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Febre amarela está matando os bugios brasileiros

A febre amarela se espalhou rapidamente pelo Brasil, destruindo populações de bugios-marrons nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Shreya Dasgupta ·
29 de março de 2017 · 8 anos atrás

*Matéria originalmente publicada no site de notícias Mongabay. Tradução por Duda Menegassi

A febre amarela tem dizimado populações de bugios no Brasil. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga
A febre amarela tem dizimado populações de bugios no Brasil. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

 

  • Macacos bugios-marrons são extremamente susceptíveis à febre amarela e um surto pode causar extinções locais.
  • Estima-se que centenas de bugios marrons morreram na RPPN-FMA em razão da febre amarela.
  • Felizmente, os muriquis, espécie criticamente ameaçada de extinção (também encontrada na reserva) parecem ser menos susceptíveis à febre amarela do que os bugios.

 

A mortal febre amarela – uma doença infecciosa causada por um vírus carregado em mosquitos – se espalhou rapidamente pelo Brasil, destruindo populações de bugios-marrons (Alouatta guariba). Acredita-se que milhares de macacos morreram nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no Brasil, em decorrência da doença.

Uma das áreas mais afetadas é a Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciana Miguel Abdala (RPPN-FMA), protegida no âmbito federal e localizada em Caratinga, Minas Gerais. Uma vez lar de centenas de macacos bugios, a floresta não reverbera mais o som dos rugidos guturais do animal.

Karen Strier, professora de antropologia da Universidade de Wisconsin-Madison e uma cientista conservacionista associada ao Global Wildlife Conservation, estuda os macacos da RPPN-FMA desde 1983. Quando ela retornou à reserva em janeiro de 2017, ela descobriu que os bugios haviam desaparecido de grandes partes da floresta.

“Aparentemente essa escassez de macacos bugios aconteceu de forma muito rápida, porque alguns grupos costumam frequentar partes da floresta que normalmente nos permitem vê-los enquanto dirigimos a estrada principal que leva até a reserva. Dessa vez os dois quilômetros da estrada até a reserva e o centro de pesquisa estavam silenciosos” disse Strier por email. “Nós havíamos escutado sobre o surto de febre amarela, então estávamos prestando atenção ao menor sinal, ansiosos. Mas eu acho que é justo dizer que nenhum de nós estava realmente preparado para o silêncio que encontramos”.

 

Centenas de bugios-marrons foram mortos pelo vírus da febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga
Centenas de bugios-marrons foram mortos pelo vírus da febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

Os bugios marrons são extremamente susceptíveis à febre amarela de acordo com os pesquisadores. Um surto pode inclusive provocar extinções locais, especialmente se as populações de macacos sobreviventes foram muito pequenas para se recuperar. Em 2008, por exemplo, um surto de febre amarela matou quase todos os indivíduos de uma pequena população de bugios-marrons na Argentina.

A RPPN-FMA pode sofrer um destino parecido. O último censo em 2003 estimou em 500 indivíduos a população de bugios-marrons na floresta. Agora, somente uma pequena fração destes ainda está viva, dizem os pesquisadores. Strier e seus colegas vão fazer uma estimativa mais precisa assim que eles completarem a sua pesquisa, dentro de algumas semanas.

A velocidade com a qual o vírus está se espalhando é surpreendente, disse Sergio Mendes, professor de biologia animal na Universidade Federal do Espírito Santo.

“Eu estou muito surpreso com a velocidade com a qual o surto está avançando pela paisagem e como o vírus pode pular de um caminho da floresta para outro, ainda que eles estejam separados por centenas de metros” falou Mendes. “Também é surpreendente que está se espalhando por uma região geográfica tão vasta”.

Mas os macacos não são os culpados.

“Nós não temos respostas definitivas, mas nós acreditamos que os mosquitos contaminados possam ser carregados de uma floresta para outra através do vento”, explica Mendes. “Outra hipótese diz respeito ao papel dos humanos carregando o vírus entre florestas ainda mais distantes. A maioria dos humanos são assintomáticos para febre amarela, mas podem ter o vírus circulando no seu sangue por alguns dias. Por exemplo, se a pessoa que foi contaminada viaja de uma floresta para outra, ela pode carregar o vírus no seu sangue e, se for mordida por um mosquito da floresta, pode introduzir o vírus em uma nova área. Além disso, nós podemos transportar mosquitos contaminados de uma floresta para outra involuntariamente, dentro de nossos carros e até da nossa bagagem”.

 

Os muriquis-do-norte parecem ser menos susceptíveis à febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga.
Os muriquis-do-norte parecem ser menos susceptíveis à febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga.

“É muito importante que as pessoas entendam que os macacos não são responsáveis pela febre amarela”, adicionou Strier. “Muitos dos meus colegas estão trabalhando duro para garantir que essa mensagem será passada ao público”.

Pesquisadores como Strier e Mendes também estão preocupados com outra espécie de primata da reserva: os mono-carvoeiros ou muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Classificado como criticamente ameaçado de extinção pela Lista Vermelha da IUCN, o macaco é um dos primatas mais ameaçados do mundo. A RPPN-FMA possui cerca de 340 muriquis-do-norte, equivalente a um terço da população mundial remanescente da espécie.

Felizmente, os muriquis parecem ser menos susceptíveis à febre amarela do que os bugios. E com os bugios marrons desaparecendo da reserva, os muriquis agora ocupam uma floresta isenta de seus principais competidores.

“Nós não sabemos ainda o que isso significa para os muriquis” contou Strier. “Isto pode dar a eles mais oportunidades se significar que há mais comida disponível para eles. Ou pode representar algo problemático porque a floresta pode sofrer mudanças com a ausência de uma das principais espécies dispersoras de sementes. Essas são questões importantes que estamos tentando responder na nossa nova pesquisa”.

O surto atual está sendo considerado como o pior surto do Brasil entre humanos em décadas. Em março, havia registros oficiais de mais de 320 casos de pessoas com febre amarela, incluindo 220 mortes, de acordo com uma matéria do Washington Post. Vários outros casos ainda estão sendo investigados.

“A forma mais efetiva de prevenir mortes humanos por febre amarela é com a vacinação”, adicionou Strier. “Infelizmente, nós não possuímos um jeito de vacinar os primatas não-humanos”.

 

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