Incertezas tecnológicas e o custo de produção comercial de biocombustíveis de segunda geração ainda não permitem sua entrada no mercado como alternativa de energia, de acordo com estudo recente da Agência Internacional de Energia, da OECD, “Da primeira à segunda geração de biocombustíveis”.
Da primeira geração, apenas o etanol de cana de açúcar é considerado uma alternativa sustentável, economicamente viável e madura aos combustíveis fósseis. Assim mesmo, dependendo de como e onde seja produzido. O estudo aponta várias dificuldades para o uso das demais fontes de etanol e biodiesel nos países da OECD, especialmente na União Européia: milho, beterraba, palma e oleaginosas, como a soja e a canola. Elas pressionam o preço dos alimentos, por causa da competição com o uso alimentar das culturas; são caras demais, quando se considera os custos totais de produção, excluindo os subsídios e recursos governamentais a fundo perdido; contribuem pouco para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a custos muito elevados dólar/tonelada de carbono evitado (exceção, para o etanol de cana); não podem ser sempre produzidas de forma sustentável; contribuem para acelerar o desmatamento (palma/dendê direta e gravemente; cana de açúcar, moderada e indiretamente); têm impacto potencial negativo sobre a biodiversidade; são intensivas em uso de água e, em algumas regiões, competem por recursos hídricos escassos. Daí, o apelo da segunda geração, de biocombustíveis de origem celulósica.
Estudo recente da ONG Repórter Brasil sobre os agrocombustíveis confirma várias dessas desvantagens, no caso da soja brasileira. Embora as indicações mais recentes sejam de que sua contribuição ao desmatamento da Amazônia teria sido contido pelo “pacto da soja”, ela está se expandindo em outros biomas, sem o mesmo controle, especialmente nas áreas de cerrado e caatinga. O estudo mostra, também, que, embora em menor escala do que no caso da pecuária e da cana, o cultivo da soja tem sido marcado por péssimas relações de trabalho, inclusive pelo uso de trabalho escravo, no critério da Organização Internacional do Trabalho. Registra, também, casos de uso abusivo de defensivos agrícolas, excesso de uso de fertilizantes, contaminação e uso excessivo de água. O estudo apresenta um conjunto de soluções de políticas públicas e de responsabilidade corporativa privada bastante coerentes e razoáveis, para tornar a soja mais sustentável no Brasil. Ele identificou, também, um ou mais problemas de moderados a graves, nas áreas trabalhista, de pressão ecológica, uso excessivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos, nas culturas de palma/dendê, mamona e babaçu. O pinhão manso (Jatropha curcas), segundo a Repórter Brasil ainda não permite afirmações conclusivas, parece promissor, embora apresente alguns problemas que podem se avolumar em culturas de grande extensão.
Quando se analisa os dois estudos conjuntamente, a conclusão é bastante clara: a primeira geração de biocombustíveis não representa alternativa sustentável, nem sustentada – a longo prazo – para os combustíveis fósseis. A única exceção seria o etanol de cana, que poderia ser produzido em um modelo sustentável por algumas décadas. Se há algum futuro no mundo de baixo carbono para biocombustíveis, ele estaria na segunda geração. Para o Brasil, essa tendência favorável aos biocombustíveis de segunda geração só representa ameaça por causa da incapacidade do setor privado em investir em pesquisa e pela falta de apoio governamental à pesquisa e desenvolvimento de tecnologia celulósica. Essa tecnologia permitiria incrementar significativamente a produtividade da cadeia sucro-alcooleira e incorporar à produção de biocombustíveis aparas de eucalipto, de alto teor celulósico, hoje em grande medida abandonadas nas áreas de corte e que acabam contribuindo para aumentar as emissões das culturas de eucalipto.
Mas ainda há tempo, porque, mesmo nos países da UE e no EUA, a segunda geração ainda não tem seu papel no mercado energético garantido. De acordo com o estudo da AIE, ainda há muitas barreiras técnicas para sua produção em escala comercial. Também é grande a incerteza sobre os custos de produção, que variam muito dependendo da matéria prima disponível. Em média, estima-se que estaria entre US$ 0,80 e US$ 1,00 por litro equivalente de gasolina. Não há, ainda, um caminho tecnológico dominante, que se mostre o mais vantajoso entre as várias trilhas que vêm sendo seguidas no momento. Ainda será necessário desenvolver e monitorar vários projetos de demonstração em larga escala, o que demanda recursos e apoio governamental. Por isso, mesmo com os preços do petróleo elevados – não é o caso hoje, mas será no futuro passada a recessão mundial – esses biocombustíveis não estarão totalmente prontos para o mercado por vários anos ainda. O estudo conclui que, quando estiverem comercialmente comprovados, haverá uma transição firme da primeira para a segunda geração de bio-combustíveis, com exceção apenas do etanol de cana que poderá conviver com a nova geração de forma competitiva.
Os cenários da Agência Internacional de Energia (World Energy Outlook 2008-2030) contemplam uma participação modesta, da ordem de 7%, da segunda geração de biocombustíveis na oferta total de combustíveis, que entrariam no mercado por volta de 2020. O professor Ralph Sims, que pertence aos quadros da Agência e foi Coordenador e Principal Autor do capítulo sobre oferta de energia do último relatório do IPCC, apresentou, na última terça-feira, em evento paralelo na COP 14, em Posnam, na Polônia, uma visão atualizada sobre o tema. Ele subscreve, obviamente, a análise que acabo de comentar produzida por sua agência, da qual é, inclusive, um dos co-autores. Mas levanta dúvida sobre se a a melhor contribuição da biomassa para a equação energética de baixo carbono é mesmo a produção de biocombustíveis. Ele aponta vários outros usos alternativos nas áreas industrial e de captura de carbono. No seu cenário, há um papel mais importante, talvez, para o desenvolvimento de veículos movidos a células combustíveis de hidrogênio e para os carros híbridos mais avançados, usando baterias elétricas mais confiáveis, mais potentes, mais duráveis e mais eficientes. Esses carros poderiam usar biocombustíveis como fonte complementar, no lugar da gasolina fóssil de hoje, mas a eletricidade das baterias é que seria sua principal fonte de energia.
Eu, pessoalmente, tenho a impressão de que há certa subestimação do papel que a segunda geração de biocombustíveis terá na economia mundial de baixo carbono, digamos, entre 2015 e 2050. Primeiro, os projetos que estão no “duto” de P&D e de demonstração piloto provavelmente receberão fortes incentivos, como parte do esforço para sair da recessão, tanto do governo Obama, quanto de praticamente todos os governos de países europeus avançados, abreviando sua entrada no mercado para 5 ou 7 anos. Segundo, a alternativa do hidrogênio, provavelmente a base hegemônica do carro do futuro, tardará mais a entrar em escala comercial no mercado, ficando, provavelmente, para bem depois de 2030. Terceiro, o biocombustível tem a vantagem de usar a infra-estrutura dos combustíveis fósseis e a tecnologia já velha mas ainda dominante do motor a combustão, dando mais tempo para a reciclagem da indústria automobilística e da frota automotiva mundial. Isso confere aos biocombustíveis um papel estratégico como recurso de transição, sem falar em seu uso nos modais ferroviário, aquaviário, marítimo e aéreo. Desenvolvimento tecnológico futuro permitirá que, gradualmente, a mais longo prazo, seu uso na produção de combustível decline e a biomassa passe a ser mais representativa na bioindústria, substituindo a matéria-prima fóssil na indústria de materiais, polímeros e em outros usos.
De tudo isso o que se conclui é que o Brasil está fazendo uma tremenda besteira em não investir na pesquisa para ser líder na produção de biocombustíveis de segunda geração, para manter a liderança que já tem na primeira geração.
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