Reportagens

Reserva sem lei

Na semana em que a Reserva Biológica do Tinguá (RJ) perdeu um de seus maiores defensores, o país notou que no Rio a criminalidade é também problema ambiental.

Andreia Fanzeres ·
25 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

Três dias depois da morte do ambientalista Dionísio Julio Ribeiro Junior, o Ibama anunciou que uma força-tarefa vai atuar na Reserva Biológica do Tinguá (RJ) para reprimir a ação de caçadores e palmiteiros clandestinos. O objetivo é intensificar a fiscalização com a ajuda de organizações não governamentais, moradores e das polícias civil e federal em uma das unidades de conservação mais ameaçadas do Rio de Janeiro. Foi preciso que uma das mais antigas lideranças locais fosse assassinada para que o país notasse a vulnerabilidade de uma reserva que deveria estar intocada no meio da segunda maior região metropolitana do país.

A proposta do Ibama não é inédita. Atividades de repressão ao uso ilegal da reserva já acontecem. A última foi no carnaval, quando foram apreendidos palmitos e pássaros. O chefe da Reserva Biológica do Tinguá diz que as rondas no mato são mensais e os maiores impasses são conseqüência dos problemas sociais da região. Com o agravante de haver apenas quatro fiscais para tomar conta de uma área de floresta densa de 27 mil hectares.

Localizada no meio da baixada fluminense, a reserva tem uma missão quase impossível: proteger uma importante área de mata atlântica – com mananciais que abastecem 2,3 milhões de pessoas – numa região extremamente carente em termos de educação, saúde, transportes e segurança. “Você é incapaz de perceber que existe Estado aqui. Estou na praça de Tinguá. Se eu girar 360 graus só vou conseguir ver o poder publico num DPO (Destacamento de Policiamento Ostensivo) construído pela comunidade”, desabafa o atual chefe da reserva, Luis Henrique Teixeira.

O caos fora da reserva não a torna um oásis. Nem poderia. Cercas e placas tentam limitar a área da unidade nos locais mais povoados, mas são freqüentemente alvos de vandalismo. Nas outras partes, os referenciais para a demarcação são os acidentes geográficos, como cumes de montanhas e rios, o que garante muito menos integridade à região. Um dos rios que servem como limite natural da reserva fica cheio de banhistas nos fins de semana. E basta atravessá-lo para entrar oficialmente numa área restrita onde até turismo é proibido. O resultado dessa fragilidade são anos de invasões, retirada clandestina de palmito e caça predatória.

Poucas pessoas deveriam circular pela unidade, porque em reserva biológica são proibidos quaisquer projetos de uso público de terras e visitação não autorizada. Mas acabou que quem domina bem a região são justamente os que deveriam ficar fora dela. “Quem conhece as trilhas são os palmiteiros e os caçadores e eles andam sempre armados”, revela um funcionário.

O estranho é que ou eles andam muito bem armados ou outros bandidos circulam pelas matas da reserva. Fiscais já encontraram diversos tipos de armamento pesado, incluindo escopetas e AR-15. Embora não haja provas concretas, Maria Léa Xavier, chefe da unidade entre 1998 e 2003, acredita que o clima de insegurança possa ter origem no tráfico de drogas. Por isso, nunca foi a favor do envolvimento dos ambientalistas na fiscalização. “Meu princípio era de jamais expor as pessoas porque esse é um lugar muito violento”. A ex-chefe da reserva, que já foi ameaçada de morte, cansou de pedir reforço policial às autoridades, mas quando ele não vinha o máximo que podia fazer era apelar para que ninguém andasse sozinho pela região.

A orientação é seguida à risca até hoje. Luis Henrique Teixeira, que esteve com Dionísio Julio Ribeiro horas antes do homicídio, lamentou a quebra dessa premissa. “Ele mesmo dizia para sempre andarmos acompanhados e jamais depois das 19h e, na única vez que desobedeceu aos alertas, aconteceu essa tragédia”. Apesar da atmosfera de violência, ainda não se pode dizer que as mortes em unidades de conservação sejam rotineiras, embora haja constantes ameaças, além de registros de emboscadas e assaltos nas trilhas da região.

Torná-la mais segura em meio à complexidade dos problemas sociais que estimulam atividades criminosas depende de algo bem mais abrangente do que uma força-tarefa momentânea. Antes de sua criação, em 1989, a área já era cortada por oleodutos da Petrobras. Por ali passam também linhas de transmissão de Furnas. Essas empresas, apesar de criarem risco de danos ambientais, nada contribuem para a manutenção da reserva. Luis Henrique Teixeira diz que há conversas com as empresas nesse sentido e, por enquanto, elas se propõem a dar apoio financeiro à compra de materiais e ao monitoramento da área.

O Ibama informou que mil novos agentes serão admitidos no instituto e que parte desse contingente pode ser deslocado para a reserva do Tinguá. Na opinião de Maria Léa Xavier, o ideal seria que pelo menos 60 fiscais agissem em esquema de plantões na unidade, já que se tornou uma tarefa arriscada proteger uma área cuja riqueza natural levou a Unesco a declará-la Patrimônio da Humanidade.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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