Alguns dos maiores desmatadores do país estão fechados com Jair Bolsonaro (PL). E, ao contrário do discurso de sustentabilidade no agronegócio defendido pelo presidente, sua campanha foi a que mais recebeu doações de infratores ambientais na Amazônia – até agora, somam cerca de R$ 1,3 milhão de quase 180 pessoas multadas desde 2018.
Dos 10 maiores multados que fizeram doações eleitorais, apenas dois não distribuíram recursos para Bolsonaro. Já outros desmatadores, pecuaristas da floresta e invasores de terras indígenas apostaram em si mesmos e colocaram seus próprios nomes nas urnas. Nestas eleições, 15 candidatos somam mais de R$ 30 milhões em multas ambientais aplicadas desde 2018.
Os dados são de um levantamento de ((o))eco feito a partir das prestações de contas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os autos de infração aplicados nos últimos cinco anos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O cruzamento foi atualizado pela última vez em 24 de setembro, mas pode apresentar defasagem até o dia das eleições devido ao alto fluxo de doações e multas nesta reta final de campanha.
No ranking dos candidatos infratores, quatro concentram quase dois terços do bolo de multas; o pecuarista e candidato a deputado federal Robão da Central do Boi (PSC-RO); o advogado José Lopes Junior (PL-AC), candidato ao legislativo estadual; o candidato a deputado estadual Affonso Cândido (PL-RO), que já foi vereador e prefeito de Ji-Paraná; e o deputado estadual Thiago Araújo (Cidadania-PA), que tenta sua segunda reeleição.
Pecuária “no fio do bigode”
Robsão Demonthi de Souza Moreira, mais conhecido como o Robão da Central do Boi, concorre pela primeira vez a um cargo político. Filiado ao PSC de Rondônia, o candidato acumula R$ 7,5 milhões em multas no Ibama por queimadas, desmatamento e dificultar a regeneração da vegetação nativa em Colniza, no Mato Grosso. Pelas coordenadas das multas, é possível verificar que todas ficam dentro de áreas embargadas pelo Ibama entre 2014 e 2016.
O candidato declarou à justiça eleitoral dois imóveis rurais cadastrados em Rondônia e Mato Grosso – este último é um lote de mais de 2,7 mil hectares que também fica dentro de uma área embargada pelo Ibama.
Demonthi é um dos sócios da Agropecuária Central do Boi, empresa conhecida na região pela compra e venda de gado. Em uma live realizada em junho, o empresário reconheceu que seus negócios eram feitos “no fio do bigode”, sem pedir documentação. Além disso, o pecuarista acredita que o principal pepino da região amazônica é "o entrave ambiental”, referindo-se à atual legislação sobre o tema. Apoiador de Bolsonaro e do governador rondoniense Coronel Marcos Rocha (União), ele elogiou as gestões de ambos e disse ser favorável ao armamento da população: “quem igualou os homens foi a arma”, bradou ao falar sobre criminalidade e segurança pública.
Nossa reportagem entrou em contato com o candidato. De acordo com ele, as multas do Ibama foram aplicadas por causa dos “incêndios de vizinhos”, que teriam entrado nas pastagens dele. “Eu não tenho culpa das multas, que estão em processo administrativo”, alegou Robsão Demonthi. O empresário também disse ser “totalmente contra o desmatamento” e falou que “não existe isso de comprar carne sem documentação”.
Negócio de família
Outro estreante na corrida eleitoral é o advogado José Lopes Júnior, candidato ao legislativo estadual do Acre, com R$ 6,3 milhões em multas no Ibama. Lopes acumula pelo menos 10 autuações por desmatamento, queimadas e uso de áreas embargadas para “atividades pastoris”, segundo consta nos autos de infração. A maior parte das infrações foi registrada neste ano, entre maio e agosto.
O sistema do Ibama mostra que o candidato tem oito áreas embargadas no município amazonense de Lábrea. Em uma delas, constava um terreno de 1,5 mil hectares em nome dele – atualmente, o cadastro está suspenso.
A prestação de contas na justiça eleitoral revela que José Lopes Júnior é dono de mais de 10 imóveis – apartamentos, fazendas e terrenos – além de 8.733 cabeças de gado avaliadas em R$ 5,3 milhões.
O pai do candidato é José Lopes, um dos maiores fazendeiros do Amazonas e doador de R$ 373 mil para a campanha do filho, como mostrou uma reportagem do InfoAmazonia publicada nesta semana. Com esse repasse, Lopes pai é o terceiro maior doador eleitoral com multas ambientais nas costas. Ao todo, ele acumula R$ 765 mil em multas aplicadas entre 2019 e 2021. Os dois também fizeram parte da lista suja do trabalho escravo em 2014.
Em 2019, José Lopes ficou 44 dias preso após ter sido alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF). A investigação apontou Lopes como o líder de um esquema de fraudes que resultou no desvio de R$ 104 milhões da saúde pública amazonense. Atualmente, ele responde ao processo em liberdade, monitorado por tornozeleira eletrônica.
Embora seja candidato a deputado estadual, José Lopes Júnior ressalta em seu material de campanha a importância de “ter uma bancada federal forte, unida em Brasília” e de “reduzir a burocracia” para os produtores rurais. Ele também é um grande apoiador da família Bolsonaro. Nesta eleição, o advogado fez uma generosa doação de R$ 500 mil para sua colega de partido Marcia Bittar, que concorre ao Senado no Acre.
Os veteranos
Em 3º e 4º lugar do ranking de candidatos multados, estão duas figuras mais acostumadas com a vida pública: o ex-vereador, ex-prefeito e ex-presidente da Câmara de Ji-Paraná Affonso Cândido (PL-RO) e deputado estadual, Thiago Araújo (Cidadania-PA), eleito nas duas últimas eleições gerais.
Cândido também tem infrações ambientais no município de Lábrea, no Amazonas: são R$ 3,4 milhões em multas do Ibama por desmatamento, atividade agropecuária em área embargada e impedir a regeneração da vegetação nativa. Em 2017 e 2019, o órgão ambiental determinou o embargo de duas áreas de 720 hectares e 113 hectares em nome de Cândido. O local fica praticamente encostado na borda do Parque Nacional de Mapinguari, uma unidade de proteção integral que tem o dobro do tamanho da região metropolitana de São Paulo.
Em seu site, o candidato rondoniense se apresenta como um homem “de direita, cristão, defensor da família e da liberdade”. Além disso, ressalta o fato de ser neto do empresário Toninho da Mabel, e comemora os feitos de sua gestão meteórica de 96 dias à frente da prefeitura de Ji-Paraná em 2020, cargo que assumiu depois que o prefeito foi preso pela Polícia Federal.
Questionada sobre as multas ambientais, a assessoria de Affonso Cândido respondeu que a propriedade desmatada foi vendida e não pertence mais ao candidato. Mesmo assim, o embargo da área no Ibama segue no nome dele.
Já o deputado Araújo se apresenta nas redes sociais como um “jovem ficha limpa”, sem processos ou condenações na justiça. Em 2020, ele gravou um vídeo para explicar sua principal bandeira em relação ao agronegócio: “a regularização fundiária, com terras documentadas, para que o Pará seja cada vez mais produtivo”. Ao contrário dos outros candidatos à frente no ranking de infratores ambientais, Araújo não ostenta vínculos diretos com o setor pecuarista e não apoia publicamente o presidente Jair Bolsonaro – embora também não critique abertamente a gestão federal.
O tom é mais polido que o dos colegas. Mas ele foi autuado no fim de agosto, em plena campanha, por desmatamento em uma reserva extrativista no litoral do Pará. O parlamentar acumula R$ 2,4 milhões em multas ambientais e, em 2021, foi alvo de um embargo do Ibama no município de Magalhães Barata.
Nossa reportagem procurou Thiago Araújo e José Lopes Júnior, mas nenhum deles respondeu às nossas tentativas de contato. O espaço segue aberto.
Desmatadores fechados com Bolsonaro
Os dados analisados mostram que não é exatamente o “agro sustentável” que está do lado do Executivo federal: cerca de 180 infratores ambientais na Amazônia Legal são doadores eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Desses, pelo menos 122 entraram na onda do “Pix de R$ 1”, uma iniciativa espontânea de grupos bolsonaristas que virou uma dor de cabeça contábil para a campanha.
Os valores das doações eleitorais não correspondem, em alguns casos, ao tamanho das multas ambientais. Um exemplo é o do pecuarista Celso Gomes dos Santos, o maior doador multado pelo Ibama desta eleição: ele despejou meio milhão de reais na campanha de Bolsonaro e gravou um vídeo em apoio ao presidente.
“Nunca mais a esquerda vai pegar esse país. Esse homem foi Deus que colocou para governar essa nação. Nós somos os maiores exportadores de carne e de grãos do mundo”, bradou o fazendeiro, conhecido como Celso Bala. Ele também doou R$ 400 mil para o deputado estadual Ondanir Bortolini (PSD-MT), que concorre à reeleição. Por outro lado, as infrações ambientais de Santos – relacionadas às queimadas na fazenda dele no Mato Grosso e ao armazenamento inadequado de agrotóxicos – somam R$ 226 mil.
É o caso oposto dos autuados por desmatamento; Rafael Mirando da Silva, Adilson Lacerda e Douglas Pereira Neves. Juntos, eles somam R$ 76 milhões em multas ambientais por desmatamento de milhares de hectares de floresta no Pará e no Amazonas, descumprimento de embargos do Ibama e impedimento de regeneração natural da selva. Já as doações somadas dos três – todas destinadas à Jair Bolsonaro – ultrapassam o R$ 1 mil.
Nos últimos quatro anos, alimentado por um governo ambientalmente irresponsável, o desmatamento na Amazônia atingiu picos históricos e o país perdeu uma área de floresta superior ao estado de Alagoas. O desmonte das políticas ambientais, o aparelhamento de órgãos de fiscalização e a perseguição a servidores do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foram as medidas que abriram a porteira para que os infratores ambientais efetivamente “passassem a boiada” – como bem resumiu o ex-ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por extração e venda ilegal de madeira.
Sustentabilidade real
A destruição da floresta está intimamente ligada à expansão do agronegócio, tanto no Brasil quanto em outros países tropicais. É o que sugere um estudo publicado em setembro na revista Science: aproximadamente 90% do desmatamento nas regiões tropicais é provocado pela agropecuária.
Já há algumas soluções na mesa para tornar a criação de gado um pouco menos danosa à floresta: uma delas seria a adoção da pecuária intensiva, que concentra os animais em um espaço menor e faz a rotação das pastagens, para aumentar a produtividade e evitar a necessidade de novas áreas de pasto.
“Mas a pecuária intensiva ainda não é uma alternativa economicamente interessante para pequenos produtores”, observa Camila Trigueiro, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Outras opções, diz a cientista, são a concessão de incentivos a produtores que façam a recuperação do pasto e créditos para aqueles que pratiquem um índice de produtividade viável – ou seja, que tenham um número adequado de animais por hectare para justificar o uso do espaço.
Algumas iniciativas também têm tentado zerar o desmatamento na produção da carne bovina em parceria com grandes empresas do setor. Porém, essas propostas ainda esbarram na dificuldade de fiscalização da origem do gado. “No frigorífico, tem uma cadeia indireta que a gente não consegue monitorar. O fornecedor direito pode ter recebido esse gado de outro produtor e o animal pode ter passado por outras três ou quatro propriedades”, explica Trigueiro.
Enquanto cientistas e ambientalistas buscam formas de preservar a floresta e mudar a relação dos produtores rurais com o uso do solo, outra batalha é travada no Congresso Nacional: é o chamado PL da grilagem, que promove anistia às ocupações irregulares de terras da União.
Na prática, o projeto de lei abre margem para a apropriação de terras públicas desmatadas. A proposta já foi aprovada na Câmara e atualmente tramita no Senado – e, dependendo do resultado das eleições, a pressão da bancada ruralista para que o projeto vire lei pode acontecer no possível apagar das luzes do governo Bolsonaro.
Como foi feito o levantamento:
Extraímos a planilha completa com todos autos de infração disponíveis na Biblioteca de Dados do Ibama e, em seguida, unimos as informações aos registros do sistema de Consulta de Autuações Ambientais e Embargos, que permite obter a íntegra dos CPFs dos infratores. Depois, filtramos as multas aplicadas a partir de 2018 na Amazônia Legal e cruzamos as informações com os dados de candidatos e doadores de campanha disponibilizados pelo TSE. O cruzamento final foi atualizado pela última vez em 24 de setembro de 2022.
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