Reportagens

Economia em mutação

O americano Joshua Farley é um expoente da economia ecológica. Ele defende mudanças profundas na maneira de pensar o dinheiro e os recursos naturais.

Carolina Elia ·
25 de novembro de 2005 · 19 anos atrás

Inquietos com o tratamento dispensado aos recursos naturais pela lógica da economia vigente – que acredita no crescimento ilimitado, ainda que a matéria-prima que a sustente não o seja – um grupo de economistas decidiu mudar quase tudo. Quase porque eles não desejam o fim das ciências econômicas, apenas a sua transformação. Mas que essa seja completa e comece por desconstruir princípios clássicos, como o de que a economia é um sistema fechado e linear e diz respeito basicamente a dinheiro, produzido a partir da alocação de produtos escassos para satisfazer necessidades e desejos humanos. Pela lógica do que vem a se chamar economia ecológica, a economia é um sistema aberto, circular e que só funciona porque é sustentado pelo meio ambiente. Portanto, por uma questão de sobrevivência do próprio sistema, os benefícios não-ambientais de uma transação econômica não podem ser menores dos que os seus custos ambientais.

A nova lógica vem ganhando adeptos dentro e fora do Brasil. Um caso peculiar é o do biólogo americano Joshua Farley, de 42 anos, que ouviu o termo economia ecológica pela primeira vez da boca do então reitor da Universidade Nacional de Brasília (UnB), Cristóvam Buarque, em meados da década de 90. Ele se tornou um dos maiores defensores do modelo e atualmente leciona no Grund Institute for Ecological Economics, na Universidade de Vermont, Estados Unidos. Na semana passada, esteve em Brasília para falar no VI Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica e concedeu uma entrevista a O Eco.

Como um biólogo vira economista?

Farley – Eu sempre gostei de natureza, não tinha outro jeito, tive que estudar Biologia. Quando terminei a faculdade quis conhecer o mundo. Trabalhei um tempo no Alaska, juntei dinheiro e fui descendo de carona pela costa oeste até a Patagônia. De lá, fiz o caminho inverso pelo leste. Passei pelo Brasil , com direito a chegar na Venezuela pela Amazônia brasileira. Conheci tudo, e vi os problemas ambientais. Aí comecei a achar que o caminho que me aguardava na biologia era o da pesquisa e eu queria fazer algo mais aplicado, que fizesse diferença. Então fiz mestrado na Columbia University em economia e política de desenvolvimento, com enfoque em relações internacionais, e estudei português e espanhol.

Como foi o seu primeiro contato com a economia?

Farley – Frustrante. Achei ridículas certas presunções da economia neoclássica a respeito do ser humano, que só pensa em si mesmo. E a tentativa de encaixar tudo em modelos matemáticos. Eu não sabia nada de economia, nem sei como me aceitaram naquele curso, mas achava que faziam as perguntas erradas. Enquanto eles se preocupavam em fazer a economia crescer mais, eu queria saber como aquilo ajudaria os pobres, como melhoraria a qualidade de vida. Mas aí fui aceito para fazer doutorado na Universidade de Cornell em recursos naturais com enfoque em economia neoclássica e ganhei uma bolsa para completar parte dos estudos no Brasil, que era o que eu queria. Tinha muita vontade de voltar para cá. Foi quando acabei indo falar alguma coisa, que nem me lembro mais o que era, com o Cristóvam Buarque. E ele me falou de economia ecológica.

Sua tese de doutorado foi sobre o desmatamento da Amazônia?

Farley – É, tratava de economia dos serviços de ecossistema, mas eu não sabia disso ainda. O que significa estudar os custos e benefícios de uma atividade econômica sobre um ecossistema como o da Amazônia. No caso, o corte de madeira. Eu estudei muita ecologia para fazer meu doutorado. Meu orientador em Cornell perguntava: por que você está estudando ecologia? Eu dizia: estou estudando o desmatamento da Amazônia, tenho que entender o problema para dizer alguma coisa inteligente sobre isso. E ele me respondia que eu não estava ali para entender problemas, mas para entender economia. E os métodos de economia para aplicar no problema. Meus professores não gostavam nada de economia ecológica.

Qual foi a conclusão da tese?

Farley – O desmatamento da Amazônia é ruim para o país, mas os custos de prevenir são mais altos. Não faz sentido, mas os custos de prevenir são mais altos do que desmatar. Para o Brasil parar de derrubar a floresta, a comunidade internacional, que é prejudicada pela destruição da Amazônia, teria que criar incentivos para o país não desmatar.

O senhor está a par do Projeto de Lei de Gestão das Florestas Públicas?

Farley – Ouvi falar, acho bom. O problema é que as leis têm que ser muito rigorosas. O meu medo é que não sejam cumpridas, porque é caro. Como as pessoas receberão concessão de uso da terra por tempo limitado, elas podem usá-la cautelosamente, mas quando terminar o prazo vão extrair tudo o que for possível porque sabem que vão embora. Outro ponto é que normalmente essas leis visam à produção madeireira, mas a Amazônia produz muito mais que madeira. Então tem que pensar na proteção de todos os serviços ecossistêmicos. E, para mim, os beneficiários de muitos desses serviços são os países desenvolvidos.

Conhece planos de manejo que deram certo?

Farley – Cada ecossistema é diferente. Na Austrália, tem um composto por árvores imensas, que a cada 400 anos se queima totalmente. Nessa floresta, talvez faça sentido queimar tudo e deixar brotar porque imita o sistema natural. Mas a Amazônia é completamente diferente. Precisa de um sistema de manejo próprio. E floresta manejada nunca permanece a mesma.

Como proteger recursos naturais numa economia que prioriza o crescimento?

Farley – Eu não sei como eles continuam impondo esta idéia, porque estudos empíricos mostram que crescimento econômico em países ricos não adianta. As pessoas não ficam mais satisfeitas. Nos Estados Unidos, enquanto o PIB cresce, a qualidade de vida cai. Porque estão destruindo os recursos mais importantes para investir em recursos menores.

A economia ecológica vê o PIB de uma forma diferente?

Farley – Para nós, o nome mais correto seria Custo Interno Bruto, e não apenas Produto Interno Bruto. Porque para a economia ecológica o PIB é calculado sobre alguns bens e serviços úteis, mas também sobre os custos ambientais da produção. Se Brasil cortasse toda a floresta e vendesse, o PIB ia disparar. Mas em poucos meses o país ia ficar mais pobre. A economia ecológica se respalda nas leis da termodinâmica. Você não pode fazer algo de nada, nem nada de algo. Toda produção tem resíduo, desperdiça energia. A economia é um subsistema subordinado a um maior. Não pode crescer mais do que o sistema que a sustenta. Os economistas neoclássicos querem crescer para sempre. Os da linha ecológica dizem que é impossível e também indesejável.

Como os governos podem contribuir para esta mudança?

Farley – Têm que decidir com a sociedade, e impor, quanto capital natural tem que ser deixado intacto. Não só para as futuras gerações , mas para a manutenção dos ecossistemas. O governo pode, como no Protocolo de Kyoto, impor limites. Agora, também pode se comportar como a China, que diz que vai reflorestar as suas florestas, mas está acabando com a madeira de outros países.

E o casamento da economia ecológica com o setor financeiro?

Farley – O setor de finanças é complicado. Herman Daly, que foi o meu mestre, disse uma vez que quem acha que entende de dinheiro provavelmente não o estudou suficientemente. Dinheiro não segue as leis de entropia, gera juros, pode crescer para sempre. Eu sou a favor de mudar radicalmente o sistema monetário. Acabar com os juros. Mas para explicar isso eu precisaria de uma semana. O direito de criar dinheiro está hoje na mão dos bancos, tem que voltar para os governos, para quem produz a riqueza. Capital natural cresce normalmente usando poder solar. Se você tem uma floresta e uma dívida, a dívida cresce 10% ao ano e a floresta 3%, é melhor cortar a floresta e pagar a divida. A especulação acaba com os capitais verdadeiros, que produzem riqueza e ajudam a manter a economia real.

Por que o senhor diz que a contribuição dos ecologistas para a economia ecológica é frustrante?

Farley – Acho que pensar ecologia sem economia é absurdo, artificial. É pensá-la sem o ser humano, que é o maior impacto ambiental do mundo. Eu já trabalhei com ecologistas e adorei, aprendi muito com eles. Mas eles querem preservar o ecossistema sem prestar atenção na política, na economia. Achei meio triste. As universidades normalmente ensinam você a aprofundar conhecimento. Aprender mais e mais sobre menos e menos até saber tudo sobre nada. Acho necessário estudar as interseções entre sistemas diferentes. Precisamos de pessoas especializadas, mas agora também precisamos das que conectam diferentes conhecimentos.

É o que chamam de “transdisciplinaridade”?

Farley – É. Para ser economista ecológico não precisa estudar economia. É bom aprender e entender algumas coisas, mas você pode ser de outra área. Porque os desafios impostos por esse tipo de economia são complexos, não dá para entender na visão de uma disciplina só. Dependendo do problema, para entendê-lo é preciso saber política, sociologia, economia… O problema determina os métodos e a disciplina, e as pessoas aprendem a resolvê-los e a pensar de maneira transdisciplinar. Mas além da transdisciplinaridade, tem que existir a transinstitucionalidade. O problema não pode só ter a visão acadêmica, tem que trabalhar com governo, ongs e sociedade.

O que os economistas da linha neoclássica dizem da economia ecológica?

Farley – Muitos dizem que não vai ter escassez de recursos, que não precisa se preocupar porque a tecnologia sempre vai inventar soluções. Mas a tecnologia tem preço. As patentes são um exemplo. E quando você bota preço numa informação ela vai ser usada menos e você tem menos chance de descobrir soluções. Todo mundo diz que estamos na era da informática e da informação. A informação é chave na economia.

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