Há algo de errado no caminho para a conservação da biodiversidade. Enquanto é cada vez mais comum encontrar quem declare amor aos bichos e às plantas, é também cada vez mais raro achar quem queira conhecê-los bem. Os taxonomistas — responsáveis por identificar as espécies, classificá-las e documentar suas características — estão ameaçados de extinção.
Segundo um levantamento divulgado pelo Secretariado da Convenção de Diversidade Biológica no fim de março durante a COP-8, em Curitiba, estipula-se que existam, no máximo, 6 mil profissionais no mundo. Se forem considerados os biólogos que têm conhecimento em taxonomia sem serem especialistas no assunto, o número sobe para 40 mil. Ainda assim, é muito pouco para a quantidade de espécies espalhadas pelo planeta, que variam de microrganismos a elefantes e são, em sua maioria, desconhecidas.
Na ponta do lápis, o número de taxonomistas em atividade é ainda mais reduzido. O estudo feito pelos pesquisadores alemães Christoph Hauser e Fabian Haas concluiu que em 2003 o país em melhor situação era os Estados Unidos, com 914 profissionais. Em segundo lugar vinha a Alemanha com apenas 211. O Brasil, fiel depositário da maior biodiversidade do planeta, ficou em quarto, com 171 taxonomistas. Na África, existem países com nenhum, ou com um, dois ou três em atividade.
Nem sempre foi assim. Estatísticas mostram que o interesse pela profissão diminuiu nas últimas décadas. Em 1974, a Austrália tinha 193 especialistas em taxonomia em suas universidades. Em 1996, o número caiu para 64. Na Ásia, seis em cada dez taxonomistas têm mais de 40 anos. Marcela Sánchez, engenheira agrônoma à frente do Jardim Botânico Arturo E. Ragonese, em Buenos Aires, e professora do Instituto de Recursos Biológicos, comemora ter pelo menos uma aluna interessada em taxonomia. A maioria, diz ela, só quer saber de biologia molecular.
Timidez
“A culpa é dos taxonomistas, que são muito tímidos e não se preocupam em mostrar a importância de seu trabalho”, afirma Jorg Rombke — representante da empresa de ecotoxicologia ECT, presente em Curitiba para divulgação do projeto Solobioma, desenvolvido pelo governo alemão junto com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) para estudar a contribuição de microrganismos para a conservação da Mata Atlântica. Na platéia, o zoólogo Manfred Vergaah, do Museu de História Natural Karlsruhe, adicionou que os jovens têm interesse em se tornarem taxonomistas, só não têm perspectiva de emprego. A questão parece ser global, porque o pesquisador Célio Magalhães, curador da coleção de invertebrados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), apresentou os mesmos motivos para a crise: “Os taxonomistas são fechados, gostam de ficar no museu. Mas o que assusta as pessoas é a falta de trabalho”. E lembrou que, na prática, os estudantes procuram estágios em laboratórios com mais recursos, que há tempos não são os de taxonomia.
Para John Hough, principal assessor técnico do Global Environment Facility (GEF) dentro do programa da ONU para desenvolvimento (UNDP), se não há ofertas de emprego é porque a sociedade dá pouca importância à profissão. “Os taxonomistas precisam demonstrar a importância do trabalho que fazem”, criticou. Sarah Oldfield, diretora da Botanic Garden Conservation International (BGCI), defende o mesmo raciocínio. Diz que conseguir investimentos para pesquisas em taxonomia continuará a ser um desafio enquanto as pessoas não entenderem a sua importância.
Para quê serve?
E afinal, qual a serventia desta ciência? Muitas. A começar por ser um dos pilares da biologia. Como compara a bióloga Ione Eglar, do Ministério da Ciência e Tecnologia, a taxonomia está para a ciência como a tabuada para a área tecnológica. Sem ela não é possível identificar de forma precisa e confiável as espécies. Estudos mais abrangentes de taxonomia, conhecidos como sistemática, fornecem o histórico das espécies na Terra, suas árvores genealógicas, a base de todo o conhecimento sobre a biodiversidade.
As informações documentadas por taxonomistas em coleções espalhadas por museus e herbários ajudam a identificar espécies invasoras e contêm os dados necessários para a elaboração de políticas de controle. Também ajudam a impedir epidemias, por serem capazes de informar como certos vírus se espalham e quem são os hospedeiros. Dados taxonômicos são igualmente essenciais para a elaboração de vacinas.
No campo da conservação, os taxonomistas e sistematas ajudam a mapear quais são as áreas mais ricas em biodiversidade, as que concentram maior número de espécies, as que são fundamentais para a conservação de distintas linhagens evolutivas e cuja destruição terá maior impacto sobre as teias de vida que compõem aquele ecossistema. Em projetos de recuperação de florestas, taxonomistas são necessários para a seleção das melhores espécies de árvores a serem utilizadas para reconstruir a mata de forma rápida e saudável.
Na África, os taxonomistas foram chamados a campo para ajudar a recuperar plantações e mitigar a questão da fome. As abelhas são os principais polinizadores inventados pela natureza, mas suas populações estão diminuindo. O problema é global, tanto que em 1998 foi criada uma iniciativa internacional para se investir em estudos sobre polinização – a International Pollinator Initiative (IPI), consolidada dois anos depois na COP-5, no Quênia. Mas, na África, onde quase 3 mil espécies de abelhas já foram classificadas, o problema se revelou mais grave por falta de especialistas no assunto. Três taxonomistas de abelhas estão sendo formados às pressas na África do Sul, Quênia e Gana e serão os primeiros do continente.
Um fator a favor deles é que a maioria das abelhas afro-tropicais foi catalogada e a literatura sobre elas está disponível na internet, o que facilitará o trabalho dos taxonomistas recém-formados. Capacitar profissionais nessa área leva tempo. Para treinar os olhos de um taxonomista é necessário muito trabalho de campo e acúmulo de experiência.
Hoje, existem diversas redes de conhecimento em taxonomia. Duas delas na África: a SABONET (Southern African Botanical Diversity Network) e a BOZONET (Botanical and Zoological Taxonomic Networks). A primeira é a mais antiga. Abarca dez países e uniu 17 herbários e 22 jardins botânicos para a preparação de inventários, listagens de plantas nacionais ameaçadas de extinção, expedições e cursos de aperfeiçoamento para funcionários e usuários de informações taxonômicas. Já a BOZONET ainda engatinha, mas se propõe a ajudar a conservar o leste da África (Etiópia, Quênia, Tanzânia e Uganda), que é extremamente rico em biodiversidade. Lá estão cinco das áreas com a maior variedade de plantas no mundo e há uma alta taxa de espécies endêmicas. Incluindo 200 tipos de peixe e um número ainda maior de moluscos.
Existe também o Tree of Life Web Project (ToL), uma pareceria entre biólogos de diferentes países para aglutinar informações sobre a diversidade dos organismos na Terra e sua evolução. Outra iniciativa importante é a BioNET, uma rede sem fins lucrativos que se dispõe a promover a taxonomia e a formar parcerias entre governos e cientistas de diferentes países.
A importância de se investir em taxonomia para conservar a biodiversidade do planeta foi reconhecida pela comunidade internacional há quatro anos, na COP-6, quando foi aprovada a criação da Global Taxonomy Initiative (GTI), que tem como meta suprir a deficiência de especialistas e a falta de conhecimento taxonômico necessário para conservar e explorar a biodiversidade. Porém, os próprios integrantes da Convenção de Diversidade Biológica (CBD) reconhecem que o GTI estagnou ainda na fase de implementação. Cristoph Hauser aponta dois motivos para a inércia. Um é a implementação não ser obrigatória em parte dos países. Dois, o GTI tem que dividir os recursos do Global Environmental Fund com todas as ações a serem implementadas pela CBD, e taxonomia não é um dos assuntos mais competitivos.
Santo de casa
No Brasil, há boas perspectivas. O Ministério da Ciência e Tecnologia, junto com a CAPES e o CNPq, lançou o Programa de Capacitação em Taxonomia. A meta é formar em 7 anos profissionais altamente qualificados em taxonomia e curadoria de coleções biológicas. Quarenta e um cursos de pós-graduação receberam 60 bolsas de mestrado, 30 de doutorado e 20 de pós-doutorado.
Fora isso, o país conta com 150 herbários, dos quais 125 são ativos em intercâmbio de dados e materiais científicos. Os 29 jardins botânicos em território nacional também estão interligados pela Rede Brasileira de Jardins Botânicos, que por sua vez faz parte do Botanic Garden Conservation International (BGCI), uma instituição criada em 1987 que apóia, orienta e fornece informações a mais de 500 jardins botânicos em 112 países.
Essas conexões ajudam a trafegar informações, barateiam custos e permitem a troca de novas técnicas. Além disso, inserem o Brasil no âmbito do GTI e do Global Strategy for Plant Conservation (GSPC), que utiliza uma rede de trabalho internacional para levantar dados sobre a diversidade vegetal da Terra e interligar iniciativas conservacionistas em todo o mundo. Entretanto, pela avaliação de especialistas brasileiros, a participação do país ainda é incipiente e precisa ser ampliada.
Ao andar pelos corredores da COP-8 em Curitiba, não era raro esbarrar com taxonomistas e sistematas. Dava até para acreditar que, afinal, não existem tão poucos assim no mundo. Mas era só parar para cinco minutos de conversa que eles revelavam que estavam ali por uma questão de sobrevivência. Afinal, chegou a hora de mostrar que, sem eles, salvar a biodiversidade é pura retórica.
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Isso é muito preocupante,principalmente aqui no Brasil que tem uma das maiores biodiversidade do planeta, e não estão se preocupando com essa importe profissão.