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Obama e Trudeau juram proteger clima, mas abrem porta a óleo no Ártico

Líderes dos dois países prometeram implementar Acordo de Paris, ao mesmo tempo que deixaram aberto caminho para a exploração de petróleo no pólo norte.

Claudio Angelo ·
11 de março de 2016 · 8 anos atrás
Foto: Art Sturdevant/Flickr
Foto: Art Sturdevant/Flickr

Um é o recém-chegado que traz a seu país a esperança de um governo progressista após uma década. O outro está para sair e quer deixar de legado nada menos do que a salvação da humanidade. O premiê canadense Justin Trudeau e o presidente americano Barack Obama se reuniram nesta quinta-feira em Washington e fizeram juras solenes de proteção ao clima: prometeram desempenhar um “papel de liderança na economia do baixo carbono” e implementar o Acordo de Paris. Anunciaram uma meta concreta de reduzir as emissões de metano em até 45% em 2025 em relação a 2012 no setor de óleo e gás – criticamente importante para a economia dos dois países. Mas deixaram a porta aberta para a exploração de petróleo, das rotas de navegação e da pesca na bacia do Oceano Ártico, possibilidades colocadas justamente pelo aquecimento global.

A visita de Trudeau, do Partido Liberal, marca um realinhamento entre Ontario e Washington, que vinham separadas na questão climática desde a eleição de Obama, em 2008. Naquela época, o premiê canadense era o conservador Stephen Harper, um negacionista das mudanças climáticas que tirou o Canadá do Protocolo de Kyoto e investiu pesadamente na exploração do petróleo ultra-poluente das areias betuminosas da Província de Alberta (oeste do Canadá).

EUA e Canadá têm forte integração econômica e energética. O Canadá é o principal fornecedor de petróleo para os EUA, e negocia no mesmo bloco que o vizinho na Convenção do Clima da ONU. Ambos os países foram considerados vilões climáticos durante décadas, e sua união no tema aumenta consideravelmente as chances de sucesso da implementação do Acordo de Paris.

“O presidente Barack Obama e o primeiro-ministro Justin Trudeau compartilham uma visão de uma economia norte-americana próspera e sustentável, e das oportunidades proporcionadas pelo crescimento limpo”, afirmou o comunicado conjunto divulgado pela Casa Branca após a visita.

Além de se comprometerem a implementar o Acordo de Paris e a “se juntar e assinar” o tratado “o quanto antes” (o termo “ratificação”, ou seja, aprovação pelo Parlamento, é palavrão nos EUA, cujo Senado jamais ratificaria um acordo internacional desse tipo), americanos e canadenses prometeram “encorajar” a adoção de estratégias de baixo carbono de longo prazo entre os países do G20.

Isso tem impactos diretos sobre o Brasil, que tem se fingido de surdo a respeito de uma estratégia de baixo carbono – uma provisão do Acordo de Paris para que todos os países tracem planos consistentes que mostrem como eles pretendem descarbonizar suas economias nas próximas décadas.

Os dois líderes também anunciaram uma estratégia para reduzir as emissões de metano, algo que pode ter um impacto significativo no clima e ajudar o mundo a ganhar tempo para cumprir a meta de estabilizar o aquecimento global em menos de 2oC, como prega o Acordo de Paris.

O metano é um gás 21 vezes mais potente que o CO2 para esquentar a Terra, mas ele tem um tempo de vida curto na atmosfera: apenas alguns anos, contra mais de um século do CO2. Reduzir as emissões de metano drasticamente poderia refrear o aumento da temperatura global enquanto a ambição coletiva das metas de Paris de corte de CO2 for insuficiente para dar conta do recado.

Os EUA têm um problema crescente de emissões de metano no setor de gás natural. Alguns estudos mostram que a extração de gás de folhelho, o combustível que permitiu aos EUA reduzir emissões de carbono do setor de energia pela primeira vez na história, libera tanto metano que, no balanço geral, o gás seria quase tão perigoso para o clima quanto o carvão.

Foto: The White House/Instagram
Foto: The White House/Instagram

O trecho da declaração dedicado ao Ártico – uma região que perfaz metade do território canadense e a maior parte do Alasca –, porém, é cheio de entrelinhas. Os dois países reconhecem que a zona polar está “na linha de frente da mudança climática” e juram “incorporar a ciência indígena e o conhecimento tradicional” ao processo decisório de “modelo de liderança compartilhada” que propõem para a região.Obama anunciou que a EPA (Agência de Proteção Ambiental) começará a desenvolver regulações sobre as fontes de metano no setor de óleo e gás. Já no mês que vem, segundo o comunicado conjunto, a EPA começará a exigir das empresas informações que permitam fixar parâmetros de emissão. Trudeau anunciou que o Canadá fará o mesmo. Os dois prometeram também reforçar o controle de emissões para veículos pesados e trabalhar em conjunto para reduzir emissões na aviação – algo que os EUA sempre se recusaram a fazer.

No entanto, Obama e Trudeau não se furtam a explorar as oportunidades econômicas abertas pelo derretimento do gelo marinho no Oceano Ártico. A chave, aqui, é a expressão “science-based”, ou “com base na ciência”, que aparece nove vezes no texto. O termo é vago o suficiente para admitir a interpretação de que, onde a ciência não disser que não pode, é porque pode. Por exemplo, quando se fala em uma abordagem “baseada em ciência” à exploração de óleo e gás.

O degelo progressivo do Ártico tem tornado regiões como o Alasca, o Atlântico canadense e a Groenlândia menos inóspitas à exploração de petróleo, já que as plataformas podem funcionar durante mais meses no ano. Nos últimos anos, ambientalistas têm-se batido contra a abertura da região à indústria dos hidrocarbonetos, argumentando que um vazamento num ecossistema tão frágil seria catastrófico. Não obstante, o governo Obama autorizou a Shell a explorar petróleo no Alasca – a empresa desistiu devido à queda nos preços.

No comunicado conjunto, Obama e Trudeau admitem que a exploração poderá acontecer, mas que ela terá de ser “baseada em ciência” e incluir “controles robustos e efetivos de poços e medidas de resposta”.

O mesmo vale para as rotas de navegação no Ártico canadense, cada vez mais propícias ao tráfego de embarcações à medida que o gelo derrete. EUA e Canadá apostam em seu estabelecimento, mas prometem que elas serão “de baixo impacto”, com manejo das emissões de fuligem dos navios e considerando as opiniões dos povos indígenas.

O novo Ártico delineado por EUA e Canadá só concede aos ambientalistas na preservação da biodiversidade: o comunicado fala em superar as metas de conservação de 10% das áreas marinhas e 17% das áreas terrestres (inscritas na Convenção da Diversidade Biológica da ONU) e em estimular a criação de uma rede de áreas protegidas – menos do que queria o Greenpeace, que propôs proteger toda a extensão do mar congelado.

Os líderes também se preocupam com a expansão da pesca no Oceano Ártico Central, que deverá estar livre de gelo no verão nas próximas décadas: Obama e Trudeau pedem um novo acordo internacional vinculante para impedir a pesca não-regulada na região. Não deixa de ser irônico: os EUA jamais ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e agiram na conferência Rio +20 para melar os esforços de proteção do oceano fora de jurisdições nacionais.

Nada como a percepção de uma ameaça no próprio quintal para mudar posições de um país.

*Este artigo foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

 

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  • Claudio Angelo

    Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a ...

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