Reportagens

Abriu a porteira

Antes mesmo de sancionada a Lei de Biossegurança, começou a liberação dos transgênicos: algodão brasileiro e milho importado. Sem Estudo de Impacto Ambiental.

Carolina Mourão ·
17 de março de 2005 · 20 anos atrás

Às vésperas de sofrer alterações em sua composição, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou nesta quinta-feira, 17 de março, a liberação comercial do algodão transgênico “531” da Monsanto, resistente a insetos, e a importação de milho transgênico. A decisão dispensou os estudos de impacto ambiental exigidos por lei.

“Você ligou para me fazer essa pergunta capciosa? Se for para perguntar essas coisas, não ligue mais. Não atendo”. Assim reagiu o secretário-executivo da CTNBio, Jairo do Nascimento, quando questionado sobre a necessidade de estudo de impacto ambiental para a liberação do algodão transgênico. Quando insisti, veio a resposta: “Cabe à CTNBio avaliar que os estudos realizados foram suficientes. Não vou falar o que vocês querem ouvir”.

A CTNBio já tinha aprovado, em 18 de novembro de 2004, a liberação do algodão geneticamente modificado. O pedido foi apresentado pela Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), em nome das empresas Bayer, Syngenta e Monsanto. A decisão autorizava a comercialização de sementes convencionais de algodão com até 1% de transgenia, e sua legalidade foi questionada por abrir mão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e por ser realizada sem o quórum necessário. Ao ratificar sua decisão agora, a CTNBio comporta-se como se já tivesse o direito de autorizar transgênicos por conta própria. Mas continua ilegal, pois a Lei de Biossegurança, embora aprovada pelo Congresso, ainda não foi sancionada por Lula.

A bênção ao algodão transgênico segue a lógica do fato consumado, a mesma que por três anos consecutivos conquistou MPs do governo para a colheita de soja transgênica no Sul. No caso do algodão, o argumento é de que, de alguma maneira ilícita, as lavouras brasileiras da planta foram contaminadas e hoje apenas uma parte mínima das sementes existentes no país está totalmente livre de transgênicos. A contaminação se dá por polinização cruzada, com insetos, e pela utilização das mesmas máquinas agrícolas em lavouras normais e transgênicas. Além das áreas de plantio convencional comercial, podem ser afetadas espécies silvestres nativas.

Quando aprovou a comercialização do algodão transgênico dispensando o EIA, em novembro, a CTNBio recebeu duras críticas do Ministério do Meio Ambiente, que também classificou de “flagrante ilegalidade” o fato de a decisão ter sido aprovada por apenas sete dos 13 membros presentes à reunião, quando o quórum necessário seria de nove. O mesmo já havia ocorrido em 1995, quando a CTNBio autorizou a comercialização da soja transgênica. O secretário-executivo disse não saber o número de conselheiros presentes na reunião desta quinta-feira, que liberou a comercialização de algodão modificado. “Se quiser saber, espera o site da CTNBio dar”. A diferença é que agora o Ministério do Meio Ambiente já nem tem mais forças para gritar: a batalha dos transgênicos está perdida.

Mas por que a CTNBio decidiu começar a aprovar os transgênicos de forma ilegal, se daqui a alguns dias ganhará o direito de arbitrar sozinha na área? Talvez ajude saber que quando a lei for sancionada, no dia 24 de março, o número de conselheiros titulares da CTNBio vai aumentar de 18 para 27, o que pode dificultar um pouco o lobby dos plantadores e a troca de favores dentro da Comissão. Daí a pressa e o nervosismo, tão flagrantes.

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