Reportagens

O suíço da lagosta

René Schärer deixou pra trás 31 anos de trabalho burocrático e foi morar numa vila de pescadores no Ceará. Tornou-se líder comunitário e ambientalista premiado.

Rodrigo Squizato ·
14 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Ao contrário da fama de seu país natal, a Suíça, René Schärer não é um exemplo de neutralidade. Gosta de comprar uma briga e liderar transformações. E costuma optar pelo lado bom das coisas.

René é uma das peças-chave do desenvolvimento da comunidade de pescadores da Prainha do Canto Verde. Em 1992, depois de uma carreira de 31 anos na companhia aérea Swissair – vivendo em cidades como Boston, Madri, Nova Iorque e Milão –, mudou-se para a vila, que fica a 120 quilômetros de Fortaleza. Enquanto muitos executivos que se aposentam resolvem abrir uma pousada em uma praia desconhecida, ele preferiu o caminho do voluntariado.

Havia conhecido o Ceará anos antes, ao visitar outros lugarejos do estado que ele, junto com um grupo de colegas de trabalho, resolveu ajudar durante a grave seca que atingiu o Nordeste nos anos 80. Quando foi morar na Prainha, ainda não havia luz nem asfalto por lá, e as condições de higiene eram bem piores do que aquelas encontradas hoje. Mesmo assim, resolveu ficar. Na época já tinha se separado há anos de sua primeira mulher. O anúncio do novo endereço fez com que a filha, Michelle, fosse verificar como era o local que o pai tinha escolhido para passar o resto da vida.

Formada em biologia marinha pela Universidade de Porto Rico, Michelle aprovou a nova morada. Tanto que viveu alguns anos com o pai na Prainha. Durante este período aconselhou René a ser mais moderado em suas opiniões em relação aos destinos da vila. “Às vezes, durante as assembléias da comunidade, ela tinha que pedir calma para mim”, lembra este cearense-novo, com sua voz anasalada e ainda cheia de sotaque. A pele queimada de sol, os calções e as havaianas mostram que René já está mais do que acostumado com o clima local. Mas é conversando que este senhor magro, de quase um metro e noventa, mostra o quanto sabe sobre os problemas do litoral do Ceará.

É estranho ouvir a lista de mazelas nordestinas, quando se está na Prainha de Canto Verde. A vila é uma exceção. Ali não se vê especulação imobiliária ou turismo desordenado. Problemas de saúde e de saneamento ainda existem, mas as soluções são mais avançadas do que em outros vilarejos. A batalha mais difícil é garantir o sustento dos pescadores locais, tradicionalmente baseado na pesca da lagosta. Mas o poder de mobilização e motivação de René, aliado à organização da população local, tem evitado que a comunidade embarque na canoa errada.

René aprendeu rápido sobre a cadeia produtiva de pesca, principalmente a parte artesanal, e sobre turismo comunitário. Publicou vários trabalhos dedicados a esses temas, apresentou palestras em seminários internacionais e em pouco tempo construiu um currículo invejável na área social. Além da Associação dos Amigos da Prainha do Canto Verde, ajudou a criar o Instituto Terramar, uma das mais respeitadas instituições ambientalistas do Nordeste. É líder da Fundação Avina, “fellow” da Ashoka, e membro de diversas instituições nacionais e internacionais ligadas à pesca. Isso sem falar nos prêmios que ajudou a comunidade a ganhar e que geraram recursos para investir em programas sociais na vila de pescadores.

Pelo currículo, o ritmo de trabalho parece ser o mesmo da época em que ocupou a diretoria comercial e gerência geral de escritórios da Swissair ao redor do mundo. Mas deu tempo de curtir também. Em Canto Verde, René conheceu sua segunda mulher, Marly Fernandes de Lima, e quando sobra um tempinho deixa o computador e vai tomar uma cerveja na pousada ao lado de sua casa, sempre com o telefone sem fio a tiracolo. Certas manias não são abaladas nem pelo vento constante do litoral cearense.

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