poucos dias, pesquisadores da Universidade de Berkeley, na Califórnia, anunciaram que estão a um passo de criar uma bactéria capaz de produzir diretamente biodiesel a partir da fermentação de resíduos de produtos agrícolas. No final de janeiro, um designer francês apresentou uma mini turbina eólica que pode ser instalada nos quintais ou telhados de nossas casas para geração doméstica de energia. Estes são apenas exemplos de que soluções alternativas – e criativas – de geração de energia surgem freqüentemente.
Mas enquanto muitos países, desenvolvidos ou não, investem pesado na pesquisa e desenvolvimento de novas fontes, o Brasil ainda se debate com um etanol de primeira geração, tem de brigar muito para que a quantidade de enxofre no diesel diminua a níveis aceitáveis, investe pouco em tecnologia e aposta muitas fichas no potencial hídrico. “O grande desafio na renovação dos conceitos de desenvolvimento de fonte de energia está primeiro em vencer um conjunto de resistências que as grandes corporações impõem”, analisa Eduardo Bernini, ex-diretor da Eletropaulo e de outras empresas importantes do setor elétrico, como a Bandeirante.
Segundo ele, o Brasil está na contramão quando o assunto é o caminho para mudança da matriz energética porque ainda trabalha pensando em grandes sistemas, grandes usinas, quando o futuro é a descentralização. “O primeiro exemplo é o avanço da fonte eólica. Houve uma transformação muito forte nos últimos anos por causa de um desenvolvimento tecnológico descentralizado. Foram as empresas médias que fizeram a prospecção e o levantamento da energia eólica do último leilão que tivemos no país”, explica Bernini, que hoje comanda uma empresa de consultoria empresarial. O Brasil aproveita hoje apenas 0,5% do potencial de geração de energia eólica.
Para o consultor, há um grande risco de o desenvolvimento das energias limpas no Brasil ficar ainda mais lento, se considerarmos que a tendência é o fortalecimento de grandes conglomerados. Eles podem impedir ou dificultar a competição e a entrada de pequenos produtores, que poderiam fornecer soluções inovadoras na geração de energia. “É difícil prever onde o país estará daqui a alguns anos porque estamos em meio à mudança, que é essa tendência de conglomeração, mas, se ela se concretizar, posso dizer que estaremos piores do que estamos hoje”, diz.
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