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Será que o ceticismo climático é largamente um fenômeno anglo-saxão?

Um novo estudo mostra que os céticos climáticos aparecem com bem mais evidência na mídia inglesa e americana do que em outros países.

Guardian Environment Network ·
14 de novembro de 2011 · 13 anos atrás
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Leo Hickman

Uma banca em Moscou vende jornais e revistas internacionais. Foto: Natalia Kolesnikova/AFP/Getty Images
Uma banca em Moscou vende jornais e revistas internacionais. Foto: Natalia Kolesnikova/AFP/Getty Images
Durante uma viagem à Itália, há alguns meses, perguntei a um jornalista local se as visões dos céticos climáticos conseguiam uma difusão substancial na mídia italiana. Minha pergunta foi recebida com um ar de leve surpresa, seguido de um pedido de explicação sobre o que eu queria dizer com o termo “ceticismo climático”. As expressões faciais me mostraram que esse era um conceito estranho a eles.

O resultado corroborava uma suspeita que, fazia tempo, eu acreditava ter substância: o ceticismo climático é predominantemente um fenômeno Anglo-Saxão. Ou, melhor, é um fenômeno que tende a ser mais amplificado nos veículos de língua inglesa espalhados pelo mundo – particularmente nos EUA, Reino Unido e Austrália – do que em outras línguas ou países.

Até agora, não existia nada além de suposição que amparasse a teoria. Mas essa hipótese está agora sobre uma base mais firme graças a um novo relatório publicado pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, localizado na universidade de Oxford, que solidifica achados semelhantes publicados no ano passado.

Em “Pólos aparte: a maneira internacional de cobrir o ceticismo climático“, um grupo de pesquisadores, liderado por James Painter, um ex-jornalista do BBC World Service, especializado em analisar como as mudanças climáticas são retratadas na mídia, conduziu um estudo comparativo sobre a prevalência das vozes dos céticos na mídia impressa do Brasil, China, França, Índia, Reino Unido e os EUA.

Mais de 3.000 artigos de pelo menos dois jornais diferentes em cada país (10 do Reino Unido) foram analisados durante dois períodos não consecutivos de três meses: de fevereiro a abril de 2007 e de meados de novembro de 2009 até meados de fevereiro de 2010. Esse último período incluiu, ambos, o encontro de Copenhague e o vazamento dos emails roubados da universidade de East Anglia. A “inclinação política” de cada jornal (exceto na China) também foi levada em consideração.

O relatório se preocupa com a importante e necessária tarefa de definir e discutir os vários tipos de ceticismo climático – algo que, em seguida, enfatiza, deveria ser mais bem caracterizado pelos jornalistas. Por exemplo, existem os “céticos quanto a tendência” (que negam que exista uma tendência de aquecimento), os “céticos quanto a atribuição” (que aceitam a tendência, mas a atribuem a causas naturais) e os “céticos sobre o impacto” (aqueles que aceitam que o ser humano causa o aquecimento, mas acreditam que o impacto será benigno ou trará benefícios).

Depois deles, existem os céticos sobre as políticas; aqueles que, por uma variedade (política ou ideológica) de razões, discordam das políticas regulatórias que estão sendo promovidas para enfrentar as mudanças climáticas; ou aqueles – de novo, por várias razões – acreditam que a ciência do clima não é confiável.

O relatório também lista quatro exemplo de céticos diferentes – Pat Michaels, Steve McIntyre, Lord Monckton e Bjørn Lomborg – para ilustrar as diferentes motivações e metodologias e os seus igualmente variados tipos de ceticismo.

No todo, o relatório (que infelizmente só é acessível a assinantes. Veja aqui o sumário executivo em pdf) realiza um ótimo trabalho de sumarizar as inclinações políticas dos céticos e dos veículos de mídia que relatam, hospedam ou rejeitam suas visões. Ele também mostra porque o florescimento do ceticismo nos EUA está ligado ao financiamento de políticos americanos, feito por grupos da indústria e a difundida prática e poder dos lobbys.

Com relação ao Reino Unido, estabelece o quão “particularmente bem-sucedida” foi a Global Warming Policy Foundation (GWPF) em divulgar a sua voz entre os dez jornais mais pesquisados do relatório, mostrando que os céticos mais citados, Lord Lawson e Benny Peiser, pertencem à instituição. (Ian Plimer, o geólogo de minas australiano, foi o quarto mais citado – provavelmente porque ele estava divulgando um livro no fim de 2009. Ele também tem relações com GWPF, assim como o economista canadense Ross McKitrick, o quinto mais citado.)

Entretanto, tudo isso nós sabíamos ou poderíamos concluir por nós mesmos. O relatório oferece uma contribuição genuína de novos insights quando compara a cobertura do ceticismo climático nos outros seis países escolhidos. Aí ele descobre, por exemplo, que o caso chamado de “Climategate” recebeu muito mais atenção no Reino Unido e nos EUA quando comparado a Brasil, China, França e Índia. E também nota que “um número maior significativo” de céticos são mencionados no Reino Unido e nos EUA comparado aos outros quatro países da amostra.

Acrescenta que foi “interessante notar que os céticos tipo (ii) – aqueles que questionam a contribuição antropogênica para o aquecimento global – foram bem mais assíduos na mídia impressa do Brasil, China, Índia e França, representando 45 das 51 vezes em que céticos foram citados ou mencionados, o equivalente a 88%. Nos países anglo-saxões, o percentual de céticos tipo (ii) foi menor (57%)”.

Outro importante contraste entre países anglo-saxões e os outros quatro foi que céticos que são políticos foram citados ou incluídos com muito mais frequência no Reino Unido e nos EUA (86%) do que no Brasil, China, Índia e França. A mídia chinesa não mencionou quaisquer políticos céticos, enquanto a mídia da Índia e do Brasil mencionaram apenas nomes estrangeiros.

O relatório conclui que um fator explica a ausência comparativa de vozes céticas na mídia do Brasil, França e Índia: não há “partidos conservadores, ou membros individuais de importância entre eles, que seguem com energia aquele tipo de ideologia conservadora que a mídia impressa (inclinada à direita) possa citar”.

Entretanto, o trabalho diz que existe o perigo de “exagerar o papel da ideologia”:

Resultados são normalmente determinados pela interação entre processos internos ou fatores dentro dos jornais (como práticas jornalísticas, cultura editorial ou influência de editores e proprietários, tanto quanto ideologia política) e fatores sociais externos (como o poder ou a presença de grupos de lobby céticos, cientistas céticos, partidos políticos céticos, ou leitores céticos que temam impostos ou contas de energia maiores). Também tem seu peso uma série de outros fatores, como o perfil energético do país, a boa representação do ceticismo na internet e a experiência direta do país com as mudanças climáticas.

Por fim, faz a observação curiosa que na França, onde, diz o relatório, todos os fatores acima tem um papel possível, também existe uma forte cultura racionalista, “pró-ciência”, a qual é “provavelmente um prisma adicional através do qual se pode avaliar a condução, por lá, das reportagens sobre mudanças climáticas”.

Os próprios autores admitem que o escopo e a extensão (amostra de países) do estudo são limitadas. Seria interessante verificar como o ceticismo climático é coberto em uma extensão maior de línguas — alemão, espanhol, japonês, italiano, árabe, para citar só algumas. (Por favor, compartilhe os seus próprios pensamentos e observações abaixo se você fala estas ou qualquer outra língua.)

O que esse estudo faz é lembrar aqueles que estão engajados no “debate climático” que – por várias razões – ele é predominantemente anglo-saxão. Uma complicada matriz de cultura, geografia e influências ideológicas levou o ceticismo climático a florescer no Reino Unido e nos EUA em comparação a outros lugares, provando mais uma vez que “A Ciência” com frequência tem apenas um papel menor.

 

 
Esse artigo foi publicado através da Guardian Environmental Network, da qual ((o))eco é membro. Leia a versão original aqui.

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