Em 2010, as cenas de encalhes e mortes de baleias foram veiculadas em rede nacional e o esforço de salvar o maior mamífero dos mares quase sempre foi em vão. Quem convive e estuda com as baleias pôde comemorar um resgate bem sucedido lá no ano 2000, quando na praia de Ubatuba, litoral de São Paulo, um indivíduo da espécie jubarte foi devolvida ao mar, com vida. Oito anos depois, parece que ela lembrou-se das águas que lhe deram a vida de volta e foi vista no litoral da Bahia. O fato é inédito na costa brasileira e revela a importância que tem todo o sacrifício que se faz para desencalhar as baleias que ficam presas em nossas praias.
Acostumado a disponibilizar seu tempo no resgate das jubartes, o médico-veterinário, Milton Marcondes, do Instituto Baleia Jubarte, falou ao ECO com entusiasmo sobre essa notícia boa em meio a uma temporada atípica de muitos encalhes. “Devolver uma baleia para o mar com vida é sempre muito difícil. Mas essa baleia de Ubatuba é o primeiro caso que a gente confirmou que o animal sobreviveu ao resgate e continuou viva por oito anos pelo menos. Era um macho que, em 2008, em Caravelas, na Bahia, foi visto num grupo competitivo, que são vários machos disputando uma fêmea. Ou seja, a baleia voltou para o ambiente dela e para a sua função biológica”, comemora.
A descoberta de que a baleia vista na Bahia era a mesma desencalhada viva em São Paulo só foi possível graças a uma parceria entre o IBJ e o Laboratório de Biologia Genômica e Molecular, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Todos os anos de julho a novembro, estima-se que 9 mil cetáceos visitam nossa costa em busca de águas mais quentes para acasalar e dar a luz aos seus filhotes. Do litoral sul da Bahia ao norte do Espírito Santo o monitoramento fica por conta dos pesquisadores do IBJ. Eles recolhem amostras da pele dos animais e fazem fotos da cauda, que é diferente de um indivíduo para o outro. Encerrada a temporada, todo o material recolhido é enviado à universidade gaúcha para análise. “Recebemos várias amostras e a partir delas extraímos o DNA para identificar esses indivíduos, como se fosse um teste de paternidade. Essas informações ficam catalogadas e neste caso fizemos uma comparação dos dados já existentes e descobrimos que os dados genéticos do indivíduo encontrado encalhado, em 2000, eram os mesmos do que voltou em 2008”, explica a pesquisadora Ana Lúcia Cypriano de Souza, que justificou a descoberta só ter sido revelada agora pela quantidade grande de material para ser analisado.
Neste novembro comemoram-se os dez anos do resgate bem sucedido da baleia jubarte encalhada, em Ubatuba. E a memória do oceanógrafo e diretor do Aquário de Ubatuba, Hugo Gallo, não esquece a operação de salvamento, hoje, reconhecida como bem sucedida. “Estávamos na Praia do Bonete, um local de difícil acesso que só se chega de trilha ou de barco. O animal tinha encalhado de madrugada e nós chegamos às 10 horas da manhã para começar a agir. No horário previsto do enchimento da maré, às 17h, conseguimos que a baleia flutuasse. Quando ela percebeu que estava boiando, fez força e conseguiu voltar ao mar. Foram sete horas de trabalhos, em que várias instituições participaram e no final quase 200 pessoas acompanharam de perto o resgate. Ficamos muito felizes de receber a notícia de que o nosso esforço não foi em vão”, lembra ele que foi o coordenador dos trabalhos à época.
Apesar do êxito, Hugo acredita que no Brasil ainda são poucos os investimentos destinados às operações de resgate e também nos projetos que trabalham na conservação dos ambientes marinhos. “Nosso país ainda está acordando para o cuidado do seu mar territorial. Ainda faltam investimentos e capacitação das pessoas para que ações como esta possam reverter-se em melhoria para a natureza”, critica ele.
Dos outros casos de sucesso na volta das baleias vivas para o mar, não se tem notícias do animal. Uma sobrevivente estava na praia de Saquarema, no Rio de Janeiro, em 1991. E a outra, recuperou-se do encalhe nas areias de Florianópolis, em 1998. Na temporada 2010, já foram registrados 95 encalhes da espécie jubarte, sendo que apenas nove estavam vivas e uma só conseguiu ser devolvida ao mar.
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