Acordamos no Posto São Luís, base central que abriga os guarda-parques e brigadistas da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), área de proteção criada há 24 anos que é gerida pelo SESC Pantanal, onde só circulam pessoas autorizadas. A unidade de conservação carrega as cicatrizes do fogo do ano passado, que atingiu 93% de sua área de 108 hectares.
Alessandro de Amorim, chefe de brigada, nos levou logo cedo para um reservatório praticamente seco no qual pássaros, mamíferos, insetos e répteis recorrem às fendas e buracos onde a água fica acumulada para matar a sede. Dentre os sons das várias espécies de aves que ali estavam, chamava atenção o zumbido das abelhas, que também sofrem com a crise hídrica e buscavam saciar sua sede.
Alessandro comentou que só resta umidade ali, porque com alguma frequência o caminhão-pipa, que drena água do poço artesiano da base, sai abastecendo os tanques. A água dura em média de 10 a 15 dias nos 50 reservatórios espalhados pela Reserva. Contudo, os esforços não são suficientes para garantir hidratação em toda extensão da RPPN, devido à maior seca que o bioma enfrenta nos últimos 60 anos.
Foi o que testemunhamos na parte da tarde, quando visitamos um reservatório recém abastecido que tinha uma fina lâmina de água, mas que chegou tarde demais para uma das antas de um grupo de 8. O animal foi encontrado pelos guardas ainda com vida, mas estava muito debilitado e, mesmo hidratado, não resistiu e veio a perecer quase na beira do tanque.
Nossa tarde contou também com a presença da bióloga, professora aposentada da UFMT e pesquisadora do INAU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Área Úmidas), Cátia Nunes, que compartilhou um pouco de seus conhecimentos, explicando as dinâmicas de vida antes, durante e depois das inundações, e como elas vêm se alterando e sofrendo com a falta de água que, pelo segundo ano consecutivo, não alaga a região.
Enquanto falávamos com ela no meio da mata, tivemos um suspiro de esperança: uma garoa veio presentear aquele momento. Foi muito lindo ver a emoção com a qual a equipe do SESC vibrou pelo momento: sorrisos, abraços, agradecimentos, olhares de alívio para o céu. Mas foi apenas um breve refresco, infelizmente a chuva foi muito localizada e em volume insuficiente para encher reservatórios, que ainda dependem das ações emergenciais da brigada para não secarem por completo.
Pantanal ameaçado é um projeto de Leandro Barbosa, Victor Del Vecchio, Lina Castro e Gabriel Schlickmann, financiado coletivamente e que conta com o apoio da iniciativa Observa-MT.
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