Reportagens

Dez anos de pesquisa em São Pedro e São Paulo

Território brasileiro a cerca de 1000 km da costa revela uma rica biodiversidade, além de ser um posto avançado para pesquisas climáticas.

Celso Calheiros ·
20 de julho de 2010 · 14 anos atrás

Recife- As dez ilhotas que formam o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP) são pontos extremados do território brasileiro. Os estudos realizados em seu 1,7 hectare de rochas sem praias, sem sombras e sem fonte de água doce representam um material científico valioso. Lá existem raras formações rochosas e espécies da fauna que não existem em outro ponto do planeta podem ser observadas.

Nos rochedos, foram descobertas novas espécies de moluscos e peixes, também foi constatado que a lagosta e o carangueijo das ilhas são muito maiores que os do continente. Mais de 100 tubarões-baleia foram avistados e importantes descobertas sobre o ecossistema marinho ainda estão nos HDs e nas mentes de pesquisadores.

Para fazer parte do seleto grupo de pesquisadores na ilhas é preciso aceitar o desafio de trabalhar distante 510 milhas náuticas (cerca de 1.010 km) do porto mais próximo (Rio Grande do Norte), depois de duas semanas de adestramento militar para emergências que podem ocorrer (as ilhas estão na falha Dorsal Meso-Atlântica e apresentam elevada atividade sísmica). Em recompensa, a chance de observar espécies ameaçadas, formações geológicas únicas e aspectos meteorológicos importantes para a compreensão das mudanças climáticas, para citar alguns dos trabalhos já realizados.

Nas 348 páginas de O Arquipélago de São Pedro e São Paulo: 10 anos de Estação Científica, estão essas e muitas outras pesquisas realizadas no ar, nas rochas, no mar, na flora e na fauna desse pedaço do Brasil no meio do Atlântico, a meio caminho da África (985 milhas náuticas ou 1.824 km de Guiné-Bissau). O volume reúne o resultado de uma parceria entre a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da Marinha do Brasil com diferentes campos da academia – em um acordo modelo ganha-ganha. Os militares oferecem condições de logística, treinamento e tornam os rochedos habitados. O resultado é que consolida a presença brasileira que nos garante 450 mil km2 de mar territorial como Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira – não é pouca coisa. Os cientistas, por sua vez, têm uma oportunidade ímpar, uma base científica em terra, mas, pelas suas características, podem se considerar no meio do oceano.

Muito a apreender

Posto avançado: estação de pesquisa no arquipélago
Posto avançado: estação de pesquisa no arquipélago
Nas palavras do editor do livro, Fábio Hazin, diretor do departamento de Pesca e Aquicutura da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), nos últimos dez anos a produção científica nas ilhas é superior a tudo feito nos 500 anos anteriores. “O maior aprendizado, porém, talvez tenha sido o quanto ainda temos por aprender”, testemunha. Hazin acredita que as múltiplas perguntas nascidas são mais valiosas do que de cada uma das respostas encontradas.

O tubarão-baleia: cerca de 1 mil avistados.

Um dos destaques da estação científica do ASPSP é sua localização oportuna, em especial para cientistas brasileiros. Um dos trabalhos no ASPSP, por exemplo, avistou uma quantidade superior a cem tubarões-baleia, os maiores peixes do mar, que podem atingir os 18 metros de comprimento e frequentam a lista de espécies consideradas em perigo pela União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). No entanto, pouco se descobriu desses gigantes, além do fato deles preferirem aparições no primeiro semestre e terem, em média 9m, fato que os indentifica como indivíduos imaturos sexualmente.

Os trabalhos meteorológicos realizados revelaram a oportunidade que o ASPSP representa no estudo das mudanças climáticas, em especial a dinâmica da Zona de Convergência Intertropical, além de fluxos de calor, importante para compreensão da influência exercida pelo oceano na atmosfera e seu resultado para o clima do planeta. No arquipélago, de forma específica, as chuvas ocorrem no primeiro semestre do ano e têm papel no ecossistema, ao transportar para o mar nutrientes na forma de guano (escrementos e restos) produzido pelas mais de 700 aves que frequentam o arquipélago. Fábio Hazin pontua que os dados podem nos levar a mais longe. “A compreensão da influência que a erosão e lixiviação dos fosfatos têm, associados às correntes oceânicas, na abundância de peixes no entorno é de fundamental significância para a atividade pesqueira na região”.

Nos capítulos dedicados à hidrologia do ASPSP, os pesquisadores identificaram as correntes Sul Equatorial e Equatorial Submersa, de sentidos contrários. No caso da corrente submarina a velocidade atinge 100 cm/seg. Uma das mais rápidas e menos conhecidas correntes do Atlântico. A interação entre a corrente submersa e o relevo submarino do ASPSP é hipótese levantada pelo estudo de simulação numérica realizado por Moacyr Araújo e Marcio Cintra. Esse fenômeno seria importante para a geração de vórtices responsáveis pela troca de nutrientes e de plâncton.

No capítulo final, Fábio Hazin pede novos estudos para todo o conjunto de áreas pesquisas e destaca a necessidade monitoramentos continuados, em especial o fundeamento de correntógrafos para melhor compreender a influência da corrente submersa no ambiente.

No fundo do mar


Biodiversidade encontrada em diferentes profundidades.

A pesquisa de Fernanda Maria Duarte do Amaral e mais 14 estudiosos criaram o capítulo dedicado à distribuição dos invertebrados bentônico infralitorais, que estratifica o ecossistema marinho em ASPSP por faixas de profundidades. Os zoantídeos são comuns nas menores profundidades e, à medida que se distancia 20m da superfície, as esponjas, tunicados, moluscos bivalves e corais escleractíneos são mais frequentes. Os corais são mais predominantes em profundidades superiores a 35m, quando aumentam a quantidade de colônias. A fauna endêmica apresenta pouca afinidade com outras ilhas tropicais do Atlântico.

Endemismo é palavra recorrente no volume sobre dez anos de pesquisas no ASPSP. No trabalho de Moraes, sobre as esponjas está lá que o grau de endemismo é de 11,5%, com 26 espécies identificadas, das quais nada menos do que sete como novidades para a ciência. A pesquisa ressalta a importância para o patrimônio genético brasileiro que essas espécies de esponjas representam, que poderão no futuro apoiar importantes avanços biotecnológicos.

As possibilidades econômicas que as pesquisas sobre as toxinas das anêmonas-do-mar do ASPSP estão no capítulo 18 que trata do potencial biotecnológico e farmacêutico. Os pesquisadores José Carlos de Freitas e André Junqueira Zaharenko destacam para a possibilidade de se obter peptídeos a partir da anêmona-do-mar que podem se tornar ferramentas farmacológicas ou protótipos no desenvolvimento de moléculas-líder no desenho de fármacos.

Peçonhentos e peixes voadores

Falta de atenção nacional às importantes descobertas no campo dos animais peçonhentos entre brasileiros é lembrada por Fábio Hazin, no capítulo conclusivo do livro. Hazin recorda que o isolamento da substância captorpril de animais peçonhentos foi feito por cientistas brasileiros. A substância foi patenteada pela multinacional Bristol-Myers-Squib sob o nome comercial de Capoten, indicado no tratamento de alguns casos de hipertensão arterial. “Para se ter uma idéia do potencial econômico de pesquisas nessa área, estimativas indicam que a patente do Capoten gera cerca de US$ 5 bilhões/ ano”, destaca o diretor do departamento de Pesca e Aquicutura da UFRPE.

Riqueza e biodiversidade são termos fáceis de encontrar nas pesquisas realizadas. No capítulo sobre os moluscos, fora os cefalópodes, foram identificados 26 novas ocorrências e 19 inéditas para a ciência. Em relação aos cefalópodes, o capítulo dedicado a lulas e aos polvos apresenta uma nova espécie do inteligente invertebrado, o Octopus insularias. Ela é relatada por Tatiana Silva Leite e quatro colegas pesquisadores como a mais abundante das ilhas oceânicas do nordeste do Brasil.

A vida do caranguejo Grapsus grapsus e das lagostas da espécie P. echinatus foram detalhadamente estudados. No caso da lagosta, predominante nas ilhas, o tamanho dos indivíduos se mostrou igual a 13,5 cm, bem maior do que o tamanho estimado para exemplares capturados na costa nordeste do Brasil, igual a 7,6 cm.

Os autores Rosangela Lessa e Teodoro Vaske-Jr identificaram 123 taxa de peixes, sendo 70 pelágicas e 53 recifais no trabalho sobre a ictiofauna com ênfase nos peixes-voadores. Quatorze são elasmobrânquios (dez tubarões e quatro raias). No texto sobre peixes recifais de Carlos Ferreira e onze pesquisadores foram anotados 60 espécies de peixes recifais, das quais cinco endêmicas, representando um alto grau de endemismo (8,3%) inferior apenas, no Oceano Atlântico, às Ilhas de Ascensão e Santa Helena – em áreas muito mais extensas.

Pesquisa de Lessa e Vaske Jr mostram que cinco espécies de peixe-voador são regularmente capturadas no ASPSP, nos meses de março, abril, novembro e dezembro, época do pico de desova, mesmo período da desova do G.grapsus. A concentração de ovas de peixe-voador no ASPSP tem relação com o ciclo migratório e reprodutivo de várias espécies, que se alimentam dos mesmos, como a albacora-laje. Outro trabalho reporta que grandes peixes pelágicos concentrados no entorno dos rochedos são juvenis, de forma que o ASPSP é utilizado como zona de alimentação e não de reprodução. Durante sua migração em direção à costa africana, a albacora-laje concentra-se no entorno do ASPSP para alimentar-se dos peixes-voadores. Outra espécie a se servir do peixe-voador é a cavala impigem, que também aproveita sua passagem por ASPSP para reprodução. Seu ciclo reprodutivo aparentemente está sincronizado com a abundância de peixe-voador. O tamanho da cavala impigem, como no caso das lagostas, apresenta diferença notáveis em relação às que estão próximas do continente.

Como já foi dito, entre os grandes exemplares da fauna de ASPSP, destaque para o maior peixe do mundo, o tubarão-baleia. Ele é considerado um grande filtrador e se alimenta de zooplâncton, incluindo ovos e larvas de peixes e invertebrados. Também foram observados tubarão-lombo-preto, tubarão azul, tubarão martelo, tubarão cavala, raia-manta e, entre os mamíferos aquáticos, destaca-se o golfinho-nariz-de-garrafa, com população residente no arquipélago e foto-identificados 19 indivíduos. Terra, ar, mar, a natureza em suas mais diferentes formas e a riqueza de informações que esses dez anos trabalho obtiveram está ao alcance de todos os interessados. A Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da Marinha do Brasil mantém o livro inteiro disponível em PDF na página, além de outros volumes resultado das parcerias desenvolvidas pela força com pesquisadores de diferentes áreas no país.

Além do trabalho de biólogos, geólogos, engenheiros de pesca e meteorologista, o livro também trata dos avanços em relação da construção da base científica, uma estrutura habitável com água potável, energia limpa e comunicação em um dos lugares mais inóspitos do país.

A conclusão do professor Fábio Hazin, ao fim do último capítulo, aponta para as necessidades do futuro desse vínculo já estabelecido entre militares e pesquisadores. É algo que, em linguagem informal, poderia ser resumido da forma que os últimos 10 anos foram bons, mas que é necessário mais recursos para os próximos anos serem melhores. Hazin quer assegurar “a transição de um programa de pesquisas pontuais, para um monitoramento integrado do ecossistema do ASPSP. Entre os principais investimentos está o financimeamento de correntógrafos/ CTDs, em diferentes pontos e profundidades no entorno do arquipélago, e a viabilização de um meio flutuante que permita a realização regular e contínua de coletas de água, fito e zooplâncton”, escreveu.

Serviço
Comissão Interministerial para os Recursos do Mar

 O Arquipélago de São Pedro e São Paulo: 10 anos de estação científica

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