Reportagens

O Brasil está no crédito

Empresas nacionais aderem à Bolsa de Créditos de Carbono e tornam o país o maior vendedor de ar puro em troca das emissões dos poluidores internacionais.

Gabriela Moreira ·
22 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Primeiro foi a Klabin. Agora, a Suzano Papel e Celulose também entra na Chicago Climate Exchange (CCX) com 5 milhões de toneladas em créditos de carbono e coloca o Brasil na posição de maior ofertante desse ativo no mercado, com oferta potencial entre 6 e 7 milhões de toneladas.

A CCX é uma bolsa-piloto americana criada para a negociação de créditos de carbono no período de 2003 a 2006, com o objetivo de antecipar a redução de emissões de gases do efeito estufa prevista pelo Protocolo de Kyoto. Além da Klabin e da Suzano, a Votorantim Celulose e outras companhias brasileiras estudam entrar nesse mercado, o que sinaliza o grande potencial do país em atender a crescente demanda econômico-ambiental por medidas para combater o aquecimento global.

A ratificação do Protocolo pela Rússia, formalizada no dia 15 de outubro pelo Parlamento, deve aumentar a demanda por créditos de carbono a partir de 2005. O documento estabelece que 39 países desenvolvidos reduzam, no período de 2008 a 2012, a emissão de CO2 e outros gases nocivos em 5,2% em relação aos índices registrados em 1990. ”Desde a assinatura do Protocolo, os índices sobem em progressão geométrica. Os limites devem ser reformulados e é necessário que se inclua os países em desenvolvimento, como o Brasil“, alerta Israel Klabin, presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), entidade responsável pela análise dos projetos brasileiros ofertados na CCX.

Créditos de carbono são uma espécie de moeda ambiental obtida através de projetos que têm como objetivo absorver ou reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa e das conseqüentes mudanças climáticas. Companhias que desenvolvem estas técnicas ganham o direito de vender créditos no mercado, permitindo que a redução de emissões seja viável economicamente. ”Se uma empresa tem um custo maior para reduzir suas emissões de carbono, ela pode comprar créditos de outra, que tenha um custo menor“, explica Walfredo Schindler, diretor da Fundação.

Segundo Israel Klabin, o preço do carbono no mercado tende a subir e as empresas brasileiras saem na frente, pois já têm créditos a oferecer. Hoje, a tonelada de gás carbônico está cotada em US$ 1,20. ”Fizemos reflorestamento por conta própria e estamos nos consolidando como um país não emissor (de gases poluentes), com grande capacidade de substituição de matriz energética, ofertando energia limpa”, sinaliza.

O mercado do carbono tende a se segmentar. Existem outras formas de ofertar créditos de carbono além das negociações na bolsa, como é o caso da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), uma ONG que promove o seqüestro de CO2 da atmosfera com a plantação de espécies da Floresta Atlântica em cerca de 17 mil hectares no Paraná. O projeto recebe patrocínio de empresas poluidoras norte-americanas – General Motors, Chevron Texaco e American Eletric Power – no valor total de US$ 18,4 milhões.

Luis Cornacchioni, gerente de Recursos Naturais da Suzano, acredita que o Brasil tem potencial para atrair a maior parte dos investimentos ambientais desse tipo. ”Exercemos uma vantagem competitiva em relação a outros países, especialmente pelo vasto plantio de eucalipto, que nos coloca em posição de destaque“, conta. “A oportunidade financeira também é importante, mas o interessante da CCX é o seu reforço sobre a responsabilidade sócio-ambiental”, completa.

A negociação de créditos de carbono não é, no entanto, uma panacéia para os nossos problemas ambientais. Israel Klabin chama atenção para as responsabilidades do Brasil nesse novo cenário. “Temos de gerar empregos voltados para a preservação da biodiversidade em geral, não podemos deixar de lado o desenvolvimento da ciência para pesquisas de energia e conservação das nossas florestas e precisamos intensificar o elo entre iniciativas públicas e privadas”, afirma. Para Walfredo Schindler, outro ponto que merece atenção são as queimadas da Floresta Amazônica: “Além da destruição da mata, as queimadas emitem altíssimos índices de CO2”.

Sobre esse aspecto, Klabin critica fortemente o asfaltamento da estrada Cuiabá-Santarém, que corta a Amazônia entre o Mato Grosso e o Pará. “Temos mais de 20% da biodiversidade planetária, inclusive o controle sobre a maior floresta tropical do mundo. Sob a alegação de desenvolver as exportações brasileiras, corremos o risco de acrescentar mais 5,3% aos 16% já destruídos da Amazônia”.

Relatório sobre os efeitos do aquecimento global divulgado no dia 19 de outubro pelo Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas e Desenvolvimento, uma coalizão de 17 ONGs internacionais, reforça a necessidade de inclusão dos países em desenvolvimento nas iniciativas de redução das emissões de gases poluentes. De acordo com o estudo, as conseqüências das mudanças climáticas podem arruinar os progressos já obtidos no combate à pobreza em muitos países.

“Nenhum país exige, mais do que o nosso, um pensamento esclarecido e moderno por parte de seus dirigentes para que a preservação e o uso dos gigantescos recursos naturais possam ser transferidos para a nossa descendência sem prejuízo ao desenvolvimento nacional, que deve ser sustentável em relação ao futuro e justo e humano em relação ao presente”, declara Israel Klabin.

Este novo mercado traz enormes oportunidades para o Brasil, mas há quem diga que precisamos tomar cuidado para não perder o foco do que realmente interessa – o aspecto sócio-ambiental. Projetos de reflorestamento com eucaliptos, por exemplo, podem ter efeitos negativos sobre as comunidades das regiões onde se encontram. É o que argumentam algumas ONGs internacionais. Para encontrar um equilíbrio e preservar a credibilidade dos mecanismos de negociação de créditos de carbono, é que se defende maior controle e regulação dos mesmos.

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