Reportagens

A herança de Dorothy

Pressionado pela violência no Pará, Governo anuncia áreas de proteção ambiental totalizando 5 milhões de hectares e um projeto de gestão das florestas públicas.

Carolina Mourão ·
17 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

O governo anunciou na noite desta quinta-feira, 17 de fevereiro, a criação de novas unidades de conservação na Amazônia, a maioria no Pará, somando mais de 5 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho do estado do Rio Grande do Norte. O mosaico de áreas protegidas vinha sendo discutido desde 2002, e as audiências públicas para sua criação foram concluídas em dezembro de 2004. Mas o projeto continuava na gaveta sem prazo para entrar em vigor. A explosão da violência no Pará forçou o Governo a lançar o novo pacote ambiental, que inclui o envio do Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas ao Congresso Nacional, em regime de urgência.

Outra medida anunciada foi a restrição, por seis meses, de novas atividades que possam trazer danos ao meio ambiente nos mais de 8 milhões de hectares da área de influência da rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá), que terá florestas protegidas pelos dois lados, em toda a sua extensão.

O Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas, que regulamenta o uso de matas para produção sustentável em terras públicas, cria o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Essa regulamentação da gestão de florestas públicas tem o objetivo de incentivar a produção local e o crescimento da indústria florestal sustentável, mas deve gerar muita discussão entre ambientalistas. No ano passado, ainda na fase de anteprojeto, o texto foi criticado por prever concessões para atividades diversas nas florestas, não estabelecer critérios claros de sustentabilidade e propor assentamentos de Reforma Agrária em áreas florestais.

A criação de um mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, Pará, foi uma resposta do Governo ao crescimento da violência na região nas últimas semanas, que começou com os protestos de madeireiros contra a obrigação de recadastrar terras imposta pelo Incra e a suspensão de planos de manejo por parte do Ibama, e culminou com o assassinato da freira Dorothy Stang, que defendia a criação de reservas de desenvolvimento sustentável na região de Anapu. Foram criadas a Estação Ecológica da Terra do Meio, com 3.373.111 hectares, e o Parque Nacional da Serra do Pardo, com 445.392 hectares. A Estação Ecológica da Terra do Meio é a segunda maior unidade de conservação do país, logo atrás do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, com 3,8 milhões de hectares. Nos próximos dias, o governo promete criar duas reservas extrativistas, próximas aos rios Xingu e Iriri, somando aproximadamente 500 mil hectares.

“A proposta difere dos últimos mapas que eu tinha visto nas audiências públicas em Altamira e São Félix do Xingu“, afirmou o biólogo Carlos Alberto Scaramuzza, do WWF, que ajudou a elaborar a primeira versão das novas reservas (mapa ao lado), em 2002, como consultor do Instituto Socioambiental (ISA). Os decretos do governo chegam a ser mais rigorosos na conservação do que era esperado, aproximando-se do plano original. As propostas mais recentes não previam a criação de uma Estação Ecológica (que tem regras mais restritivas), apenas de um grande Parque Nacional em toda a área. Por outro lado, havia a intenção de criar uma Área de Proteção Ambiental (APA) para regular as terras da região de São Félix do Xingu, mais degradadas, o que não aconteceu.

“Independente das mudanças, é importante frisar que é bem-vinda a notícia de proposta de ordenamento territorial via mosaico de Unidades de Conservação. Nosso medo era que as áreas fossem criadas aos poucos, o que poderia causar pressão nas outras áreas não protegidas”, diz Scaramuzza. “É uma pena que a decisão tenha decorrido de uma situação de pressão. Foi a morte da Dorothy que precipitou a criação do mosaico”, comenta o técnico, que conhecia a missionária americana.

Somadas às terras indígenas, as novas áreas podem assegurar um corredor ecológico de até 25 milhões de hectares, chegando ao sul do Pará. O técnico da WWF lembra que a medida responde aos problemas fundiários na região e tem grande potencial de conservar a biodiversidade, ao proteger desde as cabeceiras do rio Xingu até o Médio Xingu. “Em nenhum outro rio da Amazônia é possível preservar quase toda a calha. Com esse mega corredor ecológico, cria-se uma situação onde se consegue proteger não só as espécies, mas os processos ecológicos e evolutivos”, afirma Scaramuzza.

Além das áreas no Pará, os decretos assinados pelo presidente Lula criam a Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade, no Acre, com 325.602 hectares, e as florestas nacionais de Balata-Tufari, no Amazonas, com 802.023 hectares, e de Anauá, em Roraima, com 259.550 hectares.

Mais da metade das florestas do Brasil está em terras que pertencem à União, estados e municípios. Só na Amazônia, as chamadas terras devolutas (sem registro de propriedade definido) chegam a 75%, tornando-se alvo de grilagem, ocupação ilegal, desmatamento e queimadas. Os recentes conflitos no Pará revelaram a necessidade de promover o mais rápido possível o manejo adequado destas florestas. As medidas anunciadas pelo governo podem representar o começo de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia.

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