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Justiça manda órgão ambiental dar licença para fazendas dentro de estação ecológica

Desembargador afirma que houve morosidade do órgão ambiental na análise da licença ambiental e determina que órgão permita o desmatamento de 74 mil hectares de Cerrado

Daniele Bragança · Gabriel Tussini ·
22 de agosto de 2024

Um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí decidiu, em caráter liminar e monocrático, que a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMARH) deve emitir uma licença ambiental de duas fazendas para “evitar danos de grandes proporções à atividade econômica e ao exercício da função social da terra”. As duas propriedades estão localizadas dentro da Estação Ecológica de Uruçuí-Una, em Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí, uma unidade de conservação de proteção integral federal. Os autores solicitam permissão para converter 74,7 mil hectares de Cerrado em cultivo de soja e milho. 

Os requerentes do mandado de segurança contra o órgão ambiental estadual alegam que solicitaram licença ambiental em maio, mas até o momento o órgão não deu respostas. Para o magistrado, “não é razoável que os Impetrantes sejam penalizados pela morosidade na análise do seu pedido administrativo de obtenção de Licença Ambiental Provisória”. O ICMBio, órgão responsável pela gestão da Unidade de Informação, não consta como parte da ação. 

Os reclamantes também acusam o Instituto de Terras do Piauí (INTERPI) de não ter respondido aos pedidos de Certidão de Regularidade Dominial para fins de licenciamento ambiental. 

A decisão, proferida na semana passada (15/08), tem força de mandado de lei e determina “à SEMARH a expedição de Licença Ambiental Provisória, bem como, ao INTERPI a expedição da CRD [Certidão de Regularidade Dominial], até ulterior deliberação desse juízo. Determino ainda, que seja oficiado a SEMARH e o INTERPI, para que se proceda com a expedição dos respectivos documentos, de acordo com as determinações descritas acima”, decide o desembargador José James Gomes Pereira, da 2ª Câmara de Direito Pùblico. 

A Fazenda Conesul, de propriedade da Conesul Colonizadora dos Cerrados Sul Piauiense LTDA, e a Fazenda Brejo das Meninas, de propriedade de Paulo Anacleto Garcia, querem permissão para desmatar 67.746 hectares e 7.362,29 hectares, respectivamente, para o  cultivo de soja e milho. Mas enquanto a Brejo das Meninas, que tem um total de 14.067 hectares, possui uma área de uso consolidado de 1,3 mil hectares, a fazenda Conesul, com 102.495,98 hectares, é ocupada inteiramente por vegetação nativa.

Procurada, a chefia da unidade, administrada pelo ICMBio, afirmou ter sido pego de surpresa com a decisão, e lembrou que a unidade de conservação está totalmente inserida no Cerrado. “Com o avanço dos projetos agrícolas, é o único refúgio para os animais da região”, disse a administração, que lembrou que animais ameaçados de extinção, como lobos-guará, onças-pintadas e gatos-do-mato, vivem dentro de seus limites.

O ICMBio respondeu ainda, em nota (íntegra abaixo), que “é incompatível a presença de moradores dentro da unidade ou qualquer atividade que cause degradação ambiental” e que “não compactua com o uso indevido dentro de unidades de conservação”, mas frisou que não é parte no processo. O órgão lembrou ainda que “a fazenda mencionada foi autuada em 2015 por desmatamento de 2.431 hectares dentro da Esec, já transitado em julgado”, com multa de mais de R$ 4,8 milhões.

Sobre o argumento de caducidade do decreto de criação da Estação Ecológica, o ICMBio afirmou entender que ele “não tem fundamento, uma vez que os decretos de criação de unidades de conservação são submetidos a regime especial previsto em lei”.

A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí e o Instituto de Terras também foram procurados para saber se já foram comunicados da decisão, se expediram as licenças e se recorreram da decisão. Os órgãos ainda não responderam, e o espaço segue aberto. 

A Estação Ecológica de Uruçuí-Una possui 135.122,29 hectares e foi criada em junho de 1981. Como o prazo para pedidos de expropriação das propriedades rurais que estavam dentro da UC quando ela foi criada expirou, as desapropriações foram canceladas, mas, segundo decisão do TRF1, “eventual omissão do administrador não enseja a extinção da unidade de conservação, mas somente a caducidade do decreto expropriatório dos imóveis que ainda se acham titulados em favor de particulares”. Ou seja, “o fato de o Poder Público ainda não ter efetivado a desapropriação dos imóveis incluídos dentro da abrangência da

Estação Ecológica Uruçuí-Una não significa que os proprietários possam fazer uso incompatível do espaço, pois ele está sujeito a limitações ambientais e sociais”. 

Os autores alegam que as fazendas funcionavam naquela área desde 1976, cinco anos antes da criação da unidade de conservação, e que portanto devem ser autorizados a continuar funcionando normalmente, mesmo dentro da Estação Ecológica. Em 2020, porém, a Advocacia-Geral da União (AGU), atuando em nome do ICMBio, obteve uma vitória na Justiça Federal do Piauí contra os donos das fazendas, que tentavam obter a autorização para funcionamento.

Íntegra da nota do ICMBio

Informamos que a Estação Ecológica de Uruçuí-Una é uma Unidade de Proteção Integral, criada pelo Decreto Federal s/nº de 02 de junho de 1981, com o objetivo de proteger e preservar amostras do ecossistema de cerrado. É incompatível a presença de moradores dentro da unidade ou qualquer atividade que cause degradação ambiental. Com relação ao processo questionado, o Instituto Chico Mendes (ICMBio/MMA) não é parte, e ainda não houve recebimento de qualquer intimação judicial a respeito do assunto.

O ICMBio não compactua com o uso indevido dentro de unidades de conservação, e quaisquer empreendimentos que causem impacto negativo a essas áreas devem ser avaliados por nossa equipe técnica. Justamente por isso, a fazenda mencionada foi autuada em 2015 por desmatamento de 2.431 hectares dentro da Esec, já transitado em julgado, com multa homologada no valor de R$ 4.862.000,00 (quatro milhões, oitocentos e sessenta e dois mil reais), bem como a manutenção do embargo da área até a comprovação da recuperação do dano.

Sobre a tese de caducidade defendida pela parte interessada, entendemos que não tem fundamento, uma vez que os decretos de criação de unidades de conservação são submetidos a regime especial previsto em lei.

  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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Comentários 2

  1. Dirceu diz:

    No meu modesto ponto de vista , esse “ Desembargadir” é muito mal informado , pois uma vez criada , uma unidade de Conservação de uso restrito 🚫 como uma estação ecológica , onde sequer a presença de pessoas é permitida , a não ser órgãos de fiscalização d biólogos , um juiz , não pode e nem tem autoridade , para determinar ou fazer concessões desse tipo , sem antes oficiar o IBAMA e o ICMBIO , além disso uma unidade de conservação não precisa necessariamente indenizar antigos “ supostos” proprietários … pois isto está mais pra Grilagem , e por derradeiro , só por outro Decreto -Presidencial pode-se desconstituir o Decreto 📜 que criou a unidade !!! Assim sendo , O STF deve ser instado a se pronunciar , por meio de representação da Procuradoria Geral da República do meio Ambiente , pois é atribuição do MP Federal e dever da Advocacia geral Da União ,intervir em casos de ataques à toda forma de usurpação de atribuições do Presidebte da República ,no caso de unidades de conservação Federais , e do MP Estaduai , nas Unidades Estaduais , relembrando que Estadoes Ecológicas são de Proteção Integral , muito mais restritiva !! Um completo Absurdo , que deve ser apurado com todo o rigor sobre a tal decisão de 2 a Instância ,que não prevalece em momento algum , nem sobre o Decreto de criação e muito menos sobre a Lei das SNUCS ( sistema nacional de Umidades de Conservação ) as unidades inclusive podem e devem trocar os créditos de carbono e a cobertura florestal conservada , para compensar os passivos ambientais que estas mesmas empresas que já desmataram , tem para com o sistema do CAR , assim sendo , não são sujeitas a desafetação urgente como alega o “ nobre” magistrado de 2 a . Instância , está saltando aos olhos 👀 a ilegalidade de tal decisão que deve ser revertida de forma cabal no STJ ou no STF .


  2. Asafe diz:

    Quando uma família influente vizinha a flona. Desmataram sem autorização e ainda afetaram os limites da uc. Escrevemos uma nota sobre a matéria. Mesmo posterior a autuação. Eu, como servidor público imaginava que só sóbraria as uc. Mas, com afetação do condomínio à uc. O antigo proprietário vendeu para outro que iniciou a supressão para fazer um condomínio sem autorização. O primeiro condomínio é fantasma. O segundo também seguirá na mesma esteira do fantasmagórico. Ninguém até o momento veio morar no primeiro. Não precisa ser cientista para descobrir que a questão imobiliária é uma ilusão nesses moldes. O povo não tem grana para pagar. Cristalino II e Esec urucui-una se tornam os protagonista das Limiares monocraticas de desafetação de UC em benefício do bem social. Digo do bem do capital! Quanto será que o Agro-destruicao e agro-envenenamento vão parar?