Fora da estufa política de Brasília, provavelmente, há poucos que conhecem o nome do chefe do poderoso lobby agrícola do Brasil, no entanto, a mulher em questão, Kátia Abreu, está rapidamente se tornando a política brasileira mais interessante, importante – e perigosa.
A senadora e fazendeira do Tocantins foi uma força influente no enfraquecimento do Código Florestal do Brasil, responsabilizado por muitos pelo recente aumento do desmatamento da Amazônia. Seu apoio – no parlamento e em uma ácida coluna de jornal – por mais estradas através da Amazônia, controle do Congresso sobre demarcação de reservas indígenas, monoculturas mais eficientes e “sementes exterminadoras” geneticamente modificadas lhe rendeu a ira dos ambientalistas, que a chamavam de “senhorita desmatamento”, “rainha da motosserra” e “Face do mal”.
Abreu, no entanto, se mantém desafiadora, e diz que se prepara para um dia disputar a presidência e quer ajudar o Brasil a superar os EUA como o maior produtor de alimentos do mundo. “Concorrer à presidência não é um plano, é destino. Estou me preparando para isso, caso esse seja o meu destino”, disse ela em uma entrevista concedida em seu escritório em Brasília. “A crítica dos ambientalistas radicais é a melhor forma de endosso. Isso me dá satisfação. Isso mostra que estou no caminho certo e fazendo o papel certo”.
Formada em psicologia, Abreu assumiu a fazenda da família depois que seu marido morreu em 1987, e se tornou a mais ferrenha defensora do agronegócio no Brasil. Ela dirige a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e lidera seu lobby político, que reivindica ter ao seu lado mais de 250 senadores e membros do Congresso.
Seu principal objetivo é aumentar a produção agrícola, a qual representa 23% da economia do Brasil, fração que continua crescendo. As safras de soja e outros produtos aumentaram nos últimos anos, colocando o país – de acordo com Abreu – a caminho de superar os EUA, mesmo sem novos desmatamentos. “Nós temos todos os elementos essenciais: água em abundância, tecnologia avançada e abundância de terra para a produção. Com essa base, podemos nos tornar o número um sem derrubar árvores”.
Sua agressiva mensagem sobre os agronegócios é sustentada por um nacionalismo do tipo abraçado à bandeira do país e que ataca qualquer grupo acusado de tentar retardar o crescimento da agricultura brasileira. Isto inclui os ambientalistas, grupos indígenas e camponeses sem terra, os quais ela alega – sem provas – trabalham para interesses estrangeiros. “Eu não tenho provas concretas disso, mas tenho uma forte impressão de que este é o caso”, disse ela.
A retórica e o estilo intransigente de Abreu lembram os de Margaret Thatcher. Quando menciono a comparação, a senadora se anima.
“Obrigado! Margaret Thatcher foi uma das maiores mentes defensora das políticas liberais. Ela construiu um conjunto de princípios que mudou o mundo. Só lamento não ter tido a oportunidade de conhecê-la”.
Como Thatcher na década de 1980, Abreu está engajada em uma luta com potencial de mudar o mundo. Enquanto a batalha da Primeira-Ministra britânica contra os mineiros na década de 1980 marcou o início de um período de divisão social e capitalismo descontrolado, o ataque de Abreu ao movimento ambientalista tem enorme potencial de causar desdobramentos para o clima global e a oferta de alimentos. Ela parece estar ganhando. À medida que a economia brasileira tornou-se mais dependente do agronegócio, a influência de seu lobby no parlamento aumentou ao ponto em que ela pode ter um peso decisivo nas vitórias ou derrotas da agenda do governo.
Abreu disse que seu sucesso foi, em parte, resultado das melhorias de estilo de vida que a indústria trouxe para o povo brasileiro. “Quarenta anos atrás, o brasileiro médio gastava 50% de sua renda em alimentos. Agora, a proporção é de cerca de 18%”.
A situação era muito diferente há uma década, quando a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, introduziu uma série de medidas que reduziram o desmatamento, e prometeu mais território para grupos indígenas e camponeses sem terra.
Abreu disse que agora a mesa virou. “Por muitos anos, o ambientalismo chegou a um ponto extremo e nós, no setor do agronegócio, fomos tratados como criminosos”, disse, mas agora “nosso setor do agronegócio pode influenciar a escolha dos reis e rainhas no Brasil. No passado, só exercíamos influência econômica. Agora temos também o poder político”.
Apoio à Dilma
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Na eleição presidencial em outubro, Abreu disse que apoiaria a atual presidente, Dilma Rousseff, que ela descreveu como “mais interessada em agricultura” do que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de estarem ostensivamente em lados opostos da divisão ideológica, Abreu disse que trabalharia com Rousseff por um preço: “Eu só quero que ela esteja disposta a entender a nossa situação, para ter uma ideia dos problemas que o setor agrícola enfrenta e ajudar a resolver esses problemas, para que possamos continuar crescendo e para que o Brasil possa chegar ao número um na produção de alimentos”.
É provável que isso signifique uma maior erosão dos direitos indígenas, leis ambientais mais fracas e menos restrições sobre sementes geneticamente modificadas — todos objetivos pelos quais o lobby de Abreu luta no Congresso.
“Não podemos descansar sobre os louros alcançados. Há muitas coisas freando o progresso: a questão ambiental, a questão indígena e outras. Mas mesmo assim continuamos obtendo altos índices de produtividade. Imagine o quão alto eles poderiam chegar sem esses obstáculos”, disse Abreu.
*Esse artigo é publicado em parceria com a Guardian Environment Network, da qual ((o))eco faz parte. A versão original (em inglês) foi publicada no site do Guardian. Tradução de Eduardo Pegurier |
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