Há três meses no comando da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Seama), o ex-deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil) tem seu nome e sua história parlamentar marcados pela exploração de sal-gema no norte do estado, sendo uma espécie de “embaixador” da atividade.
A maior autoridade da gestão ambiental capixaba tem encabeçado a luta para implementar a atividade minerária numa região de alta sensibilidade socioambiental, sobreposta a duas unidades de conservação e territórios de comunidades tradicionais.
Essa contradição não passou despercebida de ONGs e da Assiema, a Associação dos Servidores do Iema – autarquia executora das políticas definidas pela Seama – que se posicionaram publicamente pedindo que o governador, Renato Casagrande (PSB), revisse a nomeação. O PSOL, que apoiou a reeleição de Casagrande no segundo turno e elegeu a mulher com maior votação da história da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, a deputada Camila Valadão, reforçou o pedido.
No pleito, o partido acrescentou a votação de Rigoni a favor da reforma da Previdência e do PL dos Agrotóxicos, quando se posicionou contrariamente ao seu partido na época, o PSB. Logo depois o deputado migrou para o União Brasil, legenda que tem declaradamente posição avessa a toda e qualquer pauta socioambiental que passe pelo Legislativo, conforme mostrou ((o))eco durante as eleições de 2022, no projeto Monitor do Congresso.
Natural de Linhares, município vizinho aos que abrigam o sal-gema, Rigoni foi eleito em 2018 ostentando a segunda maior votação da casa e o pioneirismo de primeiro deputado federal cego do país. Já no primeiro ano de mandato, encampou as diligências para destravar o leilão das jazidas capixabas de sal-gema em Conceição da Barra e São Mateus. Isso, no momento em que a tragédia de Maceió obrigava a Braskem a suspender a extração do sal fóssil, diante do afundamento de quatro bairros da capital alagoana, ameaçando diretamente cerca de 60 mil pessoas.
Engenheiro de formação e empreendedor de sucesso alçado como destaque de movimentos neoliberais como Acredito e RenovaBR, ao lado de Tábata Amaral (então PDT-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e outros jovens políticos, o capixaba Rigoni viu no desastre de Alagoas a oportunidade de avançar a agenda do sal-gema. Através de um requerimento enviado em julho de 2019, solicitava informações para autorização de exploração da maior jazida da América Latina, que continuava intocada 40 anos depois de descobertas, por acaso, pela Petrobras, por meio da sua extinta Petromisa.
Bastaram dois anos de atuação intensa para que a Agência Nacional de Mineração (ANM) cedesse ao empenho do parlamentar e realizasse o leilão de onze lotes, comprados em setembro de 2021 por quatro empresas: Dana Importação e Exportação LTDA, José Augusto Castelo Branco, Pedras do Brasil Comércio Importação e Exportação LTDA e Unipar Carbocloro S.A.
Na ocasião, a Casa legislativa capixaba criou uma Frente Parlamentar para apoiar os trâmites políticos necessários à mineração, presidido pelo então deputado estadual Freitas (PSB), que tem base eleitoral no norte do estado. O ex-parlamentar é um dos que acusam o “lobby da bancada do Nordeste” como responsável por atrasar a exploração do sal-gema no Espírito Santo.
É ele também quem defendeu a necessidade de arranjos estaduais e municipais que viabilizem a instalação de um polo industrial em torno das jazidas, para que a atividade não fique limitada à exploração da commodity, criando mais empregos e gerando mais impostos. “A gente não observa o desenvolvimento social, organizacional, estrutural de São Mateus a partir do petróleo”, declarou, referindo-se ao município onde a Petrobras iniciou suas atividades no Espírito Santo, em campos terrestres.
“Comunidades poderão ser sócias”
Passado um ano e meio do arremate, a fase de pesquisa pode se estender ainda por igual período, segundo o tempo regulamentar, explica Rigoni. O objetivo é atualizar os estudos iniciados pela Petromisa na década de 1970. Conforme noticiou a Assembleia Legislativa do Espírito Santo à época, o relatório final foi publicado em 1991 no Diário Oficial da União, com mais de 200 páginas ressaltando a viabilidade técnica e econômica das onze poligonais identificadas, com profundidades variando de 1,2 mil a 1,7 mil metros.
“O documento diz que, na parte emersa da bacia, é possível delimitar um depósito de sais solúveis com reservas totais da ordem de 19,4 bilhões de toneladas, com teor médio de 88,36% de cloreto de sódio (NaCl), em uma área de 60 Km²”, reporta a Ales.
“As empresas têm até três anos para fazer a pesquisa minerária, depois podem entrar com pedido de outorga de lavra. A Petrobras fez algo importante há 40 anos e é preciso atualizar o levantamento, sobre a densidade do sal e a qual profundidade ele está, por exemplo”, explica o secretário de Meio Ambiente, destacando que, nessa fase inicial, as empresas anunciaram um investimento de R$ 170 milhões.
Das onze áreas leiloadas, no entanto, três foram retiradas dessa fase de pesquisa, por ação do Ministério Público Federal (MPF), em defesa dos direitos das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares e que aguardam a conclusão do processo de titulação de seu território ancestral pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Na fase de exploração, contudo, a expectativa é envolvê-las diretamente no negócio. “O governo junto com as empresas vai abrir amplo diálogo. Eles [quilombolas] podem se beneficiar muito da exploração do sal-gema, porque o que nós vamos construir com as empresas é fazer uma série de benefícios para a população que ele está ali. A área que ocupa para fazer a exploração é muito pequena. Nessas três áreas que têm quilombola é um pedaço pequeno. E dá para fazer um combinado para que eles sejam como sócios dos empreendimentos. Óbvio que vai depender da vontade deles, mas a proposta que vai ser feita é que eles sejam sócios”, expõe o secretário de Meio Ambiente.
Consulta prévia, livre e informada
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece a consulta “prévia, livre e informada” a povos e comunidades tradicionais, mediante qualquer empreendimento ou obra com potencial de impacto socioambiental em seu território. Em março, o Fórum em Defesa das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais na Bahia enviou uma carta assinada por 125 entidades ao presidente Lula (PT), ao governador Jerônimo (PT), secretarias, ministérios e autarquias federais e estaduais afins, com recomendações de ações que devem ser empreendidas para titular os territórios ancestrais de todos os povos e comunidades tradicionais da Bahia, incluindo a consulta nos moldes da OIT 169, independentemente do estágio do processo de titulação dos territórios.
O secretário ambiental capixaba alega que essa consulta ainda não foi feita aos quilombolas e pescadores que habitam a área leiloada para exploração do sal-gema por falta de lastro legal. “O governo federal ainda não regulamentou a portaria 169 da OIT. Órgãos não sabem como fazer, as empresas não sabem como fazer. Mas é muito importante que seja feito, eles precisam ser consultados e poderem se tornar sócios do empreendimento”, reforçou.
Sobre as unidades de conservação, a principal preocupação é com relação à Área de Proteção Ambiental (APA) de Conceição da Barra, de 7,7 mil hectares, sobre a qual a área leiloada está toda inserida, havendo ainda, segundo informou a Ales, um lote que atinge também o Parque Estadual de Itaúnas, com 3,84 mil hectares, e o Parque Natural Municipal de Conceição da Barra, já na área urbana, com seis hectares.
Diferente do ex-deputado estadual Freitas (PSB), que acredita que a APA tenha sido criada para beneficiar a exploração minerária, Felipe Rigoni entende que as motivações foram outras, mas que ela se tornou um ponto positivo para a exploração. “A APA não foi criada para isso, mas ajuda muito”, afirma, principalmente por ter impedido um adensamento populacional. “Mas mesmo que tivesse [uma concentração urbana como a de Maceió] o fato de ser mais profundo, as jazidas começam a partir de 1.250 metros, cai a zero o risco de desabamento. Lá as minas são mais rasas e depois que a exploração começou, a cidade avançou”.
Ele defende ainda o avanço tecnológico como blindagem a um novo desastre ambiental em terras capixabas. “A tecnologia de lá também era mais antiga, escavava mais, é rudimentar. Hoje em dia o que faz é como enfiar um pequeno tubo na terra que vai soltando água, e do outro lado vem o sal, a salmoura, na verdade. Isso ocupa muito pouco espaço em comparação ao que se fazia no passado e consegue ser sustentável. O CRQ [Conselho Regional de Química] vai promover em meados do ano um seminário para trazer os maiores especialistas dessa área para mostrar o jeito correto de explorar o sal-gema sem risco absolutamente nenhum ambiental”, argumenta. “É uma oportunidade para a gente fazer da maneira correta e se tornar exemplo no mundo”, projeta.
Estudo pela metade?
Liderança no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte – que envolve mais de trinta comunidades nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra –, Domingos Firmino dos Santos, o Chapoca, se surpreendeu ao saber da intenção do secretário de Meio Ambiente em oferecer sociedade no negócio do sal-gema. Escaldadas das décadas de usurpação do território pelo agronegócio de eucalipto e cana-de-açúcar e pelo petróleo, as comunidades não estão, naturalmente, receptivas à chegada de mais um portentoso projeto de desenvolvimento econômico empreendido por poucas grandes empresas que renovam promessas de emprego e progresso para a região.
“Primeiro, tem que saber que sociedade é essa. Segundo que as comunidades estão dizendo que não querem perfuração aqui dentro, porque vai trazer poluição e atrair muita gente de fora, com prostituição, criminalidade, atrapalhando nossa cultura, nossas tradições”, pondera Chapoca, que é membro da Coordenação Quilombola Estadual Zacimba Gaba, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq) e da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.
Chapoca conta que a proibição da pesquisa nos três lotes foi decidida após reunião com os MPF do Espírito Santo e de Alagoas, que também teve a presença de representantes da ANM e de especialistas na atividade. “Houve um grande debate e um geólogo com experiência internacional disse que o estudo aprofundado que precisa ser feito aqui custaria mais de R$ 300 milhões. Não é esse o estudo que estão fazendo”, aponta, comparando com o valor fartamente anunciado pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), de R$ 170 milhões.
A Convenção 169 da OIT, afirma, está sendo trabalhada em âmbito local por meio da elaboração de um protocolo de consulta do Sapê do Norte, com apoio do MPF e da Defensoria Pública Estadual (DPE-ES). “Está quase pronto. Coisa de semanas a gente já vai poder enviar para todos os órgãos estaduais, federais e municipais e todas as empresas”.
Audiência pública
No Congresso Nacional, o braço forte dos quilombolas se faz presente por meio do mandato de Helder Salomão (PT), reeleito em outubro como campeão de votos entre toda a bancada capixaba na Câmara Federal.
A pedido das comunidades, o parlamentar tem se dedicado a estudar o assunto, diante da gravidade do que acontece em Alagoas. “Há muitas potencialidades, sim, mas o grande problema que eu apresento nessa reflexão inicial é: se de um lado podemos ter a criação de um polo que vai gerar empregos e desenvolvimento no norte do Espírito Santo, por outro, corremos o risco de ter algo semelhante ao que aconteceu em Maceió. A Braskem foi contratada para fazer a exploração do sal-gema e a constatação hoje é que o impacto geológico é catastrófico. 57 mil pessoas em 13,6 mil imóveis sendo desocupados às pressas, incluindo casas, comércio, escolas, postos de combustíveis, até hospital precisou fechar as portas”, pontua Helder.
A tragédia foi deflagrada em 2018, quando, após fortes chuvas, rachaduras apareceram em imóveis do bairro Pinheiros, tendo sido registrados abalos sísmicos de intensidade alta, 2,5 na Escala Hichter, atingindo também os bairros Mutange, Bom Parto e Bebedouro. “Em 2019 o serviço geológico do Brasil disse que a exploração de sal-gema foi a principal causa para os tremores e as fissuras. Existem buracos maiores que um campo de futebol”, acrescenta o parlamentar.
O petista também está buscando informações fora do Brasil. “Precisamos primeiro conhecer melhor como outros países estão fazendo essa exploração do sal-gema. Ela produz contaminação da água, do solo e do ar e o primeiro impacto é subterrâneo, só quando o problema chega na superfície é que se torna mais perceptível. China, Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Austrália… Como se dá nesses países? Sabemos que a Holanda e a Alemanha conseguiram mitigar os efeitos do processo de exploração, mas ainda não resolveram o restante da cadeia produtiva. Temos notícias de que na Alemanha e Holanda, rios foram afetados, por causa do transporte e estocagem”, relata.
“Nós queremos desenvolvimento, mas queremos desenvolvimento e emprego com sustentabilidade e não com violação de direitos. Não nos interessa o desenvolvimento a qualquer custo. Não é possível ter essa discussão sem profundo debate com as comunidades, sem envolver a academia, sem buscar no mundo as melhores experiências da exploração do sal-gema. E não podemos permitir que sal-gema seja outro crime semelhante a Mariana [rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em 2015]. O Espírito Santo sofre até hoje os impactos dessa irresponsabilidade das empresas de mineração”, continua.
A intenção é realizar uma audiência pública, de forma que o assunto seja tratado com profundidade. “Queremos debater o tema. Não queremos nos opor à criação do polo industrial, mas também não vamos defender essa tese sem a certeza de que podemos fazer a exploração sem contaminar a água, o solo, o ar e afetar as comunidades. Precisamos buscar caminhos para que seja possível e não temos dúvidas de que o governo federal vai entrar nesse debate”.
Da parte das comunidades, o debate já está em andamento e crescendo. “Nós estamos mobilizados. Não é só questão de dar parte do recurso à comunidade”, pondera Chapoca, referindo-se à proposta do secretário de oferecer sociedade no negócio milionário. “Dar recurso e depois destruir a comunidade, de que adianta? É um ataque contra nós, porque é um ataque direto à natureza”.
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interessante visitar o link abaixo e ver o resultado do laudo.https://www.geoportalufjf.com/post-unico/consequ%C3%AAncias-da-explora%C3%A7%C3%A3o-de-sal-gema-em-macei%C3%B3
Espero que não cometam os erros do norte do Pais, onde exploram o Sal Gema. Muitos desmoronamentos de extensas áreas de bairros. Sendo que vários proprietário s tem que abandonar sua casa. Vejam o ESTRAGO que a BRASKEM fez por lado.