Reportagens

Campos Amazônicos – oásis de diversidade

O Eco acompanhou expedição que dará origem ao plano de manejo do Parque Nacional dos Campos Amazônicos. A série de reportagens começa numa viagem pela estrada BR-319.

Redação ((o))eco ·
12 de dezembro de 2008 · 16 anos atrás

O Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que abrange porções de três estados da região Norte, pode ser considerado um oásis da biodiversidade brasileira. Por sua formação muito característica, que engloba florestas, matas de galeria e um dos maiores enclaves de Cerrado em plena Amazônia, a região é muito heterogênea em termos ambientais e com grande potencial de endemismos. No entanto, assim como sua riqueza natural, também são grandes os fatores de pressão, como o desmatamento que, no ano de criação da unidade, em 2006, conferiram a ela o status de campeã em derrubadas entre os parques nacionais do país.

Para identificar como as milhares de espécies de fauna e flora da unidade estão sendo impactadas pelas ações humanas, entre os dias 10 e 30 de novembro passado, cerca de 30 técnicos e pesquisadores do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e instituições parceiras de todo o país foram a campo. Os dados colhidos nesta expedição científica darão origem ao plano de manejo do parque. A reportagem de O Eco acompanhou parte do percurso dos pesquisadores, em um dos trechos mais impactados da unidade e seu entorno, na porção sul do parque, onde gado, queimadas, derrubadas e outros tipos de exploração indevida tomam conta da paisagem. O resultado desta viagem virou uma série de reportagens, que serão publicadas a partir de hoje aqui, no site O Eco. (Texto segue abaixo do slideshow)

Início já devastador

Viajar pela BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), é uma experiência dolorosa para os adeptos da conservação. A paisagem, tomada por pastos novos e outros há muito tempo abertos, bois, soja e arroz, marcam o vai-e-vem da ocupação que desde a década de 1970 ocorre às margens da rodovia. Levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indica a ligação direta entre a chegada de novos moradores na região da BR e anúncios de melhorias na estrada. Em 2005, por exemplo, bastou o governo Lula declarar que os planos de revitalização da 319 estavam inseridos nas obras do PAC, para a região assistir a mais uma corrida pelas terras públicas do seu entorno, principalmente às margens dos municípios do Careiro Castanho, Beruri, Manaquiri e Borba, no Amazonas.

Mas não é preciso ir tão longe para resgatar exemplos de ordens e desmandos do poder público em relação à estrada. No final de outubro deste ano, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc suspendeu por dois meses o licenciamento da pavimentação da BR-319, sob o argumento do temor de que ocorresse no entorno da rodovia destruição semelhante à registrada na região da BR-163, onde as derrubadas cresceram 500% após o anúncio de seu asfaltamento, há mais de cinco anos. Passado o período, em 14 de novembro, seu colega do Ministério dos Transportes, Alfredo Nascimento, garantiu que a obra será concluída até 2011, graças à “agilidade” de Minc. Para Nascimento, a “sintonia” entre as pastas é bem melhor agora do que quando Marina Silva comandava as ações ambientais.

Quatro dias após a visita do Ministro dos Transportes à região, a reportagem de O Eco percorreu cerca de 200 quilômetros da BR-319 – além de outros 180 quilômetros da BR – 230, a Transamazônica -, partindo de um de seus extremos, em Porto Velho. O que se viu não poderia estar mais distante da “sintonia” entre meio ambiente e transportes propagandeada pelos amigos de Lula.

O trecho entre a capital rondoniense e a cidade de Humaitá (AM) é um dos mais impactados. Lá, o asfalto chegou ainda na época em que o então presidente Médici anunciou seu plano mirabolante de ligar os extremos do país por rodovias. Por isso, a região sempre esteve em condições de fragilidade e hoje as invasões não são o principal vetor de pressão. Seu recapeamento, que começou a ser executado pelo Exército brasileiro há cerca de seis meses, está praticamente pronto. Notícia mais que interessante para os donos das terras onde soja e arroz começam a brotar do solo. Na época da colheita, o escoamento da produção certamente será feito de forma mais rápida.

É também neste trecho da rodovia que estão duas unidades de conservação, a Estação Ecológica (Esec) de Cuniã e o recém-criado Parque Nacional (Parna) do Mapinguari, de junho deste ano. Pela estrada, no entanto, é difícil ver longos trechos protegidos. As unidades ficam a alguns quilômetros da BR e seus entornos já estão tomados por fazendas.  

Segundo Denis Helena Rivas, chefe da Esec de Cuniã, os proprietários de terras do entorno da unidade já estenderam suas propriedades o máximo que podiam. “Existem muitas propriedades que não têm título, mas têm posse, então eles foram estendendo os fundos das fazendas”, explica Rivas. No parque  de Mapinguari, no entanto, a procura por terras já começou, num exemplo claro de como as restrições desta categoria de unidade de conservação são desconhecidas pelos moradores.

Na viagem de ônibus entre Porto Velho e Humaitá, mais um exemplo de como os amazônidas – nativos ou migrantes – entendem a floresta. Ao passar por um longo trecho de pasto, onde o dorso branco dos bois se destacava no verde novo do capim, um dos passageiros exclamou sua satisfação: “Tão lindo, né?”. Não, não é lindo para os que gostariam de ver a floresta sadia. Mas na lógica da relação entre homem e floresta que existe por lá, faz sentido.

Para o próximo ano está prometido asfalto em outros 250 quilômetros da rodovia, a partir da marcação zero, saindo de Manaus. As obras também já estão em estágio avançado de execução. Faltará, ainda, um longo trecho entre os dois extremos da BR-319, justamente a maior preocupação dos ambientalistas. Em grande parte do percurso, onde os buracos da estrada de terra batida – poeira e barro nas épocas de seca e chuva, reclamam os moradores do entorno – dificultam o acesso de carros e caminhões, a floresta ainda está de pé.

Com o aumento no fluxo de pessoas e carros, será impossível calcular o impacto no que resta de mata na BR. Mas os pesquisadores já sabem dos riscos. Aumento na demanda por caça, contaminação dos rios que cortam a rodovia e correm para as bacias dos rios Purus e Madeira, surgimento da ‘espinha de peixe’ –  a abertura de várias vicinais a partir da rodovia principal, potencializando o avanço do desmatamento – e valorização das terras como vetor para especulação e ocupações irregulares são alguns destes riscos.

Segundo levantamento do Greenpeace, seis estradas vicinais ligando sedes de municípios à rodovia já estão projetadas, porém, apenas a estrada que liga Manicoré à BR-319 foi aberta, apesar de continuar intrafegável por falta de manutenção.

Para tentar frear o desmatamento na região, o governo criou, também em junho deste ano, o Parque Nacional das Nascentes do Lago Jarí, as reservas extrativistas de Ituxi e do Médio Purus, e ainda a Floresta Nacional do Iquiri, além de promover a ampliação da Floresta Nacional (Flona) de Balata-Tufari, somando 5,5 milhões de hectares. Até agora as unidades não saíram do papel. Mas o asfaltamento continua a todo vapor, cobrindo de piche o que resta de floresta.

Leia mais sobre o assunto:

Contra desmate, licenciamento parado

Rodovias na floresta

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