O Brasil entra em 2005 cada vez mais isolado na defesa do amianto branco (crisotila). No primeiro dia do ano, a Europa baniu oficialmente a utilização de produtos que contenham essa fibra natural, comprovadamente cancerígena. Nos últimos anos, nossos vizinhos Chile, Argentina e Uruguai tomaram a mesma decisão. Ao todo, 42 países já o aboliram, mas no Brasil o debate está paralisado, e a legislação corre o risco de retroceder.
Desde 1996 tramita no Congresso um Projeto de Lei propondo a proibição do amianto crisotila no país. Os outros tipos de amianto, mais tóxicos do que o crisotila, já foram proibidos em todo o mundo, inclusive por aqui. Além de andar a passos lentos, a Comissão Especial criada para analisar o Projeto apresentou um substitutivo em que libera “o uso controlado” do amianto crisotila e proíbe todas as matérias-primas alternativas a ele. O relator da Comissão, Ronaldo Caiado, é deputado federal por Goiás, o que explica a resistência ao texto original.
Funciona no Estado, no município de Minaçu, a maior mina de extração de amianto crisotila da América Latina. É a única mina em atividade no país, mas suas 200 mil toneladas extraídas anualmente nos colocam na terceira posição mundial entre os produtores de amianto, atrás da Rússia e do Canadá. O governador de Goiás, Marconi Perillo, deputados federais como o próprio Caiado e o empresário Sandro Mabel, e o senador Íris Rezende lideram a “bancada do crisotila”, como é conhecido o lobby político em defesa da indústria do amianto, sob argumentos econômicos, de geração de empregos e de controle das condições de trabalho. Segundo os políticos e empresários do setor, com as medidas de proteção na cadeia produtiva adotadas a partir da década de 90, o amianto crisotila não oferece riscos à saúde dos trabalhadores.
“A utilização de recursos naturais pelo homem sempre deixa seqüelas diante do desconhecimento. No passado não tomaram o devido cuidado no manuseio do amianto. O Governo de Goiás não nega a questão da agressividade do amianto crisotila, mas vê condições perfeitas do uso controlado. Vamos dispensar uma dádiva da natureza como essa?”, pergunta o geólogo Luís Fernando Magalhães, superintendente de Geologia e Mineração da Secretaria de Indústria e Comércio de Goiás.
Dádiva para seus defensores, o amianto branco é sinônimo de doença e morte para quem acompanha a vida de ex-trabalhadores expostos à fibra. É o caso da professora Vanda D’Acri, da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Vanda integra uma equipe de pesquisadores que desde 1986 estuda casos de asbestose (enrijecimento incurável do pulmão) e câncer associados ao amianto no Estado do Rio. Atualmente são atendidas 300 pessoas. Já foram confirmados 40 casos de asbestose e oito óbitos. “O amianto é cancerígena em qualquer medida”, garante Vanda, que questiona o argumento de que medidas protetivas aos trabalhadores eliminam o risco à saúde: “As doenças levam um longo tempo para se manifestarem, de 15 a 30 anos. Por isso não é possível afirmar, hoje, que o processo de trabalho seja seguro”.
Vanda D’Acri acusa as empresas de dificultar as inspeções e demitir trabalhadores que apresentam os primeiros sinais de dificuldade respiratória. Para Fernanda Giannasi, isto gera um problema a mais: a “invisibilidade epidemiológica” da exposição ao amianto. Fernanda é fiscal do Ministério do Trabalho e comanda a campanha pelo banimento do amianto na América Latina (Rede Ban-Asbestos). Acordos extra-judiciais são firmados entre empresas e trabalhadores, sem que haja a emissão de uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). “Os dados que conhecemos são parciais, apenas daqueles trabalhadores que não se submeteram a acordos. A Eternit reconheceu na Justiça a existência de 2.500 vítimas do amianto entre seus funcionários, mas outros 1.500 fizeram acordos por fora, e a empresa não fornece informações sobre eles, sob o argumento de sigilo médico”, diz Fernanda.
A Eternit é a maior produtora de telhas e caixas d’água do Brasil. Além dela, a cadeia produtiva do amianto envolve 215 empresas, que fabricam desde fibrocimento até freios para automóveis e produtos têxteis como forro de porta de navio, luvas industriais, roupas para bombeiros e fiações diversas.
E pesquisadores dizem que o amianto não ameaça apenas os trabalhadores que o manuseiam diretamente. “Em certa medida, toda a população está exposta aos perigos do amianto. Caixas d’água soltam fibras quando se quebram e até mesmo durante a limpeza, cortar telhas de amianto também pode gerar contaminação. Os trabalhadores da construção civil estão entre os mais expostos”, diz Vanda D’Acri, da Fiocruz. Luís Fernando Magalhães rebate: “A população não corre risco nenhum. Tecnicamente, essa hipótese está totalmente equivocada. A fibra não se desintegra. Caixa d’água e tubos de amianto o Brasil usa há 50 anos. Se tivesse perigo seria uma situação de calamidade pública”, afirma o geólogo da Secretaria de Indústria e Comércio de Goiás.
Outro problema grave diz respeito ao passivo ambiental deixado pelas minas já extintas, como as de Poções (BA), Jaramataia (AL), Itapira (SP) e Virgolândia (MG). A extração de amianto aproveita apenas de 5% a 10% da rocha, deixando restos do minério expostos no entorno, o que propicia seu contato com o meio ambiente, as águas, os animais e a população. Em Poções, 700 hectares foram degradados pela ação da SAMA – Mineração de Amianto S/A, entre as décadas de 1930 e 1960. Fernanda Giannasi, do Ministério do Trabalho, conta que os resíduos de amianto e dos explosivos usados na extração da rocha atingiram o lençol freático e contaminaram a única reserva de água potável da região, um açude que abastece o gado e as plantações, onde os moradores costumam tomar banho. A mudança de ph por conta dos minérios deu uma forte tonalidade verde à água. Em Jaramataia, foi aberto o centro de lazer “Paraíso da Saúde”, que apregoa as propriedades dos minérios presentes na água para tratamentos de pele, banhos regeneradores e até mesmo infertilidade.
Para reagir à má fama de seu produto, as empresas do amianto contra-atacaram em 2002 com a criação de uma ONG, o Instituto Brasileiro do Crisotila, que divulga informações e bibliografia favoráveis à exploração e uso da fibra. Também tentaram investir, em 2004, em uma campanha publicitária nacional pró-amianto, mas por três vezes seu conteúdo foi vetado pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar).
Em compensação, a Justiça os tem ajudado a reverter uma série de novas legislações estaduais e municipais recentes que proíbem o amianto. Os estados do Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, além de 15 municípios, aprovaram leis banindo a “fibra mortal”. Mas o Superior Tribunal Federal (STF) derrubou a proibição em São Paulo e Mato Grosso do Sul, atendendo a Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) movidas pelas empresas do amianto. Três Adins referentes aos outros estados estão sendo julgadas pelo Tribunal.
“Isto mostra que é necessário aprovar uma lei federal”, diz Fernando Gabeira, um dos autores do Projeto de Lei que tramita há mais de 8 anos no Congresso. “Em 2004 o Governo criou uma Comissão Interministerial para discutir o amianto, que é uma forma de sentar em cima do projeto”, afirma o deputado, que não crê na aprovação do banimento no Brasil. “A força dos contra-amianto é pequena. Além do mais, este Governo Federal é desenvolvimentista no pior sentido do termo. Opta sempre pelo crescimento em detrimento do meio ambiente”.
Se a classe política não se interessa em avançar num assunto que já está resolvido em meio mundo, o mercado pode acelerar o processo. O grupo francês Saint Gobain, que controlava a exploração do amianto no Brasil, anunciou que a partir de dezembro de 2004 não utiliza mais o crisotila em nenhum de seus produtos. Para isso abriu mão da exploração da mina de Minaçu e manteve apenas a empresa Brasilit no país, agora sem amianto. A Eternit, por sua vez, teve suas ações rejeitadas pelo Índice de Responsabilidade Social da Bolsa de Valores de São Paulo, que seleciona empresas modelo para incentivar o investidor individual. Gabeira acredita que esses “sinais de esgotamento” por parte do mercado devem aumentar. Ele lembra que o amianto é um produto não-renovável, e que por isso os políticos goianos deveriam mudar de postura. “Mais interessante para Goiás seria fechar a mina e pedir apoio ao Governo Federal para substituir essa matéria-prima”.
Várias alternativas à fibra do amianto são consideradas viáveis, como o PVA, o polipropileno e a lã de vidro.
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