Após longos anos de espera, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) lançou na tarde desta terça-feira (17) o Plano Nacional de Rastreabilidade na Pecuária, que prevê a identificação individual obrigatória de todos os bovinos e bubalinos em solo nacional. Apesar de as exigências ambientais de mercados importadores da carne brasileira serem cada vez mais crescentes, inicialmente o plano tem somente fins sanitários.
De acordo com o cronograma do governo, o país terá oito anos para a implementação total da iniciativa. Os dois anos iniciais, a contar de janeiro de 2025, serão para a estruturação do sistema. Neste período, além de resoluções tecnológicas, o plano também deverá ser regulamentado e desdobrado em definições de como deve se dar sua implementação.
A adoção no campo só começará em 2027, com três anos de prazo para que pecuaristas iniciem sua implementação. Após esse tempo, estão previstos mais três anos para a identificação em massa do rebanho. Isto é, o Brasil pretende ter todo rebanho identificado de forma individual e obrigatória somente em 2032.
O longo prazo dado pelo governo brasileiro foi justificado pelo tamanho do desafio de brincar um rebanho que superou 238 milhões de cabeças em 2023. “Em 2032 o Brasil se lança definitivamente para os melhores mercados do mundo como o país mais competitivo para fornecer proteína animal”, disse o ministro Carlos Fávaro, ao anunciar o lançamento do plano.
Segundo Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o prazo dado pelo governo não responde à emergência climática e ambiental com a celeridade que ela exige, mas é um fato a ser comemorado.
“Para nós, como sociedade civil, muito ciente da emergência climática, sem dúvida o prazo não é compatível com a pressa que a gente tem. Por outro lado, as questões são complexas e isso é um passo. A gente ter uma política de rastreabilidade individual obrigatória é uma grande conquista”, disse Guyot, em entrevista a ((o))eco.
Fins sanitários ou ambientais?
A necessidade da identificação individual do rebanho já é discutida internamente há várias décadas e tem sido cada vez mais exigida pelos mercados consumidores. É consenso entre os principais países exportadores e importadores de carne bovina que a rastreabilidade por identificação individual dos animais é fundamental para aumentar a segurança sanitária e para promover respostas mais rápidas e efetivas no controle e erradicação de doenças infecciosas dos rebanhos.
Ela também é considerada peça essencial no rastreio de ilegalidades ambientais ligadas à cadeia da carne, como o desmatamento. Tanto é que Austrália, Argentina, Uruguai, Chile, Canadá e países da União Europeia já implantaram sistemas de rastreabilidade individual em 100% de seus rebanhos.
Por diferentes fatores, entre eles a pressão exercida internamente pelo setor, o Brasil postergou a adoção do rastreio individual o máximo que pode. A iminente implementação da Lei Europeia Anti-desmatamento, o Forest Act americano e as discussões que têm sido travadas pela China Meat Association no sentido de criar diretrizes socioambientais aos seus fornecedores aumentaram a pressão sobre o setor, que agora resolveu agir.
Atualmente, a rastreabilidade da cadeia da carne no Brasil é feita por uma ferramenta chamada Guia de Trânsito Animal (GTA). A GTA é o documento oficial para transporte animal no Brasil e contém informações sobre origem, destino, finalidade, espécie e vacinas aplicadas.
Criada para fins sanitários – controle de vacinas – a GTA também é atualmente a principal ferramenta usada para o rastreio ambiental do gado, ao ser cruzada com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e imagens de satélite.
O problema é que, além de ser emitida para lotes de animais – e um lote pode ter bois de várias procedências – a GTA não é aberta ao controle social, tem se mostrado cheia de falhas e é altamente fraudável.
No último sábado (14), o ministro Carlos Fávaro declarou que, além dos fins sanitários, o plano do MAPA também tem fins ambientais. “O mundo todo exige a transparência de boas práticas, quer sejam ambientais, quer sejam sociais e trabalhistas. E nós temos essa capacidade”, disse, em evento para pecuaristas realizado em Novo Horizonte do Norte (MT).
Segundo Marina Guyot, no entanto, o plano lançado pelo Ministério da Agricultura trata somente da rastreabilidade individual para fins sanitários e não está claro como as informações poderiam ser usadas também para monitoramento ambiental. “A transparência dos dados, para isso, não está definida”, explicou.
Segundo ela, o governo tem trabalhado paralelamente em uma plataforma voltada para o monitoramento ambiental do rebanho brasileiro. Chamada AgroBrasil +Sustentável, a plataforma está sendo desenvolvida conjuntamente pela Casa Civil e ministérios da Indústria e Comércio, Relações Exteriores e Meio Ambiente.
O problema é que ela tem adesão voluntária e também não está claro como se daria a integração das informações da identificação individual com os dados ambientais. “Tem alguns desafios importantes para que [a plataforma AgroBrasil +Sustentável] saia desse escopo muito limitado, voluntário, para um passo obrigatório e universal”, disse Guyot.
Ainda que não na velocidade que seria necessária, a gerente do Imaflora acredita que o Brasil está no caminho certo. “Vemos como um processo que está evoluindo,. No mínimo, está sendo construído um arcabouço de dados que, sem ele, o monitoramento socioambiental seria muito limitado. Então, é algo a ser valorizado”, diz.
Os detalhes do Plano Nacional de Rastreabilidade na Pecuária ainda não foram publicados.
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