Reportagens

“É urgente tomarmos posição sobre a transição energética”, diz negociador-chefe do Brasil

André Corrêa do Lago observa que o País tem posição privilegiada simultaneamente no G20, no BRICS+ e na COP 30

Carlos Tautz ·
26 de março de 2024

“Estou preocupado com a falta de debate no Brasil sobre transição energética. Precisamos começar a decidir agora o que iremos defender como País na Conferência do Clima sobre Mudanças Climáticas, que acontecerá em novembro de 2025”. Em tom de mantra, é assim que o diplomata e economista André Aranha Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil para meio ambiente em alguns dos mais importantes fóruns internacionais, tem repetido em palestras e conversas reservadas com interlocutores com voz e peso no debate global sobre a crise climática.

No médio prazo, a preocupação do diplomata se dirige à COP 30. Presidida pelo Brasil, acontecerá entre 10 e 21 de novembro de 2025 em Belém, capital do Pará. A Presidência da COP 30 no ano que vem e o fato de que o Presidente Lula coloca a diminuição progressiva do consumo de combustíveis fósseis como uma das prioridades de seu governo acendem a luz vermelha da urgência.

Em 2022, ainda como presidente eleito, Lula foi à COP 27, realizada no Egito, e disse em discurso que “Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global”.

Em novembro do ano passado, durante viagem oficial à capital saudita Riad, o presidente voltou ao assunto e previu que em 10 anos o Brasil será “a Arábia Saudita [o maior produtor mundial de petróleo] da energia verde”, ao mesmo tempo que prometeu zerar o desmatamento no Brasil até 2030.

Esse tema – da diminuição da produção de petróleo – já chegou a ser inclusive ventilado na reunião que os chefes de Estado dos oito países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) realizaram em Belém, no ano passado. Por ser um assunto polêmico, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela decidiram adiar a definição sobre se adotarão a defesa da região amazônica livre da exploração de fósseis.

“Precisamos de um consenso de Estado que legitime a nossa posição e que não seja eventualmente revisto em um futuro governo. Afinal, o petróleo é um tema nacional”, alerta Corrêa do Lago, que desde março de 2023 ocupa a Secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério de Relações Exteriores (MRE), o Itamaraty.

O diplomata tem repetido esse chamado à urgência do tema – como o fez na semana passada, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia. A COPPE, como também é conhecido esse Instituto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é especializada na produção de tecnologia de ponta para exploração de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, em adaptação climática. “Precisamos atentar ao que diz o embaixador”, observou Suzana Khan, diretora-geral da COPPE e membro do IPCC, o Painel da ONU sobre Mudanças Climáticas.

“Essa definição é urgente”, ressalta Corrêa do Lago, que também chefia as negociações ambientais em outros dois importantes fóruns internacionais. Um deles é o G20, ou Grupo dos 20. É integrado por ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo, além da União Africana e União Europeia. No G20, aponta Corrêa do Lago, as duas prioridades são a adoção de um fundo global para financiar a extinção da pobreza em todo o planeta e – conforme definiu o assim chamado Acordo de Paris, em 2015, – assegurar que sejam tomadas decisões efetivas para limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até 2023. Em 2024, o Brasil passará à presidência rotativa do Grupo, em um processo que inclui debater temas internacionais estruturantes – de terrorismo e finanças até a crise climática – e que culminará na reunião de chefes de Estado a ser realizada em novembro na cidade do Rio de Janeiro. 

O outro fórum é o BRICS+. grupo de países que até o ano passado envolvia Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas que a partir de janeiro de 2024 integrou Egito, Etiópia e os grandes produtores de petróleo e gás natural Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.

O alerta de Corrêa do Lago sobre a definição acerca da transição energética se deve a pelo menos duas urgências. Uma delas é a decisão sobre se o Brasil irá mesmo explorar petróleo e gás natural na Margem Equatorial, que é uma enorme região marítima localizada entre os estados do Amapá e Rio Grande do Norte, palco de disputa interna entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério de Minas e Energia. A Petrobras vê na Margem Equatorial a sucessora do pré-sal em volume de combustíveis a serem produzidos. Decidir se o país fará essa exploração ou não é um dos dilemas que o futuro próximo impõe. 

O embaixador ressalta que o momento político é particularmente importante para essa tomada de decisão, dada a simultânea presidência temporária do G20 em 2024, a participação historicamente central – e a presidência  em 2025 – que o Brasil sempre teve no BRICS, a presidência da COP 30 também no ano que vem e a atual participação na “troika climática”. 

Essa última é a coordenação das futuras Conferências da Convenção do Clima. Ela foi criada na COP 28 em Dubai, e inclui os países que presidiram aquele evento, o atual (COP 29, que acontecerá em novembro próximo em Baku, capital do Azerbaijão) e a COP do ano que vem, em Belém, quando a Convenção completará 15 anos.

“Essa posição dá uma enorme chance ao Brasil”, explica Corrêa do Lago. “Podemos começar a discutir temas no G20 e no BRICS+ e depois incorporá-los na declaração final da COP 30, o que levará a ser transformado em legislação interna dos países que ratificaram a Convenção”, explicou.

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