O governo brasileiro anunciou nesta segunda-feira, dia 5 de dezembro, em Brasília, que o desmatamento na Amazônia entre agosto de 2004 e agosto de 2005 varreu do mapa 18,9 mil km2 da floresta. O número, compilado pelos técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ainda é estimado e baseia-se em imagens capturadas pelo satélite Landsat, que é capaz de detectar desflorestamentos acima de 6,25 hectares. O desmate caiu 30% em relação aos 27 mil km2 registrados entre agosto de 2003 e agosto de 2004. As quedas mais substanciais foram na Terra do Meio e na zona de influência da BR-163, ambas no Pará, áreas consideradas críticas até o ano passado.
Na Terra do Meio, onde o desmatamento de 2003 para 2004 saltou 600%, a queda foi de 75%. Na BR-163, a média da queda foi de 55%. Em compensação, a derrubada de árvores deu um salto no Sul do Amazonas considerado gravíssimo pelo diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Na região dos municípios de Manicoré e Humaitá, o desmatamento deu um salto de 52%. Em Aripuanã e Apuí, ele subiu 42%. “Eram áreas onde já havia alguma pressão. Mas não nesse nível”, diz Capobianco. “É preocupante”.
Preocupa também o aparecimento de uma nova fronteira de desmatamento na região. Fica na Calha Norte do rio Amazonas no Pará, na área dos municípios de Óbidos, Oriximirá e Alenquer. Ali, a derrubada de árvores registrada este ano subiu 10% em relação ao ano anterior. “É uma nova fronteira de desmatamento”, diz Capobianco. Apesar da queda no número geral, ele afirma que o recrudescimento do corte no Sul do Amazonas e o surgimento desta nova fronteira no Pará não deixam muito espaço para comemorações. Pelo menos nisso, há muita gente de acordo. “O número mostra que ainda há muito a ser feito para controlar o desmatamento na região”, diz Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Ele reconhece que a queda de 30% no número do desmatamento é um passo importante, mas lembra que uma área de floresta equivalente a cinco campos de futebol continua sendo destruída a cada minuto. O Greenpeace fará uma análise apurada dos dados para descobrir até que ponto a redução foi provocado pela entrada em vigor do Plano de Combate ao Desmatamento elaborado pelo governo Lula. “Tem que se levar em conta que a queda no preço de commodities como a soja ajudou a diminuir a pressão sobre a floresta”, diz Adario.
A queda na derrubada da floresta na Terra do Meio e na região da BR-163 tem relação direta com as ações de repressão ao desmatamento adotadas pelo governo em fevereiro, logo depois do assassinato da freira Dorothy Stang. Brasília decretou uma zona de exclusão administrativa na área de influência da estrada de 8,3 milhões de hectares, o que na prática impediu ali o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. E demarcou áreas para a criação de pelo menos sete Unidades de Conservação nos dois locais. Além disso, reforçou a fiscalização do Ibama e colocou tropas do Exército e grupamentos de policiais federais patrulhando o Sul e o Sudoeste do estado.
O resultado no combate ao desmatamento foi devastador. Na área onde deve ser criada a Reserva Biológica da Terra do Meio, a queda na derrubada foi de 75%. Ao longo da BR-163, o Inpe indica uma queda de 55%. Não deixa de ser uma boa notícia, mas como diz o próprio Capobianco, há ainda a necessidade de se consolidar as ações do governo federal no Pará para que este tombo se transforme de episódico em permanente. As Unidades de Conservação já foram demarcadas, mas seus decretos de criação, que estão na Casa Civil da Presidência da República, ainda não foram assinados. “Mas vão sair ainda este ano”, promete Capobianco.
Também deve ser levado em conta o impacto da Operação Curupira, deflagrada no começo de junho para desbaratar uma quadrilha dentro do Ibama que dava cobertura para madeireiros ilegais na região. Seus efeitos foram quase que imediatamente captados pelas lentes dos satélites que servem ao Deter, um sistema menos nítido, porém mais rápido, que também monitora o estado da floresta amazônica para o governo federal. Em julho, ele registrou uma queda de 93% no desmatamento em relação ao mesmo mês do ano passado.
“Quando o governo quer agir, funciona”, diz Adário. “Governança funciona, mas o governo tem que ser um só”. Ele se refere ao crescimento de 60% no desmatamento no Amazonas, no qual uma boa parcela da responsabilidade deve-se à reconstrução da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. O Ministério do Meio Ambiente é contra a obra, a pasta dos Transportes é 100% a favor. Enquanto o presidente Lula não define de que lado está, a disputa é um cartão de visitas para grileiros, madeireiros, pecuaristas e sojeiros se instalarem na região.
Carlos Souza, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) acha a queda fantástica, mas teme que se nada for feito o número volte a se estabilizar na casa dos 20 mil km2 de floresta derrubada, onde esteve nos últimos 5 anos. Ele lembra ainda que 18,9 mil km2 é um índice um pouco acima da média da década de 90, que já era considerada alta. Qual seria um patamar de desmatamento aceitável? Não se sabe. Como ele lembra, a sociedade ainda não definiu isso. Paulo Adário, do Greenpeace, diz que a queda no desmatamento deve-se a ações conjunturais. “Não fosse a morte da Dorothy em fevereiro, provavelmente não teríamos queda substancial do desmatamento na Terra do Meio e na BR-163”, diz ele.
Entre as Ongs e instituições de pesquisa que acompanham a saúde da floresta amazônica de perto, a divulgação do número oficial na segunda-feira causou uma certa surpresa. Um convite feito pelo Planalto os convocava para uma reunião, junto com técnicos de outros órgãos do governo federal, que seria realizada nesta terça-feira em Brasília. No encontro, o número oficial seria revelado. Mas a reunião, sem qualquer explicação, acabou cancelada.
Apesar das discordâncias, há pelo menos um aplauso unânime pelo fato de o governo ter cumprido sua promessa de adiantar a divulgação dos números do Inpe. Desde que eles começaram a ser compilados, há 17 anos, só eram revelados em média sete ou oito meses depois do fim de seu período de coleta. Os números de 2003/2004, por exemplo, só saíram em maio de 2005, mês em que as motosserras já estavam entrando de volta na floresta. “Não dava para utilizar os dados para fazer política de combate ao desmatamento”, diz Capobianco. Agora dá. O governo sabe que no próximo ano, quando começar o período de corte na região, uma das áreas que deverão merecer atenção prioritária é o Sul do Amazonas.
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