Reportagens

Alesp rejeita emendas da oposição ao PL que cede terras devolutas com 90% de desconto

Um dos pontos que as emendas buscavam alterar era a regularização por regime de condomínio; oposição diz que isso permite ultrapassar o limite de área para cessão de terras devolutas

Ramana Rech ·
24 de setembro de 2025

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) rejeitou emendas da oposição para alterar o Projeto de Lei (PL) que possibilita a regularização de imóveis em terras devolutas com 90% de desconto parcelado por até dez anos. As emendas foram rejeitadas por 55 votos contra 16 nesta terça-feira (23). No mesmo dia, o texto do projeto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

A oposição e o Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST) defendem que o PL 410/2025 favorece grandes fazendeiros e grileiros, bem como desrespeita à Constituição por tirar a prioridade de destinar terras devolutas à reforma agrária.

“O que está ocorrendo é uma tentativa de fazer uma grilagem sobre a grilagem histórica para repassar terras públicas, patrimônio do povo de São Paulo a fazendeiros”, afirma Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST. Ele avalia que o PL parte do interesse de Tarcísio de atender a base bolsonarista no estado. 

A deputada estadual Marina Helou (Rede) destaca que o PL representa um risco ao patrimônio público. “Em linhas gerais, o projeto abre caminho para a regularização de grandes áreas públicas sem as salvaguardas constitucionais e institucionais necessárias – o que pode facilitar a concentração fundiária, a alienação de terras do Estado a preços simbólicos e o enfraquecimento do controle sobre terras devolutas”, disse.

Em resposta às críticas, o governo de São Paulo destacou que está conduzindo “a maior regularização fundiária da história de São Paulo” e criando um ambiente favorável para investimentos e arrecadação estadual. Segundo a gestão de Tarcísio, todos agricultores regularizados cumprem a função social da terra. Confira a resposta completa do governo ao fim da reportagem.

PL 410/2025 é de autoria do governador de SP. Acima, Tarcísio de Freitas em solenidade na Alesp, em julho de 2023. Foto: Fernando Nascimento / Governo do Estado de São Paulo

Mas, de acordo com a oposição, o PL aprofunda problemas trazidos pela lei nº 17.557/2022, aprovada na gestão de Rodrigo Garcia e que criou o Programa Estadual de Regularização de Terras. 

De acordo com o deputado estadual Antonio Donato (PT), uma novidade trazida no PL em relação ao programa é o uso do regime de condomínio para burlar o limite de 2.500 hectares estabelecido pela Constituição para cessão de terras devolutas. Nesse caso, a terra pode ser enquadrada como condomínio, o que permitiria cada condômino titular sua propriedade com até 2.500 hectares, ainda que se trate de um mesmo imóvel.  

Com o intuito de evitar que seja ultrapassado o limite de 2.500 hectares, o governo de São Paulo afirma que as consultas serão feitas no sistema do Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis (ONR). 

De autoria do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o PL 410/2025, que altera quatro leis de regularização de terras, foi aprovado no fim de agosto. As emendas rejeitadas haviam sido propostas pelos deputados Marina Helou, Antonio Donato, Guilherme Cortez (PSOL), Carlos Giannazi (PSOL), Paula da Bancada Feminista (PSOL), Monica Seixas do Movimento Pretas (PSOL), Ediane Maria (PSOL) e Beth Sahão (PT). 

As propostas buscavam suprimir os artigos do PL considerados mais problemáticos, como a questão dos condomínios e o desconto de 90%. Mas a expectativa já era de que as mudanças não fossem aprovadas. 

A esperança, diz Antonio Donato, é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7326 de 2022, ajuizada pelo PT no Supremo Tribunal Federal (STF), que contesta o Programa Estadual de Regularização de Terras. O julgamento da ADI, que tem como relatora a ministra Cármen Lúcia, foi suspenso em novembro de 2023. Em 2024, já no governo de Tarcísio, a Alesp estendeu o prazo de adesão ao programa para até o fim de 2026. 

Com as mudanças, o trabalho de medição, demarcação e classificação da terra feito pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva (Itesp) poderá ser dispensado, caso a fundação concorde com a documentação apresentada, “o que fragiliza, ao nosso ver, a verificação de que, mesmo esses critérios fáceis de serem atendidos, estejam de fato sendo atendidos”, pontua Alberto Paulo Vásquez, da assessoria da Liderança da Bancada do PT. 

A assessoria estima que o estado deixará de arrecadar R$ 7,7 bilhões em razão dos descontos. O cálculo se baseou na expectativa de alcançar 720 mil hectares regularizados até 2026, valor que foi citado na ata do Comitê de Monitoramento do Programa de Regularização Fundiária, de 01 de novembro de 2023. Isso traria uma arrecadação de R$ 1,92 bilhão. O valor que deixaria de entrar nos cofres públicos calculado pela assessoria do PT considera um desconto médio de 80% a partir do cálculo de arrecadação.

Junto com a tramitação do PL no fim de agosto, foi aprovada uma emenda que reduz o período mínimo para negociar imóveis regularizados em terras devolutas de dez para dois anos, diz a oposição. 

Na justificativa da emenda, o documento diz que “não se mostra razoável que, mesmo após a regularização e a garantia de direito de propriedade, essas famílias ainda tenham que esperar para exercer plenamente a liberdade de negociação sobre os imóveis”. 

Gilmar Mauro, do MST, destaca que a medida prejudica a reforma agrária ao permitir a venda dos lotes de assentamentos e favorece os fazendeiros que poderão pagar 10% do valor da terra e depois vendê-la por preços maiores.

O Pontal do Paranapanema

Parte significativa das terras devolutas do estado de São Paulo estão no Pontal do Paranapanema, que historicamente tem sido palco de disputas, inclusive entre o MST e grandes fazendeiros. O Movimento tem quase 7.000 famílias assentadas em 146 mil hectares no Pontal do Paranapanema, a grande maioria delas em terras devolutas, conta Mauro. “Por isso que o Pontal se transformou numa referência de luta pela terra pela reforma agrária”, diz.

O projeto do MST é transformar as terras devolutas na região em assentamentos com reflorestamento, espaços comunitários, energia limpa e agroturismo. Mauro relata que o projeto já foi apresentado ao secretário de estado, Gilberto Kassab (PSD), e a deputados progressistas da Alesp.

O historiador Adalmir Leonidio, do Departamento de Economia e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, explica que a ocupação do Pontal ocorreu a partir de 1850 e foi marcada por grilagem de terra, extermínio de povos indígenas e destruição do meio ambiente.

Em artigo publicado na Revista Ambiente e Sociedade, Leonidio coloca que a ocupação na região ocorreu mediante “uma série de operações ilegais, invasões de terras e falsificação de títulos de propriedade” feita tanto por grandes fazendeiros quanto por pequenos posseiros. Naquela época, a Lei de Terras, aprovada em 1850, já proibia a aquisição de terras por posse, o que torna boa parte dos imóveis da região irregulares.

Leia a resposta completa do governo:

A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio da Fundação Itesp, esclarece que não procede a informação de que a regularização de terras prejudica o meio ambiente. Pelo contrário: o processo de regularização garante agilidade na incorporação de áreas ao patrimônio público dentro de Unidades de Conservação. Nesses casos, o particular firma acordo com o Estado, paga pela consolidação de seu registro imobiliário e doa a área correspondente, recebendo o crédito no programa de compensação ambiental.

É importante destacar que a regularização segue rigorosamente os requisitos estabelecidos pela Lei nº 17.557/2022, com a atuação de todos os agentes públicos responsáveis, assegurando transparência e segurança jurídica. Para evitar qualquer superação do limite legal de 2.500 hectares, as consultas são realizadas diretamente no sistema do Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).

Os trabalhos de medição, demarcação e classificação são acompanhados de perto pela Fundação Itesp, garantindo total fiscalização do processo. A redução de prazos tem como objetivo beneficiar especialmente o pequeno produtor, ampliando seu acesso ao crédito e promovendo seu desenvolvimento.

O Governo de São Paulo está conduzindo a maior regularização fundiária da história do Estado, solucionando litígios judiciais de décadas, criando um ambiente favorável ao investimento privado e fortalecendo a arrecadação estadual para ampliar políticas sociais.

Ressaltamos ainda que todos os agricultores regularizados cumprem a função social da terra e esse trabalho está transformando regiões do interior em polos de desenvolvimento sustentável e, acima de tudo, garantindo liberdade e segurança para que os produtores rurais possam produzir, gerar emprego e renda no campo.

  • Ramana Rech

    Formada em jornalismo pela ECA-USP e passou pelo Curso Estadão de Jornalismo Econômico do Estadão. Escreve sobre ciência, meio ambiente, economia e política.

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