Brasília – Assessorado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o Ibama teve que realizar verdadeira manobra jurídica para garantir a legalidade da licença de instalação parcial da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). A reportagem de ((o))eco finalmente teve acesso ao processo nº 02001.001848/2006-75 do Ibama, que reúne todos os documentos envolvendo o pedido de licenciamento feito pelo consórcio Norte Energia. Em um último parecer, emitido no dia 21 de janeiro, os técnicos do órgão ambiental indicaram claramente que condicionantes não estavam sendo cumpridas. Esse documento não está disponível no sistema de informações do Ibama na internet, o Sislic.
Os últimos pareceres do processo (Nota Técnica nº 51/2010, emitida em 10 de dezembro; e Nota Técnica nº 08/2011, de 21 de janeiro) apontam que das 40 condicionantes específicas impostas pela Licença Prévia 342/2010, cinco não foram atendidas ou apenas parcialmente, oito estão “em atendimento”, apenas três foram plenamente atendidas e as demais não são exigência para esta fase das instalações.
Veja aqui relação completa das condicionantes não ou parcialmente cumpridas
A licença parcial foi requerida pela Norte Energia em outubro de 2010. Por conta de questionamentos quanto à “regularidade de se autorizar a instalação do empreendimento por etapas”, feito por parte do MPF do Pará, o Ibama emitiu ofício à AGU requisitando informações sobre respaldo jurídico. Em resposta, o Procurador Federal Bernardo Monteiro Ferraz opinou pela legitimidade da emissão, alegando que inexiste ato normativo que obrigue a emitir licença de instalação única, válida para toda a instalação da obra.
Porém no mesmo ofício, o procurador alerta que a licença é válida desde que não acarrete em risco de ampliação de prejuízo ou dano ambiental, e desde que respeitados os termos da Resolução Conama nº 237/97, que afirma: “o licenciamento ambiental é composto de três etapas, sendo cada uma delas necessariamente precedida pela superação da anterior”. Os próprio técnicos do Ibama indicam que as condições da licença prévia não foram ‘superadas’.
Ações do MPF/PA na Justiça
Citados pelo MPF do Pará nas recomendações e ofícios, pareceres técnicos de servidores da Funai também denunciam a irregularidade de uma licença provisória. O ofício de recomendação nº 05/2010, entregue ao então presidente, Abelardo Bayma, em novembro, pela Procuradoria Geral do Pará; bem como a ação judicial movida nesta quinta-feira (27), reafirmam que “não existe no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da licença parcial de instalação (ou qualquer outro instrumento com outro nome) que permita que se inicie a implementação de um empreendimento com impactos de grandeza regional ou nacional em caráter precário”.
O procurador da República Felício Pontes Jr., que assina a ação civil juntamente com outros procuradores, afirmou em nota que a situação descrita nos pareceres técnicos “evidencia que o processo de cumprimento das condicionantes está em um estágio inicial que não permitia a concessão da licença”. A ação ajuizada nesta quinta-feira é a décima proposta pelo MPF contra irregularidades no projeto de Belo Monte. A Justiça Federal ainda não se pronunciou definitivamente em relação a qualquer dessas ações.
Processo nº 968-19.2011.4.01.3900 – 9º Vara Federal em Belém – acompanhe o trâmite processual
Mais condicionantes por cumprir
Além das condicionantes previstas na LP, o próprio documento que concede a Licença, bem como a Autorização para Supressão de Vegetação, assinado pelo presidente substituto do instituto, Américo Tunes (ironicamente ex-diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas), impõe o cumprimento de mais 15 condicionantes referentes ao Projeto Básico Ambiental (PBA) das instalações iniciais requeridas – implantação de trecho novo do “Travessão 27” e melhorias no trecho já existente; realização de terraplanagem e instalação de estruturas de canteiro de obras nos sítios Pimental e Belo Monte; e a instalação da Linha de Transmissão 69 kW, que não foi concedida.
Dentre as condições impostas consta a implementação de programas socioambientais de saneamento, educação, saúde e segurança em cinco dos municípios diretamente atingidos – Anapu, Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio e Brasil Novo. Porto de Moz, Medicilância, Gurupá, Placas, Uruará e Pacajá, no entanto, também foram municípios definidos pela Eletronorte como área de abrangência da hidrelétrica, mas não terão assistência neste momento.
Nas últimas folhas anexas ao processo constam também os boletos bancários referentes ao pagamento da Licença, e os comprovantes de pagamento imediato pela Norte Energia. Um dos boletos é no valor de R$241,5 mil, relativos somente à análise de viabilidade feita pelo Ibama. O outro, no valor de R$44,8 mil, é o preço para emissão da LI. O total de R$286,3 mil foi pago ao Guia de Recolhimento da União no dia 26 de janeiro.
Deficiências constatadas nos pareceres técnicos
Segundo o último parecer técnico do Ibama, de análise do PBA para as instalações iniciais, “os canteiros industriais previstos , as áreas de estoque de solo e madeira, e as obras no Travessão nem mesmo são citadas no cronograma”. Além disso, os modelos de recuperação do Programa de Áreas Degradadas, da forma como proposto, ainda precisam de ajustes significativos, pois “apresentam baixa eficácia ecológica (…), além de altos custos de implantação”. Considerando o exposto, é proposta a modificação geral do projeto.
Outros programas também apresentam carências e alguns inclusive são considerados inadequados, necessitando de revisão total. Sobre o Programa de Acompanhamento Social, o parecer apresenta preocupação quanto à intenção de encaminhar os migrantes aos serviços da rede pública, sobrecarregando-os, por isso se faz necessária e urgente as instalações básicas de saúde, educação e saneamento. Quanto aos Aspectos Socioeconômicos, “da forma como apresentado, não compreende a proposta para as instalações iniciais”.
As comunidades próximas à área se dizem contrárias ao licenciamento e à forma como o processo foi conduzido. Em nota de repúdio emitida na quinta (27), o Movimento Xingu Vivo para Sempre defende sua posição: “O Ibama afirma que se reuniu com “organizações da sociedade civil da região”, mencionando nossos nomes. Nestas reuniões, deixamos claro o que pensamos da usina. Deixamos claro que não queremos seu lixo, seus tratores, sua poluição, sua violência, sua exploração, seu trabalho escravo, suas doenças, sua prostituição, suas poças de água podre e seu desmatamento nos nossos quintais (ou naquilo que nos restará de nossas terras e não nos for roubado pelo governo).”
Veja nota do Movimento Xingu Vivo para Sempre
Manobras de interesse político
A comunicação da Norte Energia com as Prefeituras também está registrada no calhamaço de documentos do Ibama, Em ofício emitido em 06 de dezembro ao prefeito municipal de Vitória do Xingu, Liberalino Ribeiro Neto, o diretor socioambiental da empresa, Antônio Raimundo Coimbra, afirma: “entendemos a dimensão dos impactos socioambientais que advirão com a implantação do empreendimento, mas esclarecemos que tais impactos não acontecerão repentinamente, e nem todos os descritos nos exaustivos estudos ambientais ocorrem de uma só vez”. O diretor entende também que a responsabilidade das ações emergenciais solicitadas é de “políticas públicas que devem ser tratadas por diferentes esferas do poder instituído”; não por eles.
No mesmo documento, a Norte Energia solicita ainda que seja mantido o acordo anteriormente assinado (antes das solicitações e recomendações da Prefeitura), e a anuência do prefeito para a emissão da LI. E para garantia de que haja um “entendimento”, um representante desempenhado foi encaminhado à região na semana seguinte (13/12), para procurar o prefeito e “dar continuidade das tratativas”.
O que exatamente foram essas “tratativas” não se sabe, já que nenhuma das solicitações foi até agora atendida.
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