As pegadas amarelas e pretas que sinalizam percursos em todo o país invadiram Niterói, no estado do Rio de Janeiro, para o 2º Congresso Brasileiro de Trilhas. Durante cinco dias, cerca de 3 mil pessoas passaram pelo evento, que marca a expansão das trilhas – já são mais de 10 mil quilômetros implementados no país – ao mesmo tempo em que pleiteia ferramentas para percorrer distâncias ainda maiores.
Os passos fundamentais para esse futuro foram incorporados na Carta da Guanabara, documento que ratifica os compromissos e apresenta os pleitos e propostas da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso e Conectividade. A leitura da carta marcou a cerimônia de encerramento do congresso, no último sábado (23), junto com a aprovação de moções que acrescentam outras demandas dos participantes.
Um dos principais pleitos da carta é a criação de uma política pública com diretrizes, papéis institucionais, investimentos e uma instância de governança participativa, representativa e permanente para a Rede, que inclua as três esferas de governo, a sociedade civil organizada, as comunidades locais, povos tradicionais, academia e iniciativa privada.
Além disso, um ponto central para a expansão dos caminhos da Rede Trilhas é o financiamento. “Um grande gargalo é a falta de recursos, de mecanismos para viabilizar recursos para que as coisas sejam feitas com mais eficiência e qualidade, nos processos e nas relações”, afirma a secretária-geral da Rede, Camila Bassi.
Com cinco anos desde sua criação oficial, a Rede ainda é mantida por uma equipe de voluntários. A estruturação da secretaria executiva da Rede, com uma equipe remunerada e qualificada com dedicação integral ao projeto é um passo fundamental e que deve ser dado logo, avalia Camila, para dar conta da rápida expansão das trilhas no país.
O presidente da Rede, Hugo de Castro, que também é voluntário, reforça. “O maior gargalo que eu vejo para as trilhas é a sustentabilidade financeira. Nós temos que criar mecanismos para que isso possa acontecer e parte disso está na Carta da Guanabara”, completa.
A Carta da Guanabara demanda incentivo e investimentos para implementação e manejo das trilhas; assim como mecanismos de financiamento, alocação de recursos orçamentários, captação de doações e fundos de cooperação que viabilizem a implementação e governança das trilhas; e linhas de crédito que atendam aos setores produtivos relacionados à operação e turismo dos percursos.
Além disso, o documento reforça a necessidade de um programa de educação ambiental para conduta consciente na visitação de áreas naturais; do monitoramento continuado dos impactos positivos e negativos associados à implementação e uso das trilhas; da conciliação entre as concessões de serviços e atividades de uso público em unidades de conservação e as ações voluntárias mobilizadoras; e que as trilhas em áreas protegidas e corredores ecológicos sejam incorporados ao planejamento estratégico de todos os agentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente.
“Eu acredito que a Carta da Guanabara amplia as nossas diretrizes e deixa o nosso compromisso sobre como a gente vai trabalhar nessa visão de futuro. Ela é o esteio, onde nós vamos embasar nossas relações institucionais, a consolidação de políticas públicas, principalmente da política pública nacional, e a formação da governança”, afirma a secretária-geral da Rede.
O evento contou com a participação de representantes das trilhas, de órgãos ambientais e de turismo das três esferas de governo, atores do trade turístico, trilheiros e interessados.
De Goiânia para Niterói: um ano de avanços
Um pouco mais de um ano se passou desde o 1º Congresso, realizado em Goiânia (GO). De lá para cá, as trilhas se expandiram de pouco mais de 5 mil quilômetros sinalizados para cerca de 10.500 quilômetros de caminhos já implementados no país. Seja a pé, de bicicleta ou pela água, motivado pelas paisagens, pela aventura ou até mesmo pela fé, os percursos da Rede Brasileira de Trilhas estão conectando cada vez mais o país – e as pessoas.
“Nós ficamos na vitrine em Goiânia. O poder público está entendendo o poder das trilhas. O que elas representam, o que elas podem fazer pela sociedade e pelo meio ambiente. E com isso a gente trouxe o poder público mais para perto da Rede, as trilhas mais para perto, e as trilhas cresceram muito em menos de um ano”, aponta o presidente da Rede Brasileira de Trilhas, Hugo de Castro.
O último congresso também culminou num documento aberto de compromissos e demandas, intitulado Carta dos Goyazes, que permitiu montar os pilares para desenvolver relações com várias instituições e aproximar a Rede das unidades de conservação, dos gestores e do poder público, “entendendo que as trilhas são uma ferramenta e uma potência”, reforça a secretária-geral da Rede, Camila Bassi. “O número de iniciativas aumentou, a procura por informações aumentou, a quantidade de políticas públicas estaduais e municipais aumentou… A gente percebe que tem uma grande massa envolvida com esse tema que está se aproximando cada vez mais”, completa.
A previsão da equipe da Rede é dobrar a quantidade de quilômetros sinalizados nos próximos cinco anos e chegar na marca dos 20 mil quilômetros. Os percursos identificados pelas pegadas amarelas e pretas já estão presentes em todos os biomas e regiões do país, apesar de ainda estarem concentrados nos estados do sudeste.
“O conceito das trilhas de longo curso começou no Rio de Janeiro, com a Trilha Transcarioca, e foi se espalhando rapidamente, mas ainda está muito concentrado aqui no sudeste. Temos muitas iniciativas na região sul e no centro-oeste também, mas no Norte e no Nordeste, por exemplo, ainda é incipiente. No Nordeste nós quase triplicamos as trilhas em relação ao ano passado, mas ainda falta bastante. Na Amazônia temos o desafio do acesso, mas acho que é uma questão de tempo”, explica Hugo.
Uma das moções aprovadas, apresentada pela Federação de Montanhismo e Escalada de Minas Gerais, representando a Diretoria Regional formada por todas as Trilhas de Minas e instituições colaboradoras (Caminho Saint Hilaire, Volta da Transição, Rota das Dez Cachoeira, Trilha Brigadeiro Caparaó e Trilha Transespinhaço), pede que o governo estadual elabore uma política estadual de trilhas de longo curso e o fomento à agenda no estado.
As trilhas no holofote do governo federal
Na última sexta-feira (22), as trilhas conquistaram mais um espaço de atenção no governo federal com o lançamento do 11º Boletim de Inteligência de Mercado no Turismo, com destaque para as Trilhas do Brasil. A iniciativa é um esforço conjunto entre os Ministérios do Turismo, Meio Ambiente e o ICMBio.
A publicação apresenta 27 projetos de trilhas de longo curso em cerca de 50 unidades de conservação federais, e explora as tendências do mercado de viagens e experiências.
De acordo com a última edição da pesquisa sobre a demanda turística internacional, realizada em 2019, dos 622 mil estrangeiros que visitaram o Brasil, o turismo de natureza, ecoturismo e aventura foi o principal motivo da viagem. Levantamento similar feito entre brasileiros em 2021, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre o turismo no país, revelou que essa também é a motivação para viajar de 25,6% dos entrevistados.
Leia também
Com acordos, carta aberta e sinal verde de autoridades, Congresso impulsiona agenda de trilhas
O 1º Congresso Brasileiro de Trilhas alinhou o discurso dos Ministérios do Turismo, Meio Ambiente e ICMBio em prol da agenda de trilhas de longo curso no Brasil →
Rede Brasileira de Trilhas vence prêmio internacional nos EUA
Organização brasileira é escolhida vencedora da categoria internacional do prêmio Advancing Trails, entregue pela maior organização de trilhas do mundo →
Caminho de Cora, rota pela poesia e pelos contrastes de Goiás
A trilha de longo curso resgata rotas históricas e versos da poetisa goiana para conectar Corumbá de Goiás e Cidade de Goiás, numa jornada de cerca de 300 quilômetros →
Trilhas no Brasil a meu ver o maior problema é segurança.