O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou Clézio Marcos de Nardin como novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A portaria com a nomeação do pesquisador para o cargo foi publicada no Diário Oficial da União nesta sexta-feira (2).
De Nardin substitui o coronel da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, que ocupava interinamente a direção do órgão após a saída de Ricardo Galvão, em agosto de 2019, motivada por um desentendimento do pesquisador com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à divulgação de dados sobre desmatamento.
Clézio Nardin é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM- 1996), mestre (1999) e doutor (2003) em Geofísica Espacial pelo INPE. É pesquisador de carreira do Instituto desde 2004 e, até sua nomeação como novo diretor, ocupava o cargo de coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CGCEA) do órgão.
Segundo texto da plataforma Lattes, Nardin foi Gerente Geral do Programa Embrace (o centro de Previsão de Clima Espacial do Brasil), entre 2012 e 2018, e vice-diretor do International Space Environment Service (ISES), entre 2016 e 2019. Atualmente, além de coordenador do CGCEA, é também vice-presidente da Latinamerican Association of Space Geophysics (ALAGE), representante brasileiro na Equipe Inter-Programa sobre Informação, Sistemas e Serviços do Clima Espacial (IPT-SWeiSS) da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e membro do Grupo de Experts em Clima Espacial do Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior da ONU.
((o))eco conversou por telefone com De Nardin na manhã desta sexta-feira para saber como será sua atuação à frente do Instituto. Confira:
((o))eco – Ocupando o cargo de diretor, quais são seus objetivos à frente do Instituto?
Clézio De Nardin – O INPE é uma instituição muito grande e complexa, as pessoas acham que é uma instituição pequena, mas o trabalho que ele faz abrange áreas de interesse nacional, são várias frentes de atuação. O principal [objetivo] é servir o país, como a gente sempre serviu, promovendo acesso ao espaço. Mas, mais importante de tudo: pesquisa, pesquisa, pesquisa! É isso que está no nosso nome, pesquisa na área espacial, pesquisa em observação da terra, pesquisa em meteorologia, servindo o país…e tentar atender a população da melhor forma possível, através dos órgãos de direito.
Em relação à pesquisa, a AEB planeja zerar o orçamento nesta área para 2021, o que motivou, inclusive, uma Moção de Apoio ao diretor interino, na qual o senhor se colocava à disposição para atuar pela recomposição orçamentária do Instituto [Leia box abaixo]. Como diretor, o senhor pretende atuar nesse sentido?
Isso é uma atividade quase que diária de um diretor, todo diretor tem que, junto aos órgãos competentes, da forma adequada, buscar que seu instituto receba o orçamento que considera necessário, mas é óbvio que a gente tem que levar em consideração a situação do país.
O INPE tem passado uma fase bastante difícil, não só na questão orçamentária…
Não posso dizer que estou assumindo o INPE na sua melhor fase, mas estou assumindo o INPE na minha melhor fase. Eu vou dar o meu melhor pra tirar o INPE da situação que se encontra.
Em relação à reestruturação promovida pelo diretor interino, Darcton Damião, o senhor pretende manter essa nova formatação do Instituto que foi feita por ele?
Eu já falei isso na minha proposta, quando fui candidato: sim. É óbvio que fui a favor disso. Claro, se o ministro achar que precisa de pequenos ajustes, sou um funcionário público, não sou dono do INPE, eu trabalho pela organização e pelo país, então, se pequenos ajustes precisarem ser feitos, nós vamos ter que conversar com a comunidade, mas vai ser sempre de forma inclusiva.
A escolha de De Nardin pelo MCTI repercutiu na comunidade científica e nas redes.
Em nota publicada nesta sexta-feira, o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia (SindCT) disse que “A comunidade espera do novo diretor que ele se paute nos exemplos dos que o antecederam no cargo e que mire como ideal para o INPE, aquele vislumbrado pelo Dr. Fernando Mendonça nos primórdios desta caminhada: construir e fortalecer uma instituição comprometida com a excelência dos resultados nas missões que lhe são destinadas e, acima de tudo, uma instituição civil, de Estado”.
“O Inpe tem novo diretor. Que o Clezio faça um bom trabalho. Principalmente que defenda a ciência e o Instituto com coragem”, escreveu, no Twitter, a pesquisadora Lubia Vinhas, exonerada da coordenação-geral de Observação da Terra do Inpe em julho passado, após alerta de desmatamento recorde na Amazônia.
“Ele é servidor de carreira do Inpe e acho ótimo que a nomeação seja de alguém que faz parte do Inpe. Em geral, a maior parte dos diretores eram de carreira e acho que só temos a ganhar com mais uma escolha como essa”, comentou o pesquisador Gilvan Sampaio, coordenador dos estudos sobre a Amazônia no INPE.
Processo de escolha envolto em polêmicas
Nardin estava entre os nove candidatos que passaram pelo processo de seleção, para então compor a lista tríplice, que não foi divulgada pelo governo.
Além dele, eram postulantes ao cargo: Nilson Gabas Júnior, René Nardi Rezende, Gilberto Câmara Neto, Cleber Souza Corrêa, Luís Eduardo Antunes Vieira, Augusto José Pereira Filho, Victor Pellegrini Mammana, além do próprio diretor-interino, Darcton Policarpo Damião.
A presença de Damião entre os candidatos era vista com preocupação entre os servidores do INPE. Durante o processo de escolha, o diretor-interino chegou a ser acusado de vantagem indevida, ao criar uma nova estrutura no Instituto, que ficou desconhecida até meados de julho e veio a público 3 meses após a abertura do processo de seleção do novo diretor e apenas 23 dias antes da apresentação pública dos candidatos.
Um abaixo-assinado divulgado por servidores do INPE no início de julho, endereçada a membro do Comitê de Busca, externava a preocupação de que o diretor-interino poderia estar usando sua influência e acesso a documentos e planos trabalho dos diversos setores do INPE para construir sua candidatura, o que conferiria a ele uma vantagem indevida no processo.
Esta também era a preocupação do Conselho Técnico-Científico do INPE (CTC/INPE). Em carta enviada ao Comitê de Busca, também no início de julho, o CTC/INPE dizia que o desconhecimento da comunidade sobre o novo Regimento Interno do Instituto e centralização das informações sobre a reestruturação nas mãos somente do diretor interino e poucos servidores poderia causar “uma quebra na isonomia do processo”.
Segundo nota do MCTI, Damião assumirá cargo de assessor especial do ministro Marcos Pontes.
Inpe sob ataque
Além da reestruturação comandada pelo diretor-interino, o novo diretor terá que lidar com cortes significativos no orçamento. Em 2020, o orçamento destinado ao Instituto foi de cerca de R$ 118 milhões, o menor valor em 14 anos. Para 2021, estão previstos R$ 79,7 milhões, uma queda de 32,5% diante do orçamento deste ano.
O setor que Nardin coordenava será um dos mais afetados pelo corte no orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021, na qual consta repasse zero para pesquisa e desenvolvimento científico por parte da Agência Espacial Brasileira (AEB).Tanto que o pesquisador enviou, no dia 14 de agosto passado, um memorando ao diretor-interino colocando-se favorável e em apoio a ações de Damião no sentido de tentar uma recomposição orçamentária para o Instituto.
[…] não podemos trabalhar com ZERO de recursos! Isso, além de uma mensagem macambúzia que prenuncia um velório, é um ato descabido, desproporcional e imprudente, ademais de ser um sinal de desprezo completo e total pela pesquisa científica e tecnológica”, dizia o memorando, ao qual ((o))eco teve acesso.
Soma-se a esse quadro, a campanha difamatória contra o INPE que vem sendo promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por membros de seu governo desde o início do mandato.
Há menos de um mês, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que que havia algum “infiltrado” dentro do instituto fazendo “oposição” ao governo e que essa pessoa teria interesse em priorizar a divulgação de dados negativos – as informações, no entanto, são públicas e podem ser acessadas pela internet.
Mourão também já divulgou a intenção do governo em criar uma nova agencia nacional que centralizaria os dados de monitoramento via satélite. O entendimento dos pesquisadores é que a intenção seria blindar os dados gerados pelo instituto.
Além disso, o Instituto, que em 2021 completa 60 anos, já foi acusado, sem comprovação, de fornecer dados “mentirosos” e “imprecisos”. Foi ao rebater uma dessas acusações, inclusive, que o então diretor Ricardo Galvão foi exonerado, dando início a todo processo de escolha do novo diretor.
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